terça-feira, 31 de maio de 2016

Crítica: "PECADOS ÍNTIMOS" (2006) - ★★★


Mesmo não sendo aquela maravilha de filme que se esperaria (levando em conta que estamos falando de um filme aclamadíssimo pela crítica, indicado e vencedor de diversos prêmios, tendo inclusive abocanhado três indicações ao Oscar 2007, em Atriz, Ator Coadjuvante e Roteiro Adaptado), Pecados Íntimos não deixa de ser um bom trabalho. A questão é que eu criei muitas expectativas em torno do longa, somando que eu estava querendo ver há um bom tempo. Mas isso acontece com os melhores filmes. 

A história se passa num subúrbio dos Estados Unidos onde Sarah, vivida por Kate Winslet, uma mulher que ocupa seu tempo cuidando da filha pequena, inicia um relacionamento extra-conjugal com Brad (Patrick Wilson), que também é casado e mora na vizinhança. Com o tempo, o caso de amor entre os dois adquire novas proporções, até que eles começam a questionar o estilo de vida e os hábitos que cultivam. Enquanto isso, na região, os moradores passam a duvidar da segurança das crianças com o retorno de um homem (Jackie Earle Haley) recém-saído da prisão por ter exibido seu órgão sexual a um menor de idade, o que faz com que as pessoas se revoltem contra ele e gerem uma onda de ódio e repulsa que repercute na rotina dos habitantes do subúrbio inteiro. 

O filme guarda ótimos momentos e sequências difíceis de esquecer (a cena da piscina é marcante) e conta com um elenco extraordinário. Kate Winslet está excelente, como sempre, e a atuação dela é centralmente digna de nota, definitivamente uma razão maior para se conferir Pecados Íntimos. Embora eu não tenha muito apreço por Patrick Wilson, não se pode negar que o desempenho dele é fantástico. O mesmo digo de Jackie Earle Haley, dono de um personagem enigmático e de uma performance primorosa, muito provavelmente a melhor do filme (à exceção da Kate, é claro). 

Todd Field entrega, em sua segunda aventura cinematográfica como diretor (Todd dirigiu e escreveu Entre Quatro Paredes em 2001, seu primeiro longa-metragem), um filme maduro, competente, inteligente e satisfatório. Talvez em certos quesitos até seja um tanto incompleto, mas, de qualquer maneira, a qualidade é inegável. 

Pecados Íntimos (Little Children)
dir. Todd Field - 

segunda-feira, 30 de maio de 2016

Crítica: "ALICE ATRAVÉS DO ESPELHO" (2016) - ★★


Quase que não deu pra ir ver Alice Através do Espelho nesse sábado. Acreditem ou não, eu estava doido pra conferir, até desanimei quando minha cunhada inicialmente disse que não iria. Mas eu acho que a minha vontade mesmo era de ter o prazer de estar lá no cinema, importando ou não o filme que eu fosse ver. Acontece que o cinema perto daqui de casa, o Cine Itaim Paulista, é um dos lugares que mais me tranquilizam nesse mundo. Amo aquele espaço. É um cinema pequeno, mas aconchegante, sem falar que tenho ótimas lembranças de lá. Enfim, de última hora, minha cunhada mudou de ideia e decidiu ir. Eu aproveitei e fui com ela, a filha dela e a sobrinha. Quanto ao filme, Alice Através do Espelho, não é lá o que eu esperava. Aliás, é um filme bem fraquinho, com poucos bons momentos. Se eu não estivesse de bom humor, acho que teria detestado. E olha que não chega a ser um filme ruim. 

A primeira coisa quanto ao filme que me deixou baita decepcionado foi a troca de diretores (saiu Tim Burton, diretor do ótimo filme de 2010, Alice no País das Maravilhas, e entrou James Bobin, o mais novo "queridinho" da Disney, conhecido por ter dirigido o bacana Os Muppets), isso bem antes de eu ter conferido o filme. Restou a Burton o crédito de produtor apenas. Não sei se ele recusou dirigir essa sequência, ou se a Disney o substituiu por Bobin, só sei que isso me deixou irado. É claro, se a gente for ver o resultado do filme, até que Bobin fez um bom trabalho na direção, mas não tem essa. Tinha que ser o Tim Burton e acabou. Se eu acho que o Burton faria um trabalho melhor? Definitivamente.

Do elenco, todos da versão de 2010 continuaram, incluindo a Mia Wasikowska (lindíssima) no papel de Alice. Johnny Depp, Anne Hathaway, Helena Bonham Carter & cia. estão nos mesmos personagens esquisitões e distorcidos, mas que perdem um pouco a luz com a direção de Bobin (taí mais uma razão para o Burton ter dirigido). Alice Através do Espelho está completamente aquém de Alice no País das Maravilhas em muitos quesitos, além da qualidade e do entretenimento. Não diria que é um filme mal-feito, já que conta com um visual encantador e um tecnicismo estupendo, mas há muitos pontos divergente entre o primeiro e esta versão, o que, confesso, é muito frustrante. Curioso é que a roteirista dessa sequência, Linda Woolverton, também escreveu o ótimo roteiro do filme de 2010.

A participação de Sacha Baron Cohen é bastante notável. O ator, que é um dos comediantes mais versáteis dos últimos tempos, reserva ao espectador momentos cômicos bastante agradáveis ao longo do filme, e seu personagem, o Tempo, acaba se tornando uma das figuras mais excêntricas e especiais do longa, sem falar que sua atuação é fantástica. 

