Na última sexta, tinha acabado de voltar do cinema quando fui surpreendido pela minha tia anunciando os atentados em Paris. Estranhei de primeira, mas foi pouco tempo após aquele falatório entre ela e minha prima que então interpretei a gravidade do episódio. Paris, a cidade-luz, havia sido atacada pelo Estado Islâmico em seis ataques terroristas simultâneos que tornaram a última sexta-feira 13 numa das mais escuras e tristes da história não só da França, mas da humanidade inteira. Este fim-de-semana foi tomado por uma onda de informações tristíssimas acerca dos ataques, mas ainda não caiu a ficha de que Paris foi alvo de um dos grupos terroristas mais perigosos e com mais adeptos espalhados pelo mundo todo, inclusive lá mesmo, com a segurança reforçadíssima e a cidade praticamente fantasma, com o comércio indeterminadamente fechado, as escolas e universidades sem aulas, monumentos e pontos turísticos como o Museu do Louvre e a Torre Eiffel também bloqueados.
É um triste tempo para os franceses. Para a humanidade inteira, fazendo uso das palavras do presidente americano Barack Obama. Famílias impactadas, (a maioria) jovens com suas vidas prematuramente encerradas, tudo a preço de quê? Grandeza? Estabilidade econômica? Poder? É triste ver a população inocente pagando por erros políticos internos, a eterna luta de ratos versus ratos, nesse jogo onde não há mocinho nem vilão. Ninguém está certo. Ninguém está errado. Até quando isso vai prosseguir, com o mundo tendo de assistir calado à barbaridade que surge de todos os lados, essa violência toda que não cessa? Vidas estão em jogo. Nem se passaram dois ou três dias desde o atentado e a França já está bombardeando o Estado Islâmico, eliminando mais gente que não é culpada de nada... A fim de quê? De atrair mais terroristas infiltrados em Paris e na Europa inteira, dispostos a facilmente abrir mão de suas vidas para explodir uma bomba e exterminar uma absurda quantidade de gente? É isso? Qual é, pessoal? Tá na hora de acordar. Violência só gera mais violência. É um ciclo interminável.
Enfim, num clima tão imprevisível e de medo como esse que tomou a consciência mundial nos últimos dias, vejo Paris, Te Amo, antologia-declaração de amor realizada por cineastas do mundo inteiro, um dos retratos mais belos já feitos da cidade que pra mim é o coração do nosso mundo, centro da beleza, da cultura e do amor. Como não amar Paris? Triste, além dessa lamentável carnificina, é ver a bela Paris tomada pelo pânico e pelo horror. Nunca pensaria que um dia teria de vê-la desse jeito, obscura, e sem cor. Morta. Paris apagou. E, diante de tal situação, Paris, Te Amo é um poderoso e automático chá de camomila. Mais que isso. Revigora. Enfim, deixando de lado o cenário tenso e trágico que lá habita, vos falo de Paris, Te Amo, provavelmente a melhor antologia já feita. Isso por que antologia é um estilo de filmes que surgiu, ou atingiu a produtividade, muito recentemente, e ainda tá em fase de crescimento. Paris, Te Amo, dentro desse idealismo, já é um clássico.
Afinal, é um filme que, discutindo e explorando o amor dentro de uma atmosfera conspiradora e mega romântica, colorida e simpática, desperta o amor em que o vê. O amor por Paris. Metrópole que, se não fosse chamada Paris, se chamaria Romance, Paixão, Calor, Coração... Enfim, Paris é o amor dos amores. Ainda espero a chance de visitá-la bater à minha porta. Enquanto minha idade e minha "agenda" não me liberam para então consumá-lo, vou me apaixonando cada vez mais, conhecendo-a melhor, me embebedando de boemia e prazer. Paris é, pra mim, a melhor de todas elas. Nova York, Londres, Tóquio, (até mesmo a além-do-imaginável-adorada-por-mim) São Paulo, Buenos Aires, Ontário, Roma, Madrid, Berlim, Moscou, Cairo, Nova Delhí, Sydney, Amsterdã, Estocolmo, Lisboa, Rio de Janeiro, (fica em segundo lugar) Veneza... Nenhuma delas é tão grande, é tão intensa, é tão invencível e, acima de tudo, linda, como Paris. Digam o que quiser. Paris é Paris. É elegância, é finura, é Eiffel, é amor, é a moradia da arte... É o melhor lugar da Terra.
