quarta-feira, 30 de novembro de 2016

CAHIERS DU CINEMA – Top 10 2016


1. Toni Erdmann, de Maren Ade
2. Elle, de Paul Verhoeven
3. Demônio de Neon, de Nicolas Winding Refn
4. Aquarius, de Kleber Mendonça Filho
5. Ma Loute, de Bruno Dumont
6. Julieta, de Pedro Almodóvar
7. Na Vertical, de Alain Guiraudie
8. La Loi de la Jungle, de Antonin Peretjatko
9. Carol, de Todd Haynes
10. Le bois dont les rêves sont faits, de Claire Simon

Lista divulgada hoje dos melhores do ano segundo a Cahièrs du Cinema, influente revista francesa de cinema. 

terça-feira, 29 de novembro de 2016

NATIONAL BOARD OF REVIEW 2016


VENCEDORES DO NATIONAL BOARD OF REVIEW 2016

Melhor Filme
Manchester à Beira-Mar

Melhor Diretor
Barry Jenkins – Moonlight

Melhor Atriz
Amy Adams – A Chegada

Melhor Ator
Casey Affleck – Manchester à Beira-Mar

Melhor Atriz Coadjuvante
Naomie Harris – Moonlight

Melhor Ator Coadjuvante
Jeff Bridges – A Qualquer Custo

Melhor Roteiro Original
Manchester à Beira-Mar

Melhor Roteiro Adaptado
Silence

Melhor Filme de Animação
Kubo e as Cordas Mágicas

Melhor Ator Estreante
Lucas Hedges – Manchester à Beira-Mar

Melhor Atriz Estreante
Royalty Hightower – The Fits

Melhor Diretor Estreante
Trey Edward Shults – Krisha

Melhor Filme Estrangeiro
O Apartamento (Irã)
dir. Asghar Farhadi

Melhor Documentário
O.J.: Made in America

Melhor Elenco
Estrelas Além do Tempo

TOP 10 – 2016 (em ordem alfabética)

1. A Chegada
2. Hacksaw Ridge
3. Ave, César!
4. A Qualquer Custo
5. Estrelas Além do Tempo
6. La La Land – Cantando Estações
7. Moonlight
8. Patriots Day
9. Silence
10. Sully

TOP 5 – FILMES ESTRANGEIROS (em ordem alfabética)

1. Elle
2. The Handmaiden
3. Julieta
4. Land of Mine
5. Neruda

TOP 5 – DOCUMENTÁRIOS (em ordem alfabética) 

1. De Palma
2. The Eagle Huntress
3. Gleason
4. Life, Animated
5. Miss Sharon Jones!

TOP 10 – FILMES INDEPENDENTES (em ordem alfabética)

1. 20th Century Women
2. Capitão Fantástico
3. Creative Control
4. Decisão de Risco
5. The Fits
6. Sala Verde
7. Hello, my name is Doris
8. Krisha
9. Morris from America
10. Sing Street

sexta-feira, 25 de novembro de 2016

Crítica: "O QUE ESTÁ POR VIR" (2016) - ★★★★★


2016 está acabando, mas ainda tem muito filme pra ver. O legal é que esse ano veio recheado de estreias importantíssimas e trabalhos cheios de toque e classe. Não arriscaria dizer, so far, que 2016 está sendo um ano cinematográfico melhor que 2015, mas, quanto mais a gente vê, mais a gente fica comparando e vendo que as estreias de 2016 estão tendo um maior impacto, mais difusão, aclamação, do que alguns outros filmes de 2015, que foi um ano cinematográfico marcante, principalmente pelos lançamentos de grandes obras que serão lembradas por muito tempo. 

O Que Está Por Vir é um dos maiores destaques de 2016. Em fevereiro, o filme foi elogiadíssimo no cultuado Festival de Berlim, onde a diretora do longa, Mia Hansen-Love (a mesma que dirigiu o sucesso cult Éden) conquistou o Urso de Prata de Melhor Diretor. Desde então, o filme têm chamado a atenção dos críticos e cinéfilos, que de motivos para contemplar esse filme tão maravilhoso estão cheios. E grande parte desse sucesso de O Que Está Por Vir diz respeito à atriz das atrizes, Isabelle Huppert, protagonista do drama, que guarda uma de suas performances mais profundas e relevantes, mais uma atuação deslumbrante que a intérprete francesa nos apresenta esse ano, antecedida pela radiante interpretação dela em Elle, de Paul Verhoeven, até agora o melhor filme de 2016 pra mim – e O Que Está Por Vir não fica atrás não, hein.

