terça-feira, 19 de abril de 2016

Crítica: "FLORES PARTIDAS" (2005) - ★★★★


Sério, eu não achava que esse negócio de Impeachment era pra valer. A Dilma? Sofrendo impeachment? Isso jamais passou pela minha cabeça, de verdade. Desta vez, eu estava bem desinformado. E não que eu seja um petista ou simpatizante do governo dela, mas impeachment é, no mínimo, uma decisão repreensível e pra lá de absurda. Tirar a Dilma? Pô, cara, quanta anti-democracia! E acreditar que a maioria é a favor da saída dela. Que país é esse, alguém me explica? É tanta frustração, tanto medo do futuro (como disse um amigo meu), que eu mal posso descrever em palavras o que sinto em relação a esse processo. É muito doido. Enfim, domingo à noite, justo quando dei um pause em Flores Partidas, bem após os créditos, no comecinho do filme, passei pela sala de estar e me deparei com a insana votação do Impeachment acontecendo. Foi um momento particularmente estranho pra mim. Eu paralisei na hora e comecei a acompanhar, me esquecendo completamente de Flores Partidas. Com todos aqueles infames ali reunidos numa cena horrorosamente lamentável exibindo orgulho em discursos patéticos, me recusei a acompanhar -- sei lá, bateu um nojo, uma repugnância de testemunhar aquele acontecimento horrendo. Ainda bem que deu pra ver o filme antes do domingo terminar, lá para as onze da noite. A questão é que eu ando ficando com sono muito cedo de uns dias pra cá, rapaz, e se logo ponho um filme à noite é certeza que eu irei, de uma forma ou de outra, acabar cochilando, independente da qualidade do longa. E olha que, quando eu tinha terminado de ver Flores Partidas, a votação ainda estava rolando.

Mas, enfim, o filme. Flores Partidas leva a direção e o roteiro do celebrado Jim Jarmusch, diretor dos ainda mais cultuados Estranhos no Paraíso, Daunbailó, Homem Morto e Sobre Café e Cigarros. Creio que Flores Partidas seja seu filme mais famoso, no entanto. A comédia dramática estrela Bill Murray no papel de um mulherengo 'Don Juan' (o nome do cara, Don Johnston, é uma referência), que trabalha no ramo da informática e que, certo dia, recebe uma carta rosa dizendo que ele é pai e que seu filho está à sua procura, carta essa provavelmente da autoria de uma de suas ex-amantes. 

Don, "incentivado" pelo carismático vizinho Winston (Jeffrey Wright), parte em uma viagem pelo país reencontrando suas antigas namoradas para desvendar esse misterioso paradeiro. A jornada do homem pelo país, indo de casa em casa, visitando ex-amantes, é desconstruída com um astral meio melancólico, um ar parado, que geralmente não vemos sendo atribuído a típicos road movie. Ainda sim, o mistério agita a trama e não deixa ela azedar. A gente também vai observando, nos pequenos detalhes, o desvanecimento daquele Don Juan que outrora foi um mulherengo cobiçado e que hoje se sustenta em casos quebradiços e insatisfatórios, em olhares vazios e desejos inversos. A perspectiva desanimada por sobre a natureza dos relacionamentos humanos nunca foi tão anti-bon vivant como em Flores Partidas.

O elenco é notável. Flores Partidas é decorado por participações (muito) especiais de diversas estrelas, como a Sharon Stone, a Jessica Lange, a Frances Conroy e a querida Tilda Swinton (muito linda, por sinal, apesar da rápida aparição), que interpretam as ex-amantes do homem, a Chloë Sevigny, que faz a secretária de uma das ex-amantes do homem, e que quase não tem falas, a deusa Julie Delpy (a Celine da trilogia Antes) que também conta com uma rapidíssima aparição bem no comecinho do filme, o Jeffrey Wright, que também não tem muitas cenas... O filme é praticamente o Bill Murray. E não à toa a performance dele é primorosa.

Flores Partidas é um trabalho graciosíssimo e uma figura radiante dentro da filmografia de Jarmusch. O andamento lento proporciona ao espectador sequências deliciosamente estonteantes e exímias. O desempenho de Bill Murray é certamente adorável, e prova mais uma vez o talento de Murray como intérprete, numa das atuações mais potentes da carreira do mesmo. Ora melancólico, ora dono de uma doçura discreta, o personagem Don Johnston não dificilmente remete ao Bob Harris de Encontros e Desencontros (muito embora este último seja bem mais melancólico, convenhamos), reforçando o conceito de grande atuação que esta exala comparada à performance que nomeou o grande Murray ao Oscar, na (injustamente) única indicação do ator ao prêmio até a data.

Eis um filme que merecia mais atenção e reconhecimento do que obteve. Não chega a ser um filme menosprezado (ufa!), mas foi esquecido e deveria ser, digamos, enaltecido e comemorado, o que ao meu ver não é. De qualquer maneira, a presença de Bill Murray faz toda a diferença. O cara é um ator fabuloso, um dos meus prediletos, e vê-lo em boa forma num filme tão brilhante como esse me deixa muito emocionado.

Flores Partidas (Broken Flowers)
dir. Jim Jarmusch - 

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