Brilho Eterno de uma Mente sem Lembranças foi uma experiência cinematográfica alucinante e absolutamente encantadora. Foi no filme de 2004 que conheci o francês Michel Gondry, outrora diretor de clipes musicais pop e que agora faz um enorme sucesso do cinema, sendo dono deste título que é muito provavelmente um dos melhores filmes que eu já vi na minha vida. Apesar de não ser tão glorioso quanto, Sonhando Acordado me interessou bastante da primeira vez que fui conferir (e terminei não terminando). É bem mais esquisitão que Brilho Eterno de uma Mente sem Lembranças. E isso, em partes, é bom.
A irreal viagem adentro as loucuras de um rapaz metade mexicano metade francês (o ótimo Gael García Bernal, numa das melhores performances de sua carreira) que, com a morte do pai, viaja para a França para trabalhar numa empresa que produz calendários. Lá, ele descobre a farsa do emprego arranjado pela mãe e se apaixona pela nova vizinha, uma excêntrica mulher (Charlotte Gainsbourg) com quem ele apronta as maiores e dá asas à criatividade. Aliás, criatividade é o que não falta em Sonhando Acordado, filme com uma premissa criativa sobre um cara com várias ideias criativas em seu universo criativo. Talvez essa premissa não tem lá a complexidade de um Charlie Kaufman, mas é interessante observar o cinema de Michel Gondry por ele mesmo, desse jeitinho.
O francês solta a imaginação e usa e abusa de truques criativos fílmicos e fabrica um trabalho tanto surreal quanto gostoso de se ver e cativante. O filme não só brinca com o nosso pensamento e nos coloca dentro um jogo ao mesmo tempo mágico e elétrico como também nos faz refletir sobre a natureza dos relacionamentos humanos nos dias de hoje e sobre a estética dos sonhos literalmente e figuradamente, mas sem deixar o tema maçante ou irritante. Também é bem bacana ir observando os atores entrando no ritmo da brincadeira, se descontraindo com a trama leve e sensível de Sonhando Acordado, em especial o protagonista de garra Gael García Bernal, que vai tecendo o personagem Stephane com amabilidade e engenhosidade de uma maneira peculiarmente sensacional.
Também se destaca a formidável Charlotte Gainsbourg, que faz o papel da mulher por quem Stephane se apaixona, que por sua vez se chama Stephanie. Os dois compartilham juntos uma porção de momentos engraçados e no geral graciosos e a química é inevitável quão proporcional.
Não sei se sou só eu, mas eu achei o filme uma delícia. Quero dizer isso não como se eu fosse a única pessoa a ter gostado de Sonhando Acordado, ainda que muita gente tenha odiado o filme, mas sim como se ele fosse mesmo mágico assim. Acho que é coisa minha mesmo. Me envolvi fácil à história, sem falar no elenco, e todas as palhaçadas do Gael... É verdade, o filme pode aborrecer muita gente, mas eu amei. É lindo. Nunca vi uma comédia romântica tão onírica e estilosa funcionar tão bem como Sonhando Acordado funcionou. É uma exceção deliciosa dentro do gênero.
Ao mesmo tempo, Michel Gondry, se já havia demonstrado ser em Brilho Eterno de uma Mente sem Lembranças um diretor exímio, em Sonhando Acordado, além da direção preciosa, é também a oportunidade de Gondry de se revelar como um roteirista espetacular (Gondry foi creditado como roteirista de Brilho Eterno, mas cá entre nós sabemos que o Charlie Kaufman praticamente fez tudo quanto ao roteiro do filme).
De um lado os brilharecos de Gondry e do outro as artimanhas de um elenco talentoso, Sonhando Acordado é inesquecível. É quando você termina que vem a vontade de ver de novo, e de novo, e de novo. Digam o que quiser, mas é um filme caprichado e me ganhou. Não dá pra comparar com Brilho Eterno, mas é certamente um belo de um deleite. Mágico, fantástico... O mundo dos sonhos é um universo surreal, cheio de enigmas, personagens inusitadas, paralelos incógnitos e uma diversão extasiante. Sem desaprimorar o lado obscuro do mundo onírico, Gondry fantasia a ilusão do universo dos sonhos e o decora com uma história romântica apaixonante. A leve complexidade da trama ajuda em muito a construir um clima de um mix de futurismo com arcaísmo inexplicavelmente fascinante. E o melhor de tudo é que toda essa brincadeira funciona genialmente.
P.S.: Favor não confundir com Sonhando Acordado [Jake Paltrow, 2007]. Apesar de não ter sido lançado no Brasil, consta no IMDB que o título em português é Sonhando Acordado, ainda que em certos veículos de informação o filme esteja como Sonhando Mesmo Acordado.
Sonhando Acordado (La science des rêves)
dir. Michel Gondry - ★★★★

Nenhum comentário:
Postar um comentário