Os cinéfilos estavam apontando o filme prematuramente como um sucesso de bilheteria e até agora os resultados foram catastróficos (levando em conta que o filme estreou há pouquíssimo tempo), um fenômeno muito estranho para esse tipo de filme, que tende a levar mais espectadores para as salas de cinema, independente de qualidade, quesitos técnicos ou coisas do gênero... Aliás, tinha muita pouca gente na sessão de Alice Através do Espelho nesse domingo. Eu até comentei com minha cunhada depois que terminou que nós éramos as únicas pessoas que estávamos rindo durante a sessão. Não se ouvia risadas de mais ninguém além das nossas. "Será que eu tô tão bobo assim pra ficar rindo de coisas à toa?", eu disse pra ela. Aí eu falei que o motivo de ninguém ter rido ou, no mínimo, reagido ao filme é que tinha muito casal de namorico nas fileiras da frente (nós tínhamos ficado bem no fundo). Deu até pra ver, durante a sessão, um rapaz e uma menina trocando beijos. Não estavam atrapalhando, mas tem um pessoal que fica bem incomodado quando isso acontece. Eu geralmente nem ligo. 

A criançada vai adorar Alice Através do Espelho. Bem colorido, personagens afáveis, ainda que bizarros. Após a sessão, minha cunhada ficou insistindo para que a Rafaela, minha sobrinha de 6 anos, tirasse uma foto ao lado do cartaz do filme estampando o Chapeleiro Maluco. Inicialmente, ela recuou, dizendo ter medo do sujeito. Mas eu acho que as crianças não vão se incomodar muito com ele ou com qualquer outra personagem excêntrica apresentados. De qualquer maneira, o filme não deve ser levado a sério. No mais, deve ser visto como um filme leve, despretensioso, um mero entretenimento e nada mais.

Alice Através do Espelho (Alice Through the Looking Glass)
dir. James Bobin - 

domingo, 29 de maio de 2016

Crítica: "X-MEN: APOCALIPSE" (2016) - ★★


Não sei se é só comigo que isso acontece, mas eu simplesmente não compreendo o porque de tanta popularidade e devoção do público às produções cinematográficas da Marvel/DC Comics ou qualquer outro filme de super-herói nos dias de hoje. Quero dizer, não estou falando isso por criticar a qualidade de tais filmes, mas eu creio que o idealismo que essas histórias sustentam são muito fracas para serem levadas a sério. Francamente, eu gosto de ver esses filmes como um mero entretenimento.

Em partes, X-Men: Apocalipse funciona belamente desse jeito, como um filme despretensioso. Na verdade, funcionaria, já que de despretensioso o novo X-Men não tem é nada. E é justamente aí que se encontra um dos maiores defeitos do filme: querer ser grande (sem sê-lo) a todo custo. X-Men: Apocalipse sustenta-se de uma linguagem pobre de força e de uma premissa potente, embora facilmente irresistente. O fato do filme ostentar essa aspiração reforça sua fragilidade e pequenez como material cinematográfico.

Não tenho reclamações quanto ao elenco do filme, que vai desde os mais "fodões" da indústria nos tempos recentes, como Jennifer Lawrence (sempre muito elegante e formosa), Michael Fassbender e Oscar Isaac (numa ótima atuação, embora quase irreconhecível na pele do vilão que não parece ser o vilão do filme, o que me deixou baita encucado) até os mais jovens e promissores, como Sophie Turner (belíssima, mais conhecida por interpretar Sansa na série Game of Thrones), Nicholas Hoult (também bastante famoso por seu trabalho na TV, no seriado inglês Skins), Tye Sheridan e Evan Peters, os destaques juvenis do projeto. Também vale mencionar as participações de James McAvoy, Rose Byrne e Hugh Jackman, numa "aparição-relâmpago" como o Wolverine perto do final.

Outro negócio problemático em X-Men: Apocalipse é a sua tenebrosa duração. Só acho que foi um puta exagero duas horas e vinte minutos de filme. Será que eles não poderiam ter encurtado? É tanta afobação assim em querer preencher a tela com efeitos visuais flácidos e referências medíocres pra gastar um tempão desses? Só pra vocês terem uma noção do sufoco, minhas pernas começaram a doer perto do final. Não sei se era ansiedade, ou a posição em que eu estava na cadeira...  Não, eu não estou brincando! E olha que eu geralmente não costumo ter problemas com a duração dos filmes, por mais tortos que sejam.

Mas quem sabe, com o tempo, eu não me acostumo a esse estilo? Preciso ver mais filmes dessa safra, Só sei que, depois dessa tortura que foi X-Men: Apocalipse, ficará bem difícil tomar coragem para conferir mais outro longa da franquia. Ah, falando nisso, vou deixar pra ver Capitão América: Guerra Civil quando sair na internet mesmo, já que em todo cinema, agora que o filme está quase saindo de cartaz, só tem umas sessões bem tarde (para um filme de duas horas e meia de duração). Deveria ter visto antes.

X-Men: Apocalipse (X-Men: Apocalypse)
dir. Bryan Singer - 

quarta-feira, 25 de maio de 2016

Crítica: "A PASSAGEM" (2005) - ★


Argh. Ô filmezinho mais desnecessário e irritante esse A Passagem. Às vezes eu me pergunto como é que os produtores tem a coragem de financiar um projeto babaca desses. Eu, hein... Nem a belíssima Naomi Watts consegue salvar esse bagulho. Onde já se viu? E não que eu não goste de Marc Forster, mas é que esse filme é completamente insuportável. A fotografia de Roberto Schaefer até que tem alguns momentos bons, mas não é suficiente. Se o filme fosse no mínimo bom, não precisava ser uma obra-prima. Mas é ruim demais. Não dá pra elogiar. Nada e ninguém. Nem Ewan McGregor, nem Ryan Gosling... Ninguém é capaz de salvar essa porcaria. E aquela reviravolta no final? Quer dizer que acaba daquele jeito? É inaceitável. Simplesmente uma bomba. Que decepção, sr. Forster! Um diretor tão capaz entregando um filme péssimo desses? Mal dá pra acreditar.

