terça-feira, 24 de abril de 2018

PEQUENA GRANDE VIDA (2017)


O novo filme de Alexander Payne, que recebeu um enorme buzz por ter sido o filme de abertura do último festival de Veneza, parece não ter agradado muita gente. Até mesmo os admiradores do cineasta se decepcionaram com Pequena Grande Vida, a simpática comédia dramática que passou quase que despercebida pelos espectadores, uma recepção nada calorosa acolheu o que é mesmo um trabalho menor, mas nem por isso insignificante, de um dos maiores cineastas americanos das últimas décadas.  

Matt Damon interpreta um homem que decide se submeter, junto com a esposa, a um processo de encolhimento físico, o "downsizing", em um procedimento que promete revolucionar para sempre a vida humana na Terra. Os humanos encolhidos são abrigados em um lugar utópico chamado Leisureland. A técnica traz promessa de redução do aquecimento global e outros problemas ambientais que afetam o planeta. Após ser encolhido, Paul (Damon) descobre que a mulher (Kristen Wiig) desistiu do procedimento no último momento. Decepcionado, Paul terá que lidar sozinho com os desafios de sua "vida nova", sem a esposa, enquanto conhece pessoas no caminho, como uma gentil empregada doméstica (Hong Chau) e seu patrão, um cara rico que gosta de farrear (Christoph Waltz).

Payne pode não ter reprisado a mesma excelência de Os Descendentes ou As Confissões de Schmidt, mas certamente Pequena Grande Vida não é todo esse fel que os críticos estão apontando. Há muito o que se valorizar nessa comédia que acumula méritos por estar tão contente com a sutileza da sua proposta, celebrando um elenco em ótima forma (aplausos para Chau, esnobada no Oscar, dona de uma personagem coadjuvante carismática e fofíssima, embora tenha sido tachada de estereotipada; Damon e Waltz também estão maravilhosos).

O filme entra em temáticas mais amplas, abraçando um contexto bem maior do que a sua premissa anuncia, talvez por isso não tenha convencido a crítica com sua crônica globalizada sobre a condição humana diante das transformações socio-econômicas em diferentes culturas e das próprias mudanças na forma e nos filtros sob os quais a vida humana se instala, e como esses dois focos estão intimamente interligados, caminhando lado a lado. Payne abre portas para muitas interpretações, mas prefere se fixar no humanismo das relações, o que sempre será muito bem-vindo. 

Há momentos genuínos, que tornam a comédia mais consistente e os resultados, satisfatórios. É simples, mas bem resolvido, suas intenções são boas e a maneira como ele se aproxima dos contextos, mantendo um certo respeito pela construção narrativa em si, e pelas próprias temáticas que insere, reforçam a noção de que Pequena Grande Vida, por mais fraco que possa soar, encontra nas brechas das relações uma beleza, a mesma beleza humana que preenche os trabalhos mais notórios de Payne. E isso às vezes é o suficiente para um filme delicioso.

Pequena Grande Vida (Downsizing)
dir. Alexander Payne
★★

domingo, 22 de abril de 2018

YOU WERE NEVER REALLY HERE (2017)


Joaquin Phoenix (vencedor do prestigiado prêmio de atuação masculina no último Festival de Cannes) pode ter perdido a chance de ganhar um Oscar, mas o que importa é que a atuação dele é um tesouro, com ou sem um. Um Taxi Driver moderado, com doses bem definidas de tensão e equilíbrio dramático. Ramsay acerta os momentos que filma, e a essência desse trabalho é toda calcada em uma condução que assume riscos sem ter medo de enfrentar os perigos que surgem com eles (e esse é, ao meu ver, o melhor filme dela).

A câmera de Ramsay está inspiradíssima: não há um momento sequer em que é perceptível que ela não esteja segura do resultado que obterá com esse ou aquele plano, e isso é suficiente para criar momentos desnorteantes em que não é precisa muita manipulação para se atingir um determinado estado, ou um sentimento de vibração, que ajuda a construir e elaborar toda uma atmosfera dramática. 

É na capacidade da diretora de se infiltrar delicadamente nesses personagens para enxergar e explorar o que há de mais obscuro e dilacerante neles, que vemos quanta humanidade está concentrada, seja nas cicatrizes deixadas pelo tempo, nas tentativas de se superar através da superação do outro, na identificação com os traumas alheios. É um filme essencialmente doloroso na maneira como finca esse retrato, esperando que sua crueldade, de alguma maneira, se encaixe no desfecho dinâmico e poderoso, ali naqueles personagens, finalmente unidos pelo destino, pelas suas dores, pelas imagens cravadas em suas cabeças, pelo que nem mesmo o tempo poderá apagar. Amor? Ódio? Amor e ódio? 

You Were Never Really Here
dir. Lynne Ramsay
★★★½

quarta-feira, 18 de abril de 2018

MUDBOUND (2017)


Desde sua estreia em Sundance no ano passado, Mudbound: Lágrimas sobre o Mississipi era tido como um dos maiores filmes do ano e, em suma, possível concorrente ao Oscar, fato que se consumou em janeiro passado, com as quatro importantes indicações que ele recebeu: fotografia (a primeira vez que uma mulher, Rachel Morrison, foi nomeada nessa categoria, em 90 anos de prêmio), roteiro adaptado (categoria na qual a própria diretora do longa, Dee Rees, foi reconhecida, tornando-se a primeira mulher negra a aparecer nessa categoria), atriz coadjuvante e canção original (ambas detidas por Mary J. Blige, por sua atuação fenomenal e pela linda canção "Mighty River", que encerra o drama, e casa muito bem não apenas com os temas desenhados ao longo da projeção, mas também com o próprio clima do épico, que se instala diante de um conflito entre duas famílias dividindo um mesmo terreno na Mississipi pós-escravocrata, nos anos 30. 

