Certos títulos da carreira de Christopher Nolan são medianos e pouco inesquecíveis, embora ambiciosos (Batman - O Cavaleiro das Trevas e O Grande Truque), porém, ainda que curta, nessa filmografia aplaudida destacam-se dois títulos absolutamente invejáveis e geniais fabricados pelo cineasta inglês: o imperdível Amnésia e o mais imperdível ainda A Origem, que é muito provavelmente seu melhor longa. Um dos projetos mais complexos da história do cinema e dessa geração é uma obra que desmonta seu gênero e o reconstrói brilhantemente dentro de uma trama que diverge bastante dos comuns trabalhos atuais, num bom sentido, e marca por sua excelência e inquestionável perfeição.
Não vejo problema algum em não entender A Origem, se bem que para um filme cujo principal alvo é a compreensão, ao contrário da beleza ou ação que também proporciona, ele até exagera um pouco - para confessar. E embora ele exagere em determinados pontos, não deixa de ser bem-filmado e muito inteligente. É necessário rever o filme mesmo para perceber e entender alguns detalhes, pois a primeira vez pode ser difícil para muita gente. E quem conhece bem Nolan sabe que o diretor não poupa esforços em encher seus filmes com uma complexidade explosiva.
E é nesse ramo que ele funciona bem, apesar do seu último trabalho, o cotadíssimo Interestelar, tenha me desapontado demais. É algo que, caso eu não estivesse paciente hoje, poderia ter acontecido: A Origem é demorado. Vejo que Nolan parece um pouco nervoso conduzindo seu brilhante roteiro em atalhos fáceis. A certo modo, ele não confia na relação entre a duração e a ambição de seus trabalhos, fazendo assim uma mistura que resulta em cansaço, na maior parte das vezes. E feliz estou ao assistir A Origem, onde ele parece ter encontrado o exímio alinhamento entre esses dois elementos tão importantes e decisivos.
Na história, Dom Cobb (feito por um inspirado, mas que poderia ser infinitamente melhor, Leonardo DiCaprio) é um criminoso que trabalha roubando grandes informações de poderosos homens através de sonhos. Seu complexo trabalho reúne toda uma equipe e um delicado processo, além de um material específico e tal. Quando um membro de sua equipe, um arquiteto, morre, ele vai procurar ao lado de seu pai um novo assistente, e acaba encontrando Ariadne. Dom tem como missão roubar a senha de um cofre, mas seu tormentador passado e a falecida esposa que faz de tudo para derrubá-lo em seu trabalho, faz com que ele perca a razão entre a realidade, os sonhos e seu passado. Melhor não continuar para não dar spoiler.
Só pra falar, uma coisa que achei muito interessante nesse filme é como Nolan transparece utilizar duas palavras, do português, para identificar dois personagens que movem a trama: Dom (o mestre/mentor do trabalho, o que dá a perceber pelo seu nome que também o qualifica como provedor desse habilidoso jogo) e Mal (sua falecida esposa, que agora vive o atormentando em seus sonhos e o culpa por seu destino, e não por isso ela recebe esse malévolo nome, mas sim por que ela é produto da mente de Dom pra descontrolar sua noção da ilusão e reverter todo o paradigma dos sonhos: logo, um mal), sendo a segunda personagem interpretada lindamente por Marion Cotillard, num papel ótimo aqui.
A conexão detalhista, pós-perfeccionista, dos eventos; a inteira exatidão da percepção; os personagens cuidadosamente desenvolvidos; o roteiro escrito por Christopher Nolan segue uma linha tão singular e extraordinária que não qualificá-lo por mais de uma vez dentro deste texto é do mesmo efeito de um pecado. Poxa vida, só tenho a dizer que, ademais de tudo o que sinto por Nolan, nesse exato momento impera a inveja. Que perplexo roteirista é Nolan. Que cara genial, hein! Chega a tremer. Digo o mesmo da direção, que rima toques, mesmo que fracos, de Scorsese e alta sensibilidade vinda de um Stanley Kubrick. O melhor é que tudo soa tão natural, convencional. Fica automaticamente impossível não adorar A Origem à medida em que o filme vai revelando suas cartadas e desinibindo seus segredos.
Venceu Fotografia, Mixagem e Edição de Som e Efeitos Visuais na cerimônia do Oscar 2011, e pra mim ainda podia ter papado de boa Direção de Arte, Trilha Sonora, Roteiro Original e, porquê não?, Melhor Filme na edição, se não fosse por Alice no País das Maravilhas, A Rede Social e O Discurso do Rei. A fotografia de Wally Pfister, a melhor dele, costura minuciosamente os aspectos visuais que compõem os cenários de A Origem, e torna-se a melhor colaboração de Nolan com o diretor de fotografia. A trilha sonora de Hans Zimmer é ótima e marca mais outra memorável parceria dele com o cineasta, uma parceria que foi muito bem apelidada pelo Mau Saldanha no podcast dele sobre Interestelar como "a mesma de Steven Spielberg e John Williams", da qual eu não discordo nem um pouquinho.
A experiência de vê-lo em DVD já é demais satisfatória e bela, mas acredito que vê-lo no cinema, lá em 2010, em IMAX, seria maravilhoso, e concretizaria a dimensão da experiência de vez. O que vale é ver. A Origem, que explora muito bem a natureza dos sonhos na sua forma mais completa, creio eu, também é a redenção de Nolan como um diretor maturo e possuído pela ambição.
A Origem (Inception)
dir. Christopher Nolan - ★★★★★

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