A Passagem (Stay)
dir. Marc Forster - 

terça-feira, 24 de maio de 2016

Crítica: "A GAROTA IDEAL" (2007) - ★★★★


Da primeira vez que vi, em 2014, tinha ficado um pouco em dúvida no que diz respeito à qualidade e aos valores fílmicos de A Garota Ideal, talvez por ter encarado o filme exageradamente como uma comédia, o que me fez deixar de lado a seriedade da proposta e da história que o filme aborda. Pra falar a verdade, interpretei o filme de forma diferente da primeira vez que vi, e creio que isso teve influência direta na minha compreensão e digestão do longa. Especialmente o final. Na primeira vez, o final ficou muito esquisito, sem sentido pra mim e muito bobinho. Desde então, vinha sentido essa necessidade de rever o filme, com muito interesse, embora me faltasse "coragem" ou disposição para fazê-lo. Aproveitei o frio e decidi revê-lo há algumas semanas. E gostei pra caramba, até mais do que da primeira vez. Mas vale lembrar que eu era um cinéfilo completamente diferente do cinéfilo que sou hoje há dois anos... Tinha uma outra cabeça pras coisas, uma visão completamente distinta da que possuo atualmente, principalmente em relação aos filmes. 

Mas, vejam se eu tenho culpa de ter interpretado errado o filme, com base em sua sinopse: um rapaz adulto, solitário e muito tímido chamado Lars arruma uma namorada. E, para a "surpresa" de todos, a namorada do homem é uma boneca inflável chamada Bianca. E o legal do filme está justamente na maneira que você interpreta essa história, e a proposta que o filme entrega. De uma forma ou de outra, não dá pra não ficar minimamente curioso com um filme desses e com uma sinopse tão singular, inédita, digamos. 

Ryan Gosling, um ator que eu gosto bastante, ainda que não tenha visto muitos filmes estrelados por ele, na melhor atuação de toda a sua carreira. Bem estranho a Academia ter deixado ele de fora dos indicados a Melhor Ator em 2008 por um filme tão oscarizável como A Garota Ideal, que até faz o estilo do Oscar e por tamanha performance, tão exímia. A única indicação do filme ao prêmio, no entanto, foi na categoria de Melhor Roteiro Original, indicação mais que justa, levando em conta a potência e a importância do roteiro de Nancy Oliver para o longa. É basicamente a essência de A Garota Ideal. Emily Mortimer, atriz de ouro, atua como a cunhada gestante de Lars, que vive insistindo para que ele tome café ou simplesmente faça uma visita a ela e seu irmão, praticamente vizinhos dele, embora o rapaz sempre ignore os convites dela, por timidez. Aliás, o desempenho dela no filme é excelente. Esse foi o primeiro filme que vi com ela, muito embora tenha sido ao ver Match Point que instantaneamente virei fã da moça. Não creio que a atuação dela aqui seja lá algo do tipo Oscar ou grande performance, mas a presença dela agrada bastante, até porque a Emily é uma figura demasiadamente simpática, não importa em qual filme esteja.

Quem merecia uma indicação na verdade era a sempre excepcional Patricia Clarkson, na pele da psicóloga/médica de Lars. Também sempre gostei muito da Patricia e acho que ela é uma intérprete digna de nota, realmente fenomenal. Pra completar, a participação desses três atores em A Garota Ideal, atores que eu adoro de coração, já é uma coisa bem especial de se ver, totalmente maravilhoso. Ah sim, antes que eu esqueça, outra participação notável é a da graciosa Kelli Garner, que faz uma colega de trabalho de Lars que tem uma queda por ele. Me lembro que fiquei apaixonado pela beleza enfeitiçante dela em O Aviador, no papel de Faith Domergue, ainda que ela só tenha duas ou três cenas no filme todo, uma delas tentadoramente sensual,

Acho que é um filme que merecia mais atenção, mais compensação do que recebeu. Até porque se trata de um filme, lá no fundo, bem importante. Até dentro do gênero, já que renova o estilo comédia romântica com uma abordagem distinta e complexa para o que o gênero está acostumado a abrigar. E o lado cômico de A Garota Ideal paira justamente sobre a grande ironia que a trama manipula, um cara namorar uma boneca inflável a fim de fugir de relacionamentos incompletos e irregulares, a emular a "relação perfeita", a "ilusão" do relacionamento ideal que a sociedade espera de um casal nos dias de hoje. Afinal, não há um relacionamento perfeito. Essa ótica tanto critica os relacionamentos e os ideais de uma relação perfeita quanto analisa a superficialidade e a instabilidade da vida amorosa das pessoas nos tempos modernos e da dificuldade humana em se relacionar. É essa ótica que serve de base e fortalece A Garota Ideal, e o firma como um filme esteticamente essencial, e que em tantas coisas reflete no mundo dos relacionamentos e na maneira que as pessoas encaram relacionamentos e se relacionam nos dias de hoje. Muito bom. 

A Garota Ideal (Lars and the Real Girl)
dir. Craig Gillespie - 

quinta-feira, 19 de maio de 2016

Crítica: "RIO CONGELADO" (2008) - ★★★★


Sucesso em Sundance, indicado ao Oscar e aplaudido por onde passou, a aclamada estreia de Courtney Hunt como diretora e roteirista é uma agradável surpresa. Não pensei que um filme como esse me impactaria e comoveria tanto como foi. À primeira vista, a história, os elogios e a temática até dão uma dimensão de seu poder, mas o filme em si supera previsões ou qualquer tipo de expectativas. Sua importância é inimaginável. Sua potência é imprevisível. O resultado é fenomenal. Rio Congelado é um filme que você não pode perder.