O filme, estruturalmente falando, é como um romance, acompanhando suas personagens e desenvolvendo em torno delas um círculo narrativo bastante expressivo. Dee Rees detém uma dimensão significativa do poder novelístico de Mudbound (leve-se em consideração que é adaptado de um romance escrito por Hillary Jordan), o que ajuda diretamente no manejo dramático, articulando grandes momentos cinematográficos e personagens extremamente bem trabalhados. 

Talvez possa ser até mais simples (ou simples demais) para se esperar de um filme de época, embora Rees saiba exatamente como conduzir essa sutileza, tateando cada elemento e explorando tudo o que sua história tem a oferecer de forma precisa e consistente. É um brinde a cada cena, há dor, há sofrimento, a diretora passa por tudo isso, da mesma forma que, por trás dessa tragédia, resida um amor maior, uma esperança inabalável.

Não deixa de ser, entre outras coisas, uma grata surpresa, esse Mudbound. Há uma maturidade que há muito não se via, para enfrentar e delinear cada um dos planos narrativos. O elenco está em estado de grandeza. Carey Mulligan (a mulher que vive um romance com o irmão do marido), Jason Mitchell (o filho que retorna da guerra para se deparar com outra), Jason Clarke (o pai de família que se muda para a fazenda onde a narrativa se instaura), Rob Morgan (o pai negro lidando com a chegada de uma família branca), todos excelentes. 

E, acima de tudo, há delicadeza para introduzir cada passo que a narrativa toma. Dee Rees revela uma competência admirável, e a nobreza de seu filme sobre o conflituoso convívio entre negros e brancos em uma região rural o transformou em um dos maiores e mais bem feitos destaques do cinema americano em 2017. Uma pena não ter ganhado nenhum dos Oscars aos quais foi indicado, embora merecesse cada um deles. 

Mudbound: Lágrimas sobre o Mississipi (Mudbound)
dir. Dee Rees
★★★★

domingo, 15 de abril de 2018

TRÊS ANÚNCIOS PARA UM CRIME (2017)


Quase ganhou o Oscar de melhor filme este Três Anúncios para um Crime. Digo quase porque o filme era praticamente um vencedor já (aliás, ganhou o BAFTA e o Globo de Ouro), quando A Forma da Água veio e levou. Martin McDonagh decidiu apostar num filme sobre intolerância e violência, se a aposta poderia ser certa, não demorou para que se instalasse uma controvérsia ao redor do filme, principalmente nas acusações de apologia racista que este recebeu. Verdade é que poucos filmes traduzem tão bem a essência do cidadão americano dos nossos tempos: guiado por uma violência generalizada e que se instaura em todos os núcleos de sua vida, a família, o trabalho, as relações interpessoais, amorosas, etc. A violência que permeia esse way of life é o objeto de estudo de um conto corrosivo sobre uma mãe buscando vingança pela morte da filha, que a polícia de sua cidadezinha não conseguiu resolver. As consequências de um ato de protesto — a mulher inaugura três anúncios à beira de uma estrada denunciando a imprudência do chefe de polícia — afetaram a vida de cada um dos personagens deflagrados.

É intenso, muito intenso. Evidentemente, há problemas. O roteiro por vezes é demais repetitivo (literalmente, quero dizer). As reviravoltas se sucedem com primor, mas há uma substância ausente nelas (e isso é bem perceptível). Se pesam as irregularidades que tanto difamaram um filme que tinha tudo (e tem muito) para ser explosivamente expressivo, Frances McDormand e Sam Rockwell (ambos vencedores do Oscar) dão um show. Aliás, elenco aqui é indiscutivelmente exemplar. Temos Harrelson, Caleb Landry Jones, Lucas Hedges, Abbie Cornish, entre outros, que completam a lista de personagens. 

Recheado com momentos agressivos e regados a uma tensão fora de si, Três Anúncios para um Crime traça os caminhos da América de Trump, a terra onde a intolerância reina e o ódio é pregado não só pelos culpados, mas também pelas vítimas. O desejo de represália pulsa na veia desses seres tão corrompidos pela violência que os cerca, sem saber para onde correr, a não ser executar ardilosamente aquilo que os prende, e, de certa forma, "liberta". Redentor na sua condição de "filme de tempos", enquanto consegue traçar seus planos com uma excelência bárbara, Três Anúncios para um Crime se salva graças ao brilhantismo de suas propostas. A trilha sonora é tão bela (Carter Burwell!) que não há como não se emocionar diante de certas cenas, como aquela em que a McDormand conversa com um cervo. Pode soar bizarro assim, mas é uma das sequências mais vibrantes do longa. Assim como aquela do incêndio na polícia, a mais impactante de todas. 

Três Anúncios para um Crime (Three Billboards Outside Ebbing, Missouri)
dir. Martin McDonagh
★★★½

domingo, 1 de abril de 2018

TRÊS ANÚNCIOS PARA UM CRIME (2017)


Recebeu muitos aplausos e muitas vaias aquele que pode ser considerado o mais controverso título da última temporada de prêmios: Três Anúncios para um Crime. No fim das contas, terminou com 2 Oscars (um para Frances McDormand, o outro para Sam Rockwell).