Foi recebido com controvérsia o mais novo e aguardadíssimo trabalho do cineasta americano Martin Scorsese, o épico Silêncio. Alguns amam, outros odeiam. E essa recepção reafirma o quanto é questionável aquilo que nos é mostrado no filme, um dos trabalhos mais inusuais do diretor, no que diz respeito à construção cinematográfica e à perspectiva dilacerante e necessariamente contraditória que este desenha. Entretanto, não há como negar que está é um dos filmes mais bonitos feitos por ele recentemente.
Martin, de descendência italiana, criado na Igreja Católica, já trabalhou com as temáticas da fé e da crença em filmes anteriores, e que também, assim como este, tiveram uma reação controversa por parte da crítica e do público, especialmente A Última Tentação de Cristo, considerado um de seus filmes mais polêmicos. Silêncio, o projeto que Scorsese planejava filmar há muitos anos, encerra um pequeno ciclo de trabalhos enfáticos em temas religiosos de sua filmografia, precedido por Kundun.
As quase três horas de duração de Silêncio provam o que há de melhor, tecnicamente falando, no cinema de Martin Scorsese, e o que ele sempre soube fazer de seus filmes, o trabalho artístico, o cuidado absurdo com o visual, com a criação fílmica em si. O vigor de sua realização minuciosa e paciente, que caminha aos poucos, de maneira quase transcedental. A narrativa é costurada com afinco, levantando questões inquietantes, provocantes até um certo ponto.
Adam Driver e Andrew Garfield – brilhantes – interpretam dois padres jesuítas rumo ao Japão à procura de Padre Cristóvão Ferreira (Liam Neeson). Na viagem, eles têm a missão de catequizar japoneses cristãos, ato que é intensamente repudiado pelos fervorosos inquisidores, que agem com intolerância frente à conversão dos nativos.
O que tem tornado este filme tão duplo, tão divisor, é o fato dele nos entregar os fatos na unilateralidade, dentro de uma visão tida como colonialista, sob o ângulo dos jesuítas portugueses, católicos. Talvez a questão sobre esta história não seja sobre heróis e vilões, certos e errados, mas sobre a fé em si, sobre a questão da crença, a existência humana e a necessidade de acreditar. O filme então, acaba se tornando mais uma reflexão sobre os fundamentos religiosos e a ligação da religião à política mais do que uma improvável endeusação dos católicos/antagonização dos budistas. Abordar o poder de maneira tão ambivalente, o poder da fé, da palavra, da imagem, das forças humanas, remete às crenças que o mesmo estuda e analisa, e eventualmente desarma, ao questionar, ao debater, ao testar, usufruindo de uma linguagem precisamente cinemática.
O que tem tornado este filme tão duplo, tão divisor, é o fato dele nos entregar os fatos na unilateralidade, dentro de uma visão tida como colonialista, sob o ângulo dos jesuítas portugueses, católicos. Talvez a questão sobre esta história não seja sobre heróis e vilões, certos e errados, mas sobre a fé em si, sobre a questão da crença, a existência humana e a necessidade de acreditar. O filme então, acaba se tornando mais uma reflexão sobre os fundamentos religiosos e a ligação da religião à política mais do que uma improvável endeusação dos católicos/antagonização dos budistas. Abordar o poder de maneira tão ambivalente, o poder da fé, da palavra, da imagem, das forças humanas, remete às crenças que o mesmo estuda e analisa, e eventualmente desarma, ao questionar, ao debater, ao testar, usufruindo de uma linguagem precisamente cinemática.
Silêncio é uma meditação sobre a fé, sobre o poder da crença, daquilo em que acreditamos e da religião em si. Scorsese, pela primeira vez assinando o roteiro em muito tempo, faz uso de simbolismos e de metáforas de uma forma contemplativa e riquíssima. O cinema de um dos maiores diretores continua firme e forte, talvez exposto a certos riscos, mas que consegue estabelecer um retrato fiel sobre uma história real, ao tratar de seus personagens com uma vericidade monumental. Trata-se de um filme de uma beleza irretocável, a fotografia é maravilhosa, com momentos inspiradíssimos (autoria de Rodrigo Garcia) merecedor do único Oscar ao qual foi indicado, o de fotografia – a ausência do filme nas premiações, Oscar, Globo de Ouro, etc., foi bastante comentada. E tal ausência é realmente estranha, já que o filme é bem melhor que muitos frontrunners desta última awards season.
Silêncio (Silence)
dir. Martin Scorsese
★★★★★
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