O drama acompanha a jornada de Ray (Melissa Leo, na melhor performance de sua carreira), uma mulher com dois filhos, abandonada pelo marido cafajeste, que ainda por cima levou suas economias junto, deixando ela com um emprego meia-boca e lotada de dívidas. Certo dia, à procura do homem num bingo, ela acaba se deparando com o automóvel dele no estacionamento do local. Logo, ela descobre que o veículo foi achado por Lila (Misty Upham), uma índia Mohawk que trabalha com uma atividade bem perigosa: ela usa o carro para ganhar dinheiro transportando ilegalmente imigrantes do território canadense para dentro dos Estados Unidos por um rio congelado.

Interessante acompanhar o andamento do filme, que se apoia na sua delicadeza, na competência do elenco e no poder dos diálogos, capaz de nos chocar e convencer, provocar e instigar, sem o menor esforço, num bom sentido. Também é bem curioso como alguns momentos da trama são naturalmente regados a tensão e adrenalina, mesmo que em menor quantidade.

O filme deve ser encarado como uma dura crítica às irregularidades do sistema e aos valores sociais e padrões étnicos dos Estados Unidos nos dias de hoje. É uma denúncia ao "american way of life" em todas suas formas e aos problemas sociais que a maior nação do mundo enfrenta. Em uma certa cena de Rio Congelado, no melhor diálogo do filme, as personagens Ray e Lila estão conversando. Lila está discutindo os detalhes de como funciona o transporte dos imigrantes e tal, se eu não estou enganado, e quando Lila termina de descrever todo o percurso, Ray conclui: "Então eles fazem todo esse sacrifício só pra vir pra cá? Que vida de merda!".

Ao ver de Ray, a América já deixou de ser "a terra dos sonhos". A América talvez nunca tenha sido "a terra dos sonhos" como muitos veem. Pra ela, é completamente um absurdo os estrangeiros pensarem que a vida nos Estados Unidos é melhor, e que eles terão mais oportunidades na vida. Pra ela, não faz o mínimo sentido. E é exatamente desse jeito que Rio Congelado encara a nação americana: um falso sonho, uma falsa esperança. Por isso esse ponto no filme é tratado de forma tão crua, até abstrata, estranha pra nós.

A simplicidade cativa. O filme enaltece a sua proposta preservando diálogos ricos e preciosos. Ao contrário do que se imagina, Rio Congelado se equilibra nesse ritmo sem apelar para julgamentos, sem exageros.

Protagonista desse drama desolador, Melissa Leo entrega uma performance notável e excepcionalmente feroz, digna e plausível ao extremo. Sua personagem é uma mulher destemida e valente, como muitas cenas remetem. A interpretação dela é certamente a melhor coisa de Rio Congelado. Aliás, esta é a última atuação que confiro da categoria do Oscar de Melhor Atriz de 2009, e arrisco: é a melhor e mais poderosa performance do grupo. Pra mim, é a Melissa que merecia vencer. Se eu fosse da Academia, meu voto iria pra ela. Esse filme, esse desempenho é a prova de sua competência e talento. Além da categoria de Atriz Principal, o filme abocanhou outra indicação em Roteiro Original. Se fosse pra ser indicado em outra categoria, essa categoria deveria ser a de Atriz Coadjuvante, para Misty Upham, numa performance avassaladora, a grande revelação dessa exemplar obra do cinema independente que é Rio Congelado.

Rio Congelado (Frozen River)
dir. Courtney Hunt - 

domingo, 15 de maio de 2016

Crítica: "UM HOMEM ENTRE GIGANTES" (2015) - ★


Ninguém merece. Vou te contar, que filmezinho mais idiota, desnecessário, incompleto, banal e odiável é esse Um Homem Entre Gigantes. Perdi a tarde inteirinha hoje vendo esse fracasso total. Cochilei no começo, isso umas três da tarde, e minha irmã veio me acordar às seis. Ainda estou em dúvida se ou eu estava com muito sono ou o filme é tão, mas tão maçante assim. De qualquer forma, ambas as hipóteses fazem sentido. Aliás, embora não cumpra sua tarefa como um filme, Um Homem Entre Gigantes funciona muito bem como um sonífero. Por isso, aí vai uma dica para os leitores que sofrem de insônia: botem Um Homem Entre Gigantes para rodar na hora de ninar. O efeito é instantâneo e duradouro. Vão dormir como um bebê. 

Gosto do Will Smith, e, mesmo num filme tão fraco e ridículo como esse, o ator consegue brilhar, ainda que por um momento. Falando nisso, se há uma coisa que "embeleza" Um Homem Entre Gigantes é a atuação dele, mesmo que sua performance raramente consiga ser, na maior parte do tempo, interessante o suficiente para motivar o espectador. 

O filme é uma perda de tempo. Demais. É exagerado, desorganizado, desregrado, sem rumo. É uma grande, desculpem a brutalidade, bosta. Afinal, é isso que o filme é. Pra que eu mentiria para vocês? E pensar que eu estava bastante interessado a princípio. Foi em vão. Dar atenção a um filme desses é, simplesmente, uma puta perda de tempo. Evitem Um Homem Entre Gigantes, cinéfilos, evitem!

