domingo, 30 de junho de 2019

Três filmes americanos


Os Irmãos Cara-de-Pau (The Blues Brothers, dir. John Landis, 1980)


O que dizer de um clássico que cresceu tanto com o tempo? Os Irmãos Cara-de-Pau construiu algumas das cenas mais icônicas e inesquecíveis que o cinema americano de comédia nos trouxe nos anos 80. E, nesse sentido, esse filme tornou-se uma lenda, um verdadeiro clássico para as audiências que tiveram suas infâncias marcadas pela produção. Dan Aykroyd e John Belushi interpretam dois malandros que, numa missão divina, tentam resgatar os membros de uma banda da qual costumavam fazer parte, partindo numa jornada cheia de confusões, cenas de perseguições em um shopping e show em um bar country... e até mesmo a participação de dois grandes ícones da música americana: Aretha Franklin e Ray Charles. O tempo só fez crescer a fama de clássico deste filme que marcou geração e é lembrado com muito carinho por seu público. Um grande filmaço de John Landis.

Na Época do Ragtime (Ragtime, dir. Milos Forman, 1981)


Lançado na mesma época de O Portal do Paraíso. E, como ele, um épico gigantesco, adoravelmente pomposo e ferozmente incisivo sobre a construção da América. Performances incríveis, a direção de Forman que se aproxima muito da perfeição, e o conjunto de sequências excepcionais, muito bem arquitetadas, com um rigor fiel ao épico que é. Ragtime é uma obra-prima, um olhar sobre o que se fez necessário para a formação de uma "grande nação", com um retrato ácido e pungente do racismo, o motor secular dos problemas sociais no maior país do mundo. O elenco é grandioso, muitas atuações inesquecíveis, cenas cuidadosamente bem-feitas e de uma força única. Eis um filme que merece ser lembrado e falado com mais frequência.

Entre Quatro Paredes (In the Bedroom, dir. Todd Field, 2001)


Desarmador. Um dos poucos filmes americanos que está em uma ruidosa sintonia com seu elenco, blindado com as performances estarrecedoras de Wilkinson, Spacek e Tomei, que conseguem compor cenas que vão do banal ao trágico de uma forma absurda. A consistência do suspense, e com esse grupo de atuações incríveis, fazem de Entre Quatro Paredes uma experiência provocadora, que convida o espectador a observar atentamente o desenrolar das ações, a complexidade emocional dos personagens e uma trama eletrizante, de um peso descomunal. O vigor dramático é admirável. O filme poderia seguir caminhos bem óbvios, mas prefere uma desconstrução quase misteriosa e cheia de nuances, como que sugerindo que aquele capítulo tão brutal na vida dos personagens daria lugar a sentimentos mistos, possibilidades estranhas e uma tensão avassaladora. Alguns anos depois Field viria a dirigir Pecados Íntimos, outro filme que desconstrói a vida nos subúrbios americanos através de um capítulo trágico e criminoso.

Editado em 01/07. 

segunda-feira, 24 de junho de 2019

DEMOCRACIA EM VERTIGEM (2019)


Democracia em Vertigem é um comentário preciso e relevante sobre o que a democracia brasileira tem sofrido nos últimos anos (e, de um modo geral, como o passado ditatorial e histórico do país sombreia seus caminhos políticos turvos), provocando uma reflexão sobre esse estado político e nos levando a analisar o seu impacto tão denso na vida dos brasileiros. Passa pela eleição histórica de Lula à Presidência em 2002, a primeira vez que o PT chega ao poder, com promessas de inclusão social e atenção às minorias, e oito anos depois a de sua sucessora, Dilma, primeira mulher a ocupar o cargo (no passado, militante presa e torturada durante a Ditadura). Quase que tragicamente, o documentário atravessa a derrocada que tentam impor a essas duas figuras neste que é um momento tão frágil dentro do cenário político do Brasil: o controverso e ainda recente golpe de Dilma em 2016 e a prisão de Lula em 2018. E, consequentemente, a chegada da direita ao poder (indiretamente) com o governo desastroso de Temer, vice de Dilma, que tornou-se impopular com sua dose de reformas ineficazes e descontrole sobre a crise que atingiu o país, e a eleição de um deputado de extrema-direita, Bolsonaro, o atual presidente do país, com um governo em sua grande maioria composto por militares (sendo ele próprio um capitão reformado do Exército), trazendo consigo uma aura extremamente conservadora, reforçando o clima de retrocesso já agravado pelo seu antecessor, e marcado por uma série de controvérsias e medidas polêmicas nos cinco primeiros meses de governo. 

Apesar de não se estender ao começo desse governo em que estamos, até por ser um capítulo mais recente da nossa história, o documentário de Petra dá conta dos principais acontecimentos dentro dessa década em relação à crise política no Brasil, enfocando na quantidade massiva de manifestações populares, na insatisfação, nos capítulos mais marcantes, na transição dos governos do PT para a retomada do poder pela direita e, mais uma vez, assim como o recente O Processo, reconstruindo o Impeachment de Dilma Rousseff, expurgando toda a fraude por trás do golpe e acenando para seus perpetuadores, Cunha, Temer e Aécio, lembrando que esse talvez seja o momento mais emblemático dessa crise política.

Mixando elementos pessoais ao documentário, com uma narração em off que comenta e dá cores ao que é exposto no filme, Costa também reconstrói a redemocratização, momento em que o país finalmente ia pra frente, após 20 anos mergulhado numa ditadura infame, e inclusive reconta, através das experiências dos pais (presos durante o regime) o que se seguiu após o golpe de 64, um atentado à democracia mascarado de resposta à ameaça comunista. Não muito diferente do que o país assistiria em 2016: uma presidente eleita retirada do poder em favor do ideal de "retomada" do país. 

Talvez o único ponto fraco do documentário seja passear pelos conflitos políticos do país sem realmente colocar o povo à frente do retrato. Costa valoriza muito mais um retrato íntimo e o conecta aos acontecimentos políticos do pais, mas quando a câmera está no povo, é para evidenciar a dualidade, as divergências de opinião que causaram uma perceptível polarização na sociedade brasileira, mas sem dar uma dimensão maior ao que todo esse caos político impactou na vida do brasileiro.

O olhar de Petra sobre esse momento que ficará marcado na história, em que a democracia do Brasil é tentada a todo instante por seu governo, que é vitrine de escândalos de corrupção, disputas pelo poder, mentiras e conspirações, também exibe a dor e o desgosto do povo brasileiro, com uma pluralidade que nos faz enxergar tanto quem apoia ou discorda, mas com um olhar próprio sobre as injustiças cometidas contra a gente do país. O horror do que a política brasileira se transformou, e do que fizeram com as promessas de transformação social e de igualdade, também é um alerta, um chamado. O povo brasileiro é um pária nesse cenário atual, como se as escolhas independessem dele, milhões de votos são jogados fora para "salvar a democracia", intrigas do poder que se desenrolam às escuras, nas sombras. E, como se já não bastasse, a Justiça entra no jogo. E ela joga muito sujo.

O registro de Costa sobre a política brasileira desperta diversos sentimentos, mas dois em especial ficam marcados com a gente nesse momento tão emblemático do nosso país: a indignação e o lamento. Ver as direções que seu governo tem tomado é lamentável.

Forte candidato a um dos melhores (e mais necessários) filmes nacionais do ano.

Democracia em Vertigem
dir. Petra Costa
★★★★