É interessante ver como aqui não só a beleza romântica da cidade é encarnada, mas também há certos curtas que polarizam o sofrimento e a tristeza, sem deixar o romance de lado, como Loin du 6e, Place des Victories, Place des Fêtes. Tem alguns que passam uma impressão meio-a-meio, um mix de depressão, mas ao mesmo tempo doçura, destacando 14e Arrondissement, Bastille, Tour Eiffel e Quartier des Enfants Rouges.
Em dezoito curtas, cada um passado em um distinto arrondissement da cidade, vemos o amor. O amor no coração do mundo. É a reunião de atores espetaculares, mencionando só de passagem Juliette Binoche, Nick Nolte, Gaspard Ulliel, Willem Dafoe, Catalina Sandino Moreno (que latina sexy, hein?), Miranda Richardson (não reconheci), Javier Cámara (esse eu reconheci, sem nem saber que estava lá), Steve Buscemi, Maggie Gyllenhaal, Bob Hoskins (saudades...), Olga Kurylenko, Ludivine Sagnier (essa deusa tá me perseguindo, hein), Ben Gazarra e Gena Howlands (da velha Hollywood), Emily Mortimer (outra beldade indispensável), Natalie Portman (sedutora como nunca), Elijah Wood, Rufus Sewell, Margo Martindale (no segmento mais engraçado de todos), Fanny Ardant... A lista é bem grande, e do que tem de grande tem de justa e bem selecionada. Abaixo, a análise da cada um dos curtos fragmentos, um mais fascinante que o outro, em ordem de aparição:
Montmartre - dir. Bruno Podalydès
Não conhecia o diretor e fiquei estonteado com esse curta, um dos mais especiais do filme, e também deliciosos. É sobre um homem que não encontra vagas e é um daqueles tipos que vive se confessando para si mesmo. A primeira parte do segmento é praticamente um monólogo do personagem interpretado pelo diretor. É meio bizarro você ouvir da pessoa um: "bairro de merda!" em relação à Montmartre... Quer dizer, pra quem nunca esteve lá, talvez, ou pra quem não mora lá, como eu, que já de estar lá não teria nenhum problema quanto à vaga. Já ficaria feliz só de ter não só um carro, mas também um lugar tão especial para passar por. Ele finalmente encontra uma vaga e passa a se questionar sobre sua vida amorosa. Até que uma moça desmaia ao lado do seu carro, e ele então decide ajudá-la. Muito fofo.
Quais de Seine - dir. Gurinder Chadha
É um dos meus prediletos. Três adolescentes estão passando cantadas às moças que caminham pela beira do Rio Sena, rindo juntos. Um dos rapazes fica atraído pela beleza (excepcional) de uma jovem muçulmana sentada próximo à ele e que se acidenta. O nome da atriz é Leïla Bekhti, casada com o Tahar Rahim, e que trabalhou em O Profeta, de Jacques Audiard, por sinal desnorteante (já falei isso?). O final é bem confortante.
Les Marais - dir. Gus Van Sant
O curta engana direitinho, e o final (surpreendente) também é bem precioso. Trata-se de uma passagem divina da seleção. É sobre um rapaz, artista - creio -, que está apresentando um trabalho num ateliê e fica maravilhado com um outro rapaz que talvez seja o empregado. Inicia com ele, em francês, uma discussão sobre vidas passadas e sobre a atração que lhe levou à ele.
Tuileries - dir. Joel & Ethan Coen
Achei um pouco confuso no início, mas o segmento, bem como o último, apresenta uma estética loser forte e logo desemboca num duro senso sarcástico, o que não é nenhuma novidade vindo dos irmãos Coen. Um homem solitário tá no metrô e, à espera do trem, começa a ler um guia. Ele acaba meio que espionando um jovem casal que está "se pegando" na estação, e o cara percebe. Não demora para que uma discussão violenta comece. Há poucos cortes, e, perto do final, a falta deles oferece um clima suspenso e imprevisível à sequência de ações. No fundo, é bem deprimente.