Um Homem Entre Gigantes (Concussion)
dir. Peter Landesman - 

quarta-feira, 11 de maio de 2016

Crítica: "TERRA FRIA" (2005) - ★★★


O que dizer sobre Terra Fria? Olha, até que não é nada mal. No fim, fica a impressão de que é um daqueles filmes que querem ser importantes, relevantes, mas cujas imperfeições limitam a possibilidade. Certamente, é um filme irregular, mas não ruim. Merece ser visto pela seriedade e maturidade da temática, a competência da diretora Niki Caro e o elenco magistral.

Charlize Theron interpreta Josey Aimes, uma mulher e mãe de duas crianças que arruma um emprego numa mina e que se depara com diversos problemas em relação ao preconceito e desrespeito dos trabalhadores homens com as trabalhadoras mulheres do local, e é duramente criticada quando se rebela e decide processar a empresa por desacato, enfrentando até mesmo a desaprovação do pai, minerador.

O filme é baseado numa história incrivelmente real e chocante. Acho que se tivesse sido melhor feito, o resultado seria mais satisfatório e a trama do filme mais interessante. Achei a narrativa fraca demais. E isso prejudica o filme de muitas maneiras. Terra Fria, sobretudo, merece ser lembrado pela força da protagonista Charlize Theron, numa das melhores e mais impactantes performances de sua carreira, sublimemente indicada ao Oscar de Melhor Atriz em 2006, Frances McDormand também abocanhou uma indicação ao prêmio em Atriz Coadjuvante pelo seu papel, Glory Dodge, colega de trabalho de Josey, justíssimo. No elenco, ainda figuram Richard Jenkins, Sissy Spacek, Jeremy Renner, Sean Bean, Woody Harrelson, Corey Stoll, Amber Heard, entre outros. No entanto, é a atuação poderosíssima de Charlize que faz Terra Fria valer a pena, sem sombra de dúvida.

Terra Fria (North Country)
dir. Niki Caro - 

domingo, 8 de maio de 2016

Crítica: "DEADPOOL" (2016) - ★★★


Ok, esse eu conferi atrasado, mas vi, enfim. Estava prometendo à minha irmã ver Deadpool há um bom tempo, mas estava com preguiça de baixar e, depois de tanta espera, acabei desanimando e desisti de ver o filme. Lembro que quando saiu nos cinemas em fevereiro estava doido pra ver, e até cheguei a (quase) combinar com amigos, mas foi tudo em vão. Minha irmã me lembrou hoje à noite que queria ver. Pra quitar essa dívida, lá fui eu assistir Deadpool

Antes de começar a falar sobre o filme, aviso desde já: sou nota 0 no que se refere à cultura dos super-heróis ou ao universo Marvel. Não conheço, nunca fui e não consigo me familiarizar, e geralmente é uma tarefa complicada pra mim digerir os chamados "filmes de super-herói". Sou completamente leigo no que diz respeito à referências e etimologias desse mundo. Enfim, vejo os filmes por ver mesmo. Pra falar a verdade, se a minha irmã não tivesse insistido tanto, nem teria visto ou até lembrado. 

Não deixa de ser um bom "filme de super-herói" esse Deadpool. Repleto de ousadia, sarcasmo e diversão, o longa, apesar de imperfeito, foi feito por uma boa causa (entretenimento) e, nesse território, pode-se dizer que até é sim um filme bem-sucedido. O filme brinca solenemente com o gênero e diverte o espectador com palhaçadas irônicas e sequências de ação banais. Sobressai-se como um filme glorioso por entregar com tamanha exuberância e excelência uma combinação finíssima de ação e comédia, feito raro nos dias de hoje no campo cinematográfico. 

Alguns até podem dizer que é tosco ou bobo demais. E não é que não é, mas eu gosto de ver o humor no filme como algo brincalhão, e não imaturo ou infantil, mas sim dirigido ao entretenimento e descontração do espectador. É por isso que eu creio que trata-se de um filme especialmente dirigido ao público mais jovem, que certamente lidará mais facilmente, ingenuamente, com essa característica, e apreciará mais, sem levar tudo a sério como a maioria do público adulto provavelmente faria.  Afinal de contas, é um filme sem espaço para a seriedade. 90% do filme é puro e intenso humor negro do mais sacana e pesado, o que pode levar a outras interpretações a quem não souber entrar no ritmo da brincadeira.

Só pra vocês terem uma pequena noção da minha sem-tamanho ignorância nesse território, eu nunca saberia da existência do super-herói Deadpool se não fosse pelo filme. E não é a primeira vez que isso acontecem. Devem ter vários e vários personagens dos quadrinhos de super-herói que eu desconheça. Quem sabe com mais calma e tolerância eu não vá a me interessar de verdade? Acho que esse é o problema. Não consigo me identificar com os ideais e propósitos desses heróis. É tudo muito estranho pra mim. A filosofia desse universo não entra na minha cabeça de jeito nenhum. 

O que acaba salvando Deadpool, ao meu ver, é seu lado humor, porque, pra ser sincero, não fui muito com a cara das cenas de ação não. O lado comédia é caprichado e repleto de qualidades, o suficiente para funcionar como uma boa dose de descontração e contemplação cômica, mas as cenas de ação... Que chato, cara! Parece que não tem fim, principalmente aquela sequência final... Ninguém merece! Acho que eles moveram mundos no lado comédia, que é fenomenal, mas ficaram relaxadíssimos no lado ação. E o problema nem é a ação, mas é que as sequências de ação são tão fracas e maçantes e tomam tanto tempo (aquele velho clichê dos filmes de ação de sempre extrapolar os limites de tempo em sequências de combate). 

