É interessante notar como alguns filmes simplesmente nos convencem por situações que englobam complexidade e atrição fervorosa entre os personagens, como bem acontece em Casa de Areia e Névoa. Este foi o primeiro filme do cineasta/roteirista ucraniano Vadim Perelman, que alguns anos depois dirigiu Sem Medo de Morrer e desde então nunca mais trabalhou em nenhuma produção americana, curioso para um cara que dirigiu um longa aclamadíssimo e que recebeu inúmeros prêmios e indicações (incluindo três justíssimas ao Oscar em 2004, nas categorias de Ator, Atriz Coadjuvante e Trilha Sonora) sumir assim do nada, praticamente.
O livro "House of Sand and Fog", que deu origem a este filme, foi disputado por diversos estúdios, até finalmente ser produzido pela Dream Works. A questão do conflito entre americanos e imigrantes do Oriente Médio, principalmente os muçulmanos, foi bastante abordada no cinema americano após o 11 de setembro, e provavelmente Casa de Areia e Névoa seja o exemplar mais completo e firme sobre essa relação tão atribulada. Didaticamente, é um filme sobre o contraste de perspectivas e visões num mundo onde a moral é controlada pela lei e a vingança é a única fonte de se obter a verdadeira justiça.
Neste poderoso e multifacetado drama sobre questões étnicas, Jennifer Connelly interpreta uma empregada doméstica que, devido a certos problemas com o departamento imobiliário, foi tomada pelo governo para pagar dívidas acumuladas durante os anos. Morando num motel, ela decide procurar uma advogada para conseguir sua morada de volta, até que ela se torna propriedade de um imigrante muçulmano, interpretado por Ben Kingsley, que compra ela e decide morar lá com sua família.
Não demora muito e a personagem de Jennifer se revolta contra os atos do homem e passa a se intrometer na vida da família do homem. Esse contraste cria uma divisão bastante mútua e anti-maniqueísta, enquanto divide quem assiste à situação. Rispidamente, o filme passa de drama moral para suspense megalomaníaco e se aprofunda de tal maneira que até para explicar fica difícil.
A sempre presente trilha sonora excepcional de James Horner consegue tonalizar a acidez da trama e ao mesmo tempo confere sustância ao suspense que se instala na segunda parte do filme, quando as coisas começam a ficar mais sérias e a tendência trágica se eleva. O desfecho é rico e perfeitamente representativo em muitos sentidos, seja para evidenciar que a justiça fragmentada na terra dos sonhos, ou as irregularidades no sistema imobiliário que causam tanta dor de cabeça aos americanos, e em certos casos, como acontece em Casa de Areia e Névoa, custam vidas.
O que realmente está em pauta aqui é a capacidade do ser humano de dominar e ao mesmo tempo ser dominado. Estamos cegamente suscetíveis ao controle alheio por vivermos dentro de uma sociedade manipuladora e opressora cuja lei determina o que é certo e o que é errado sem, de fato, ligar para os conceitos morais que, na verdade, deveriam ser adotados para se fazer justiça.
O mundo é um lugar frio e cruel. As pessoas estão se matando por questões meramente banais. Os personagens de Casa de Areia e Névoa vivem num conflito inacabável centrado na diferença de opiniões, uma questão excepcionalmente abrangente para a grande parte dos conflitos dos tempos modernos.
Casa de Areia e Névoa (House of Sand and Fog)
dir. Vadim Perelman - ★★★★

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