Loin du 16e - dir. Walter Salles, Daniela Thomas
Quase chorei. Lembra muito
Que Horas Ela Volta?, carregando a história de uma mulher batalhadora que deixa o filho no berçário para cuidar do filho de outra. Simples e bem-resolvido, sem muitos truques de edição e tais. Um dos melhores. Sem falar que o curta é todinho da Catalina Sandino Moreno. Também há o contraste das categorias sociais e a questão dos imigrantes. É lindo, e pesado.
Porte de Choisy - dir. Christopher Doyle
Um dos maiores colaboradores de fotografia do cinema oriental, Christopher Doyle, além de não apresentar aqui um curta cujo forte é a direção de fotografia, o que seria certamente um deleite, dá marcha ré no caminho até então brilhante da antologia com um filminho inflado, desinteressante e nada interativo, além de complicadíssimo. É sobre um vendedor de cosméticos que acaba parando num bairro chinês e se depara com uma cabeleireira mestra do kung-fu. O final não esclarece nada, e só piora o estado das coisas. Enfim, é um soco nas gônadas. O único ruim.
Bastille - dir. Isabel Coixet
Depois da decaída, o filme volta à ativa. O divertidíssimo Bastille oscila num profundo drama e uma leve comédia. Conta a história de um homem adúltero que, após descobrir que a mulher tem uma doença terminal, abandona a amante para viver com ela. A montagem é perfeita, o monólogo do protagonista oferece ritmo à história, a fotografia não é nada mal, a Miranda Richardson, que anda sumida ultimamente, linda. É certamente bem-feito.
Place des Victoires - dir. Nobuhiro Suwa
Surreal e simples. Adorável, por enfim dizer. Juliette Binoche, talvez na melhor atuação dentre todas, é uma mãe que perdeu o filho e tem dificuldades para aceitar a perda. Numa noite, ela, num devaneio, tem um inusitado encontro com um caubói, cuja existência foi atestada pela falecida criança, já que a mãe então dizia que não. Outra passagem pra lá de deprê. Não conhecia o diretor, falando nisso, que é japonês e nasceu em Hiroshima, anos depois dos ataques, em 60. Apesar de ser praticamente desconhecido, com pouquíssimos títulos na filmografia, seu curta leva no elenco duas radiantes celebridades cinematográficas: a Binoche e o Willem Dafoe (caubói).
Tour Eiffel - dir. Sylvain Chomet
Engraçado e suntuoso à la Jacques Tati, talvez o único filme definitivamente infantil ou nem tão dramático da seleção. Além de tudo, é bem produzido. Bobo, em certas partes, mas inocente. Começa com uma criança falando como seus pais se conheceram. A resposta é bem inusitada, mas o flashback motiva. Outro curta loser, sobre um mímico sozinho que não tem ninguém na vida, até que vai para a prisão. Vem do Sylvain Chomet, animador que trouxe ao mundo duas das melhores animações contemporâneas, sendo uma delas já considerada um marco: o conhecido As Bicicletas de Belleville, e O Mágico. Acho que esse aqui cairia muito bem como animação. Mas a fotografia do live-action é primorosa.
Parc Monceau - dir. Alfonso Cuarón
Tá aí outro que é bem suspenso e guarda um final redentor, e que não deixa de ser inocente também, assim como o anterior. Começa com Nick Nolte e (a divina, como o próprio nome sugere) Ludivine Sagnier, conversando enquanto caminham por uma calçada. Tudo dá a entender que são amantes, especulando uma relação acentuada pela diferença de idades. Vou parar por aqui. Tive que dar um replay, já que numa parte do curta é possível ver uma locadora, onde estão estampados posters de trabalhos de longa de diretores da antologia, como o Walter Salles (Diários de Motocicleta) e Gus Van Sant (Elefante). Sem falar quem também é exibido o pôster de Setembro, do Woody Allen, o que me faz pensar o quão imprescindível seria a participação do cineasta aqui, já que ele é devoto à Paris e até filmou Meia Noite em Paris declarando seu amor à metrópole de uma das formas mais expressivas que o cinema já viu, num de seus melhores filmes. No fim, se não temos Woody Allen, temos Alfonso Cuarón que, com esse curta bem Alleiano, preenche a ausência do diretor aqui.