Deadpool não é forçado, Deadpool não é "só mais um filme de super-herói". Deadpool não é um filme ruim. Na maior parte do tempo, eu gostei. Poderia ter gostado mais, eu acho, se tivesse mais conexão com o personagem e o universo Marvel, que, apesar de tudo, me interessa muitíssimo. Ryan Reynolds cada vez mais me surpreendendo como um ator exímio, e aqui não foi nada diferente. Um amigo meu tinha dito, depois de ter conferido o filme, que tinham várias cenas de sexo entre o Ryan e a belíssima Morena Baccarin, metade brasileira, que interpreta a namorada do herói (o que, confesso, me animou muito -- e serviu de estímulo a ver o filme). Bem, não é verdade (só se meu conceito de "muitas cenas de sexo" esteja realmente à frente). Só há uma, mas o personagem fala muita sacanagem e concretiza diversas apologias, centralmente no linguajar, o que, realmente, tem ligação com a "íntegra sexual" do filme, digamos -- o que me desapontou demais (risos). 

Deadpool
dir. Tim Miller - 

Crítica: "FROST/NIXON" (2008) - ★★★


Não sou um fã de Ron Howard. Mesmo assim, sua filmografia é um tanto interessante e, até hoje, não me lembro de ter assistido a um fracasso propriamente dito levando sua direção, se bem que dá pra contar nos dedos quantos filmes dele eu vi... Enfim, preciso ver mais filmes de Ron Howard. Bem, a verdade é que eu nem gostei tanto assim de Frost/Nixon. Na verdade, é um filme que deve ser assistido com paciência. Uma das razões é que eu achei muito maçante. Não sei se é porque estava com sono por conta do dia exaustivo que tive (última sexta), o que é bem provável, só sei que eu achei o filme muito chato e demasiado. 

Outra coisa que me estressou pra caramba em Frost/Nixon foi a fotografia irregular de Salvatore Totino (se eu não me engano o diretor de fotografia de O Código da Vinci). Totino entrega uma cinematografia repleta de defeitos e totalmente decepcionante, o suficiente pra me tirar do sério e desgarantir minha uma impressão qualificável (o visual é uma coisa de imenso valor pra mim, rapaz...). A organização do filme é meio desandada, sabe? Se fosse em outro filme, não ficaria tão encucado, mas foi motivo de incômodo e atrapalhou um pouco minha apreciação.

Por outro lado, Frost/Nixon trata-se de um retrato cinematográfico competentíssimo, rico em recursos, potente pela força de uma trama poderosa e astuta, diferente de qualquer reprodução épica dos tempos modernos, responsável e impecável pela plenitude de sua fórmula, e sobretudo crível pela dupla de protagonistas, Michael Sheen, na pele do apresentador e entrevistador David Frost, e Frank Langella, indicado ao Oscar por seu fabuloso desempenho como o ex-presidente americano Richard Nixon. Ou seja, de uma forma ou de outra, mesmo sendo um filme irregular, Frost/Nixon tem a sua importância e devido valor.

Somando, o roteirista do filme é Peter Morgan, o mesmo de A Rainha. O filme Frost/Nixon, aliás, é a adaptação da peça homônima de Morgan, estrelando o Sheen e o Langella. E, para a nossa surpresa, a melhor coisa de Frost/Nixon acaba sendo a direção fenomenal de Ron Howard, muito possivelmente a melhor direção do cineasta, ainda que eu não tenha conferido todos os seus filmes. Enfim, Frost/Nixon deve ser lembrado como um trabalho delicado, ímpar, necessário, excepcionalmente bem-feito.

Frost/Nixon
dir. Ron Howard - 

quinta-feira, 5 de maio de 2016

Crítica: "DE CABEÇA ERGUIDA" (2015) - ★★★★


Um dos filmes mais celebrados do cinema francês no ano passado, De Cabeça Erguida, longa que abriu o Festival de Cannes ano passado, dirigido pela cineasta e também atriz Emmanuelle Bercot, é um exemplar nato da superioridade do cinema francês nos dias de hoje e o filme em si é exclusivamente importante na sua abordagem e temática, o que o torna tão obrigatório e especial. Eu simplesmente não consigo entender como as pessoas odiaram tanto esse filme. Ele não é o que podemos chamar de obra-prima, mas está definitivamente bem longe de ser um filme do qual eu não gostaria -- muito longe, de fato. Nem sei como, de alguma forma, eu poderia desaprovar De Cabeça Erguida.

De Cabeça Erguida trata da história de um jovem delinquente (Rod Paradot) de comportamento explosivo, e sua relação com o mundo em que vive, a justiça, e ele mesmo. Dentro de um período de dez anos, o rapaz passa por altos e baixos enquanto é encaminhado para diversas instituições (reformatórios, prisões...), atravessando vários conflitos.

O rapaz é um criminoso quase compulsivo, irrepreensível, sem atitude, sem nada, perdido no mundo. Do início do filme, a gente acha que o resto vai ser muito previsível. Há quem diga que simplesmente não dá pra prever que o destino daquele garoto marginal irá mudar. A gente logo o encara como um caso perdido (seria um spoiler?).

A primeira cena do filme é explosivamente chocante. A jovem mãe de Malony (Sara Forestier), no escritório da juíza Florence Blaque (Catherine Deneuve), inicia um bate-boca com a juíza enquanto maldiz o garoto, ainda criança. A moça, por fim, acaba abandonando a criança no escritório. Numa cena não tão distante, os mesmos personagens se reencontram, anos depois, Malony já crescido e sua mãe desbocada, em um debate frívolo com a juíza.

