sexta-feira, 22 de abril de 2016

Crítica: "INTERIORES" (1978) - ★★★★★


Os mais chegados conhecem o Woody Allen dramático de filmes como A Rosa Púrpura do Cairo, Match Point (que -- coincidentemente? -- são os meus dois filmes prediletos dele), Crimes e Pecados, Simplesmente Alice, Maridos e Esposas, Setembro, A Outra e os recentes O Sonho de Cassandra, Blue JasmineHomem Irracional entre outros trabalhos, que são exemplares bem-sucedidos da boa manobra e concepcionalidade do diretor com o gênero drama, visto acima competentes amostras da finura e a astúcia com a qual Woody o tece nesses filmes. Interiores, talvez não tão famoso quanto estes outros títulos, ironicamente é o melhor exercício dramático do Woody. Particularmente, Match Point é meu drama favorito dele, mas Interiores é tão bem-feito nesse ponto quanto. De qualquer maneira, Interiores vale cada segundo e merece ser enaltecido como um dos melhores filmes do Woody. 

O mais provável é que o Woody tenha escrito e dirigido Interiores sob uma embriaguez braba de Bergman. Não à toa este também é seu filme mais semelhante ao estilo fílmico do mestre sueco o qual Woody é fã assumido e tem uma porção de filmes inspirados ou com algum tipo de referência nele. Homem Irracional, seu último, emula uma síntese filosófica bastante Bergmaniana, muito embora não seja comparável a nenhum filme dele ou possua um estilo minimamente assemelhável, mesmo que tenha sim uma ideologia similar. Dos recentes, é bem crível que Match Point e O Sonho de Cassandra estejam mais ligados à essa linha, não só pelo gênero, mas pela temática, pela abordagem, pela filosofia que carregam... 

Interiores é aquele tipo de filme que intimida e deprime a gente. Intimida porque põe o espectador à frente de uma trama carregada capaz de provocar as mais diversas reações, como tristeza, raiva, esperança, medo, ou sendo até mesmo capaz de nos levar à identificação e à reflexão acerca a relação dos personagens e o desfecho. 

Sei que é errado julgar, mas a maior parte do tempo senti uma raiva de dar tapa na cara daquelas duas irmãs depressivas, a Renata (Diane Keaton) e a Joey (Mary Beth Hurt) e a mãe problemática com tendência suicida (Geraldine Page, numa performance digna e excepcional). A cena em que eu mais me estressei foi naquela onde a Joey grita com a nova mulher de seu pai, uma extravagante e alegre dona de casa, quando ela derruba um vaso, artefato feito por Eve, quem Joey idolatra. Mas é bem provável que tudo dependa do meu humor. Às vezes dá uma baita raiva desses personagens caídos e sem rumo, maldizendo a vida e sempre em conflito, de mau humor, mas depois, se eu for rever o filme num dia ruim, é bem capaz de eu acabar é me identificando com elas. Vai saber. 

O elenco ajuda muito nisso. A competência desses profissionais chega a ser invejável. Geraldine Page, Maureen Stapleton, Diane Keaton, Mary Beth Hurt... Todas estão delirantes e simplesmente excelentes. 

Há três cenas em Interiores que são muito especiais para mim. [spoilers à frente] A cena da tentativa de suicídio da Eve em seu apartamento, apesar de rapidíssima, me deixou eletrizado. A sequência da igreja também é bastante impactante. E, é claro, a sequência final, irreparável. Bem filmada, bem editada, bem fotografada, os atores exalando um realismo estético avassalador... É a cena mais arrepiante do filme, a melhor de todas. Também dou destaque à cena da garagem, quando o marido de Renata, Frederick, dá em cima da belíssima irmã dela, Flyn. 

A fotografia de Gordon Willis, abusando de tons cinzas e opacos, em escalas escurecidas e amarguradas, conferindo ao filme um ar melancólico e profundamente sombrio, é sublime. Uma das mais memoráveis parcerias entre o Woody e o lendário diretor de fotografia. Se eu não tivesse me informado sobre isso antes, poderia até pensar que Sven Nykvist fosse o diretor de fotografia de Interiores. Ah, e um fato interessante é que Sonata de Outono foi lançado no mesmo ano que Interiores. Que coincidência, não?

Woody testa mais uma vez seus dotes dramáticos numa obra impecável e inesquecível, um de seus melhores trabalhos. infelizmente esquecido com o passar do tempo. Interiores, seu elenco, sua fotografia, sua trama, sua direção... Tudo funciona plenamente. Nem parece que é um filme dele, francamente. É claro, daria até pra reconhecer a overdose de existencialismo, mas o Woody de Interiores não é aquele Woody que a gente vê a cada filme, num bom sentido. É bem bacana adentrar em sua filmografia um filme tão excêntrico e inusual como Interiores, repleto de qualidades, nos surpreendendo misticamente. 

Interiores (Interiors)
dir. Woody Allen - 

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