Mal podia aguentar a ansiedade voltando pra casa após ter comprado o DVD de Os Pássaros num sebo na última segunda-feira. Sou um fã de Alfred Hitchcock, e, por acaso, reparei numa banquinha de DVDs no sebo do mercadão de São Miguel depois de uma consulta médica. Parei para observar os DVDs e, para a minha surpresa, encontrei um Hitchcock escondido, Os Pássaros, da coleção Hitchcock da Universal. E também comprei Três Reis, que ainda não vi. Se o bolso permitisse, teria comprado mais (como por exemplo Traídos pelo Desejo ou outros títulos dos quais não me lembro agora). Enfim, ansioso do jeito que sou fui ver Os Pássaros no mesmo dia, mais tarde. Correspondendo às expectativas, o filme foi uma experiência cinéfila arrebatadora. É, definitivamente, uma obra-prima clássica do cinema, e um dos melhores filmes do mestre Hitchcock.
Imagino como seria se eu tivesse visto o filme no cinema. Se em DVD já foi uma baita experiência, imagine então na telona, que inesquecível seria... Puxa, é um sonho. Mas, enfim, bora discutir um pouco dos aspectos técnicos da obra, da direção do Hitchcock, do elenco, e de todas as qualidades dessa inegável joia cinematográfica.
A primeira cena do filme se passa num pet shop, onde Melanie Daniels (Tippi Hedren) conhece um advogado, Mitch Brenner (Rod Taylor), e fica tão interessada e encantada com o homem que decide segui-lo de carro até a cidade onde ele mora, localizada no interior. Após a chegada da moça, os moradores da pequena cidade passam a ser aterrorizados por uma série de ataques violentos de pássaros.
Chega a ser incrível como o Oscar, em tempos passados, esnobou e deixou de fora tantas obras-primas do cinema, muitas delas dirigidas pelo Hitchcock, como Os Pássaros, que só recebeu 1 (sim, só uma) indicação, em Efeitos Visuais. Há quem diga que injustiça é o que não falta no Oscar nos dias de hoje, mas no passado essa onda era mais forte, se a gente for ver de perto. E isso não aconteceu só com Os Pássaros, no que diz respeito a injustiça e esnobações com a filmografia de Hitchcock. Será que a Academia não gostava do Hitchcock assim? Ou talvez os membros da Academia no passado eram muito invejosos pra não indicá-lo.
De qualquer maneira, convenhamos, Os Pássaros, com Oscar ou sem Oscar, é um filme obrigatório, necessário em todos os sentidos. Inovador, refinado, autêntico, estiloso, marcante, simplesmente memorável. Os Pássaros possui de sobra todas as características de uma grande obra fílmica, e merece ser reconhecido à altura.
Num filme com tantos atores talentosos, tantas performances impecáveis (Suzanne Pleshette e Veronica Cartwright, ótimas, só pra mencionar), a grande estrela acaba sendo Alfred Hitchcock. Aliás, não sei em qual filme ele não é o principal, o mais importante. Poucos diretores conseguem ser tão influentes dessa forma. Afinal, é pela direção de Hitchcock que a maioria dos filmes dirigidos por ele esbanjam tanto sucesso, legado, classe e aclamação. A direção de Alfred é o melhor de Os Pássaros. Perfeição e excelência na medida certa. É também pela agoniante atmosfera de horror, pelas sequências tenebrosamente bem-dirigidas, pela condução extraordinária do elenco, pela qualidade do filme que Hitchcock deve ser parabenizado, e agradecido.
Creio que Os Pássaros convença mais como terror do que como um suspense. Se bem que há algo de complexo e excepcional no mistério metafórico que o filme abriga. Afinal, depois da sessão, fica um clima de suspense no ar. Chega a ser algo até meio natural, tratando-se de um filme do Hitchcock, que já traz o suspense "automaticamente" cravado em seu estilo.
Vale ressaltar que Os Pássaros é um filme magistralmente impressionante e convincente. Não que os filmes do Hitchcock não sejam, mas Os Pássaros é um destaque ímpar, e muito é por conta da direção, mais uma vez exímia, do mestre e as performances seguramente digníssimas de um elenco pra lá de versátil.
Outra coisa espantosamente fascinante em Os Pássaros é a fotografia brilhante de Robert Burks, na 11ª parceria com Hitchcock. Exemplificando, a cena final é de uma beleza visual hipnotizante. Também gosto demais da sequência da Melanie dirigindo rumo a Bodega Bay no quesito visual, especialmente com aquelas lindas paisagens de fundo. A edição, primorosa, também é um artifício técnico notável, fundamental para a qualidade de Os Pássaros.
A qualidade estrutural e técnica do longa desencadeia em diversos fatores que contribuem para o status de obra-prima de Os Pássaros, como na arquitetação de uma atmosfera de tensão genial, no dimensionamento do horror e na propagação de um mistério inquieto e afiado, contribuintes indispensáveis à trama e à primordialidade do desfecho.
Os Pássaros é mais uma das fiéis provas da maestria e primor de Alfred Hitchcock, definitivamente um dos maiores diretores de todos os tempos e um gênio cinematográfico atemporal. Os Pássaros é sobre o medo do desconhecido nos controlando, a peculiar natureza do caos e dos mistérios que nos cercam, o desespero diante da incomunicabilidade... É também sobre a nossa capacidade quase invisível de auto-manipulação, de como nos transformamos em alvo dos nossos próprios medos diante da mudança, do incomum, da transformação. Um filme mais que genial. Muito bem-feito. Muito bem produzido. Muito bem em tudo. Nota 10 é pouco para Os Pássaros.
Os Pássaros (The Birds)
dir. Alfred Hitchcock - ★★★★★