Há quem encontre semelhanças com títulos como Os Incompreendidos e O Garoto da Bicicleta, mas De Cabeça Erguida, falando em estética e conceito, é um filme completamente original. Emmanuelle Bercot, que na direção tem outros quatro filmes anteriores (Ela Vai, 2013, Os Infiéis, 2012, Backstage, 2005 e Clément, 2001), revela-se uma cineasta empenhada e talentosíssima.

O elenco é impecável. A melhor performance acaba sendo a do jovem protagonista Rod Paradot, na pele de Malony. Que atuação, rapaz! Rod entrega um desempenho autêntico e, a cada cena, chocante e extremamente vibrante. Difícil não ficar impressionado com esse promissor artista, que lembra um pouco a performance de Antoine Olivier Pilon em Mommy. Em sequência, vem a performance de Benoît Magimel, tremendamente versátil. Também são destaques a Sara Forestier e a Catherine Deneuve, excepcionais.

Diversas cenas do filme são inesquecíveis e gloriosas, mas eu destaco três sequências que me deixaram arrasado e que acabam sendo as melhores do longa: a em que Malony ataca uma mulher grávida no reformatório e sua mãe quase o quebra na pancada (é a cena mais tensa do filme todo). A cena de sexo de Malony e Tess no reformatório, também um pouco tensa (quando Malony encontra o amor -- é o amor que, no final das contas, acaba salvando ele), e a sequência final (impossível não conter o sorriso). Ah, a sequência final é suspirante. Que coisa boa ver o resultado satisfatório do trabalho da juíza... Cá entre nós, na realidade as coisas (geralmente) não são bem assim, mas é bom ver um final feliz só pra lembrar que ainda existe esperança. Consagrado, De Cabeça Erguida é um filme memorável, bem-feito, atores excelentes, e uma diretora/roteirista competentíssima. Um filme importante, necessário e que faz a gente pensar e questionar sobre diversos quesitos que fazem-se presentes nos tempos atuais.

P.S.: Que título mais engraçado esse em francês, hein? rsrs

De Cabeça Erguida (La tête haute)
dir. Emmanuelle Bercot - 

quarta-feira, 4 de maio de 2016

Crítica: "MATADORES DE VELHINHAS" (2004) - ★★★


Mês passado eu quebrei meu recorde: 56 filmes. Que eu me lembre, nunca tinha visto tanto filme num só mês. E olha que eu nem estou de férias. Acontece que minha compulsão cinéfila se intensificou de uns tempos pra cá. Agora, por exemplo, estou vendo uns três, dois filmes por dia, enquanto no passado mal via três ou quatro filmes por semana, digamos. Evolui muito nesse quesito. Devo encarar isso como uma qualidade ou como um defeito (compulsão cinéfila)? Bem, espero continuar nesse ritmo. Afinal, filme pra conferir é o que não falta. Esse Matadores de Velhinhas, por exemplo, lembro de ter comprado em 2014, se não me falha a memória, e na época até tentei ver, mas parei logo no início, não lembro o porquê. Depois de ter conferido Kumiko, a Caçadora de Tesouros ontem, me deu uma vontade de ver esse filme. 

Mas conta que eu estava mirando uma comédia (recentemente, não estou com pique para filmes dramáticos) e é isso que, mais ou menos, Matadores de Velhinhas é. Na verdade, é humor negro, gênero que volta e meia é trabalhado pelos Coen (Um Homem Sério, E Aí, Meu Irmão, Cadê Você?, O Grande LebowskiQueime Depois de Ler), o que não necessariamente quer dizer que seja aquele tipo de filme o qual você irá gargalhar sem parar do primeiro frame até os créditos, muito embora seja um trabalho bastante hilário, embora esquisito (esquisito demais pra ser considerado cômico, ao meu ver). 

Tom Hanks interpreta um criminoso meticuloso e astuto, G.H. Dorr, que se hospeda na mansão de uma idosa reclamona, Marva Munson, para executar seu grande plano, cavar um túnel até um cassino e furtar o cofre da instituição, com a ajuda de outros quatro homens, seus ajudantes. Entretanto, os criminosos terão de aturar a senhora, que acaba atrapalhando o crime perfeito deles. 

Embora não seja o trabalho mais bem-feito dos Coen, Matadores de Velhinhas tem seus prós, e não chega a ser um filme tão fraco, apesar dos defeitos, como muitos disseram. É apenas um filme bom, regular, sem muitos charmes, mas que não chega a ser desprezível.

É raro ver o Tom Hanks numa interpretação cômica tão excelente. O ator acaba sendo um dos grandes destaques do elenco e me surpreendeu bastante, já que eu não esperava vê-lo tão ótimo como ele esteve. Outro destaque é a Irma P. Hall, que faz a senhorinha chata sempre atrapalhando os planos de Dorr. Outras participações notórias são a de Marlon Wayans, numa atuação de valor que acaba roubando a cena, e J.K. Simmons. 

É claro, teve algumas coisas que eu não gostei tanto assim em Matadores de Velhinhas. Já começa pelo título nacional horrendo (não sei porque colocaram "velhinha" no plural se é só uma personagem). A fotografia do Roger Deakins poderia ser mais caprichada. Acho que o trabalho de fotografia ficou muito relaxado, desnecessário. Pensei que encontraria algo mais charmoso. Também não gostei dos clichês de comédia que os Coen adotaram. Dá a impressão de que eles fizeram pensando em homenagear as velhas produções cômicas hollywoodianas (o filme em si é a adaptação do clássico Quinteto da Morte), mas a fórmula, o resultado sai completamente diferente do imaginável. Entretanto, não é aquele filme que passaria em branco. Como dito, Matadores de Velhinhas tem lá suas qualidades. 