Quartier des Enfants Rouges - dir. Olivier Assayas
Achei bem inusual a Maggie Gyllenhaal falando francês. Ela faz uma atriz americana que conquista um traficante de quem compra drogas. Logo, ela também se apaixona. Interessante. Lembra alguns aspectos de Clean.
Place Des Fêtes - dir. Olivier Schmitz
Puxa, esse é de doer o coração. É sobre um cara que foi machucado e, pelo destino, acaba se deparando com sua amada lhe oferecendo ajuda. É muito depressivo. No entanto, me ganhou de primeira. Gostei da imagem final, dela tremendo com as duas xícaras de café na mão, ainda portando as luvas com as quais tentou socorrê-lo. Muito bonito.
Pigalle - dir. Richard LaGravenese
É bem engraçado, embora muita gente tenha o achado complicado e dramático. É sobre um casal de meia-idade, feito por Bob Hoskins e Fanny Ardant, que estão tentando variar no relacionamento parado. No fim, é até bem carismático, o oposto do que a sua história aspira.
Quartier de la Madeleine - dir. Vincenzo Natali
Pop e gótico, pensei que era da autoria de Wes Craven, listado no projeto, mas não. É de Vincenzo Natali, e notando isso trata-se de uma das realizações mais criativas. É a história de amor entre uma vampira e um humano. Ela não quer que ele vire uma besta, mas ele quer que ela tenha seu sangue. Romântico e temperado.
Père-Laichase - dir. Wes Craven
É o melhor. Conta com a presença da excelente Emily Mortimer, Rufus Sewell e o Alexander Payne, que dirigiu um segmento, também está aqui. Gira em torno de um casal em lua-de-mel visitando um cemitério, e que acaba tendo uma discussão feia, com a mulher acusando o homem de ser sempre sério e frio e de nunca ter tempo pra ela, e que não está satisfeita com a atual situação da relação. Diante da tumba de Oscar Wilde, onde ele começa a fazer piadinhas toscas sobre o escritor que só contribuem para o nervosismo dela, o marido acaba tropeçando numa pedra e bate a cabeça no túmulo, na tentativa de ir atrás dela, que saiu correndo furiosa. Ele de repente vê o fantasma do escritor, que lhe dá uma mãozinha. Ele surpreende ela com um beijo fogoso e arrecada o perdão, na mais bela cena de Paris, Te Amo. O mais doce e poético de todos. Wes mostra suas habilidades no romance, tão exímias quanto no terror.
Faubourg Saint-Denis - dir. Tom Tykwer
Expansivo e romanesco. Natalie Portman, aqui astronomicamente imperdível, é par de um estudante cego que, por acaso, acaba se encontrando com ela durante seu ensaio para uma audição, com ele pensando dela estar em apuros. A cena do encontro é fabulosa. A montagem, os cuidados com a fotografia, mais ainda.
Quartier Latin - dir. Frédéric Auburtin, Gerárd Depardieu
Aqui fazendo uma pequena ponta como o dono de um restaurante, Gerárd Depardieu dirige, ao lado de Frédéric Auburtin, um curta que expande a distância de um casal idoso à beira do divórcio, interpretado por duas lendas da velha Hollywood: Gena Rowland, neste último sábado laureada com o Oscar Honorário, e Ben Gazzara. Divertido.
14e Arrondissement - dir. Alexander Payne
Impactante, cômico e crítico. Impacta por que arrasa com o coração de qualquer um num final pra lá de duplamente triste e feliz, como é descrito pela protagonista. Faz rir por conta do francês nada fluente da personagem da Margo Martindale e também de certos elementos ressaltados durante a narrativa, ainda que bem rapidinha. E critica porque alfineta o padrão americano de lazer, o que é facilmente denotado pelo horrendo sotaque da mulher e por conta de uma certa distância cultural, como ela opinando sobre a comida francesa ser ruim. É claro. Todos amamos Paris. Mas o melhor é que Paris também nos ama. A canção que encerra o filme, "We're All in the Dance" é sublime.