Falar sobre a experiência de assistir a um filme como O Processo é tão tenso quanto assistir ao próprio filme, que em si é um registro do desastroso processo de afastamento da então presidenta da República Dilma Rousseff, dada no ano de 2016. A câmera percorre os corredores do Senado, foca em rostos nervosos e incertos durante as sessões, com um amargo gosto de que algo terrível está à espreita daquele acontecimento, uma fatalidade. Desde já, é o melhor filme sobre o exaustivo tormento que foi o golpe de Dilma, tanto por reproduzir, de forma quase claustrofóbica, a disparidade da divisão política acentuadíssima que se instalou na nação: uns bradavam pela saída da presidente, outros resistiam e lutavam para que ela continuasse no poder.
Surgem acusações, brigas partidárias, revoltas, insatisfação com o momento político, uma verdadeira crise se propaga. O governo de Dilma fica deflagrado no seu momento mais crítico, e a resistência é posta à prova com ataques desmedidos da oposição. Tudo parece estar em discussão, menos o povo que o governo deve representar, e que sofrerá as consequências de um impeachment fajuto e insustentável, produzido com base em distorção de partidos, especulações, acusações e inquéritos enfraquecidos.
Dilma permanece forte, sempre forte, mesmo que seu lugar na presidência já esteja com dias contados. A primeira mulher presidente, a presidenta, está ameaçada, mas de forma alguma está derrotada. O Processo também é sobre essa mulher, sobre a mulher por trás da Presidenta, e toda a força que ela catalisa para enfrentar um processo injusto e comprado, decalcado por opositores sujos e covardes, e a voz de quem não se abate, de quem sabe que não cairá. Dilma não caiu. Continuou forte, lutou com o que podia, sua voz não se calou, mas ela sabia, no seu coração, que o país agora estava entregue a outra gente. E isso a consumia, como um sentimento dilacerante. Ela estava ali, estava no golpe o limite entre um governo que, entre outras conquistas, abraçou o povo, e um outro governo que romperia laços e conquistas sociais. Era, como ela disse, a dor inominável da injustiça.
Com um registro profundo e honesto, que se centra em depoimentos, cenas marcantes de um capítulo político turvo, e uma firmeza de relato positivamente orgânica, O Processo pode também ser descrito como um documentário intenso, original, e que muitas vezes beira o limite entre o suspense e o horror: o horror de uma derrocada democrática: a retirada de poder, a divisão política, da observação cáustica da desordem de representantes, deputados e senadores, todos juntos, que se unem por um ideal falacioso de justiça e recomposição, em prol de ideais ainda mais corrompidos. O estrago foi feito, e 54 milhões de votos foram torrados. Maria Augusta Ramos capturou muito bem não apenas a indignação, ou a morbidez, mas a tensão, o calor, a concupiscência de uma votação que mudaria significantemente os rumos da nossa democracia naquele momento, e o destino político de um país que por tantos anos batalhou, principalmente, pela sua liberdade, expressada em viés políticos, sociais, culturais e humanos. Uma voz ainda resiste, ainda insiste. A imagem de Dilma, com todas aquelas mulheres, com Gleisi, com Fátima, a imagem ainda resiste. E a voz diz que resistirá. Todas as vozes dizem isso. A resistência prosseguirá.
O Processo (2018)
diretora: Maria Augusta Ramos
cotação: ★★★★