Matadores de Velhinhas (The Ladykillers)
dir. Joel & Ethan Coen - 

segunda-feira, 2 de maio de 2016

Crítica: "FILHO DE SAUL" (2015) - ★★★★★


Em seu longa de estreia, o húngaro Laszlo Nemes (confesso que nunca tinha ouvido falar antes, mesmo) entrega um trabalho fascinante, intrigante e que certamente merece atenção. O longa em questão é Filho de Saul, recente vencedor do Oscar de Melhor Filme Estrangeiro, que conquistou a crítica internacional de uns tempos pra cá sem falar na quantidade de prêmios que recebeu, como o Globo de Ouro de Filme Estrangeiro e o Grand Prix de Cannes ano passado. Que filme excepcional, rapaz! Que obra! É uma surpresa sutil e agradabilíssima, um filme único, de natureza perspicaz e austera sensibilidade, comovente a cada instante.

Esqueçam todos aqueles dramalhões do Holocausto, todas aquelas porcarias "épicas" forçadas que são puro desperdício de tempo e de atenção. Aqui está um verdadeiro exemplar de um "filme de Holocausto" (sério mesmo que isso virou um subgênero?), se é que podemos chamar Filho de Saul de "filme de Holocausto". Isto é um filme de verdade. Não há dramalhão, não há exibicionismo, não há apelo em Filho de Saul

É puramente a jornada do personagem do título, Saul, um judeu húngaro confinado em um campo de concentração alemão, que, para sobreviver, começa a realizar tarefas e pequenos trabalhos para os nazistas dentro de um grupo "especial", o Sonderkommando ("portadores do segredo", pessoal que geralmente realizava o "trabalho pesado" que os nazistas não gostavam de fazer, como enterrar os cadáveres dos prisioneiros, trabalhos médicos, limpeza das câmaras de gás, e etc.). A missão do homem é enterrar o corpo de seu suposto filho, um menino que sobreviveu à câmara de gás, mas logo em seguida foi assassinado. Ele vai à procura de um rabino entre os prisioneiros, quem possa realizar o ritual fúnebre, que demanda certas prioridades. 

A câmera tropega, treme, sofre nas costas do protagonista, que vaga pra lá e pra cá, pra cá e pra lá, aflito, desesperado por uma saída, sem saber o que fazer, em choque. Não dá pra evitar, na maior parte do tempo, o interesse, a curiosidade em desvendar cada pequeno fragmento, cada mistério, cada segredo escondido, a tensão pela sobrevivência e pela luta, e a energia nos momentos mais carregados. 

A impressão que essa fórmula causa é de que o filme é constante, não para. Embora (nitidamente) existam muitos cortes, no final parece que Filho de Saul foi filmado numa só tomada. Algumas das cenas chegam a ser tão intensas que causa-se um pavor desconcertante, uma tensão desconhecida e intimidadora, indiscreta e inesperada. 

A fotografia é uma perfeição (by Mátyás Erdély). As transições, a iluminação, a completeza dos planos, o jogo de ângulos, a naturalidade da dança da câmera, a ilusão do foco, a claustrofobia emitida (que acaba funcionando como uma estética reversiva)... A fotografia de Filho de Saul é genial em todos os sentidos possíveis, pelo primor, pelo tecnicismo e pelo efeito estremecedor que causa em quem assiste. 

Geza Rohrig (Saul) nos presenteia com uma das melhores performances desse ano, uma interpretação nata, solene e excelentemente versátil. Nunca se viu um ator assim, tão esmerado e dedicado, de expressões silenciosas e marcantes, de um olhar feroz ainda que aterrorizado, transmitindo ao espectador todo seu pânico, sua inquietude, sua perplexidade. É uma atuação de ouro, por um ator de ouro, em um filme de ouro. Não há como reclamar. É, na melhor das hipóteses, um grato presente.

Observar, testemunhar pelas lentes de Laszlo os horrores do Holocausto através da triste jornada de Saul é uma experiência cruel, agônica e apavorante. Horrorizante. Demais. De muitas maneiras, é por isso que Filho de Saul trata-se de um filme tão impecável, tão único: a inovação está na estética, na abordagem que se destaca de várias outras reproduções cinematográficas visando a Segunda Guerra Mundial/Holocausto. É impressionante como a proposta funciona de maneira extraordinariamente tenaz, e o efeito é, em consequência, profundamente impactante. 

Já no primeiro filme, Nemes prova que é digno da alcunha de mestre. Direção e roteiro são consistentes e importantes peças do longa. O húngaro, tão cedo, mostra-se promissor, e se sua intenção era fisgar a nossa atenção e arrancar aplausos estrondosos, não há como negar que ele foi muito bem-sucedido. Filho de Saul é um filme maravilhoso. 

E, sobretudo, Filho de Saul resplandece pela audácia, por ser um filme diferente, distinto, provocador, capaz de gerar as mais transcendentes reações em quem vê. É um filme não-previsível, foge do comum, o que deve ser visto como uma de suas muitas qualidades. É uma obra impecável. Simplesmente extraordinário. 

E os votantes do Oscar de Filme Estrangeiro provam que ainda há uma faísca de esperança, nos levando a crer que a categoria é, muito provavelmente, a única que, mesmo depois de quase 60 anos, sobressai-se invicta como a "the last fair Academy Award category", em tempos onde o Oscar, em termos de justiça, não vai muito bem não. Afinal, que outra categoria, e que outro prêmio, premiaria filmes do leque de Filho de Saul por tanto tempo assim e com tanta pose? Obrigado, Oscar de Melhor Filme Estrangeiro, por ampliar a fama de Filho de Saul ao resto do mundo. As pessoas precisam ver essa obra imperdível. 

Filho de Saul (Saul fia)
dir. Laszlo Nemes -