No filme, Isabelle vive Nathalie, uma professora de filosofia que está atravessando um momento bastante delicado de sua vida. Seu marido se apaixonou por outra mulher e decide consumar o inesperado divórcio, e sua mãe, uma mulher debilitada, é internada em um asilo após uma tentativa de suicídio. O destino conturbado de Nathalie a leva a refletir sobre os acontecimentos do mundo ao seu redor.

O filme exige bastante da performance de Huppert porque basicamente a performance é a base da trama e do filme em si. Não consigo pensar O Que Está por Vir seria sem a atuação magnífica dela. O poder que Isabelle ostenta de incorporar suas complexas e intensas personagens de maneira tão densa, original, hipnotizante e estremecedora é algo completamente diferente de qualquer coisa que se possa ver na tela do cinema. É um espetáculo impressionante de faces, diálogos concentrados, debates filosóficos à flor da pele e frescor cinematográfico.

Com um filme tão gradual assim como O Que Está por Vir, Mia Hansen-Love prova seu talento por trás das câmeras e a capacidade fervescente de comandar o elenco e fazê-los emergir em uma história que reúne metáforas sobre a vida, meia idade, reflexão, família e conexão humana. Por isso, não aconselho ninguém a perder um filme tão importante e colossal como este.

O Que Está Por Vir é marcado por muitos momentos de glória dramática e inspiração narrativa. Certamente fica entre os melhores filmes de 2016. Isabelle Huppert, lenda do cinema francês, brilha neste conto potente em mais um papel desnorteante, daqueles de nos deixar boquiabertos diante do talento magistral da mulher, que parece nunca se cansar de nos surpreender e encantar com suas personagens absolutamente extraordinárias e interpretações brilhantemente conduzidas.

O Que Está por Vir (L'avenir)
dir. Mia Hansen-Love - ★★★★★

terça-feira, 22 de novembro de 2016

PRIMEIRO POSTER DE SILENCE


Imagem do primeiro poster do novo filme de Martin Scorsese, Silence. O épico estreia dia 23 de novembro nos E.U.A. e em 26 de janeiro no Brasil. Aguardem. 

sexta-feira, 18 de novembro de 2016

Crítica: "SULLY – O HERÓI DO RIO HUDSON" (2016) - ★★★★


Hoje eu vou falar um pouquinho sobre uma das estreias mais imperdíveis do ano que eu tive o prazer de conferir essa semana com exclusividade, a pouco menos de algumas semanas para que o filme entre em cartaz aqui no Brasil. Sully – O Herói do Rio Hudson é o mais novo filme de Clint Eastwood. Como diziam as expectativas, eis mais um sucesso estrondoso desse cineasta celebrado que dificilmente erra a mão.

Neste filmaço, Tom Hanks (em uma performance magnífica) vive Chesley Sullenberger, um piloto que ficou famoso mundialmente após ter feito uma aterrissagem improvisada em pleno rio Hudson, em Nova York, no ano de 2009. O filme relata a pressão enfrentada por Sully ao ter que encarar as investigações em cima desse evento milagroso. Enquanto tido como um herói pela população e por aqueles que salvou, Sully sofreu acusações de ter forjado a falha nas turbinas.

E se Sully fica aquém do sucesso anterior de Eastwood, o maravilhoso Sniper Americano, certamente merece ser reconhecido como um de seus trabalhos mais instigantes e motivados atualmente, um destaque em uma filmografia repleta de obras. Pra quem é fã do trabalho do diretor, a boa notícia é que Sully deverá agradar principalmente a quem está mais próximo do estilo do cineasta e dos elementos de seu cinema. Clint lança um olhar crítico e ácido sobre a influência da mídia americana na vida das pessoas e às irregularidades nas investigações de companhias aéreas.

Centralmente, Sully é sobre o homem comum que se depara com uma realidade completamente diferente de tudo que ele jamais pensou. Da profissão que rege com amor, surge a fama, a pressão e a inconstância. Tudo o que vemos em tela é essa desesperada luta de Sully para voltar à vida normal, à "rotina" de sempre, se livrar daquelas acusações infames e voltar para a casa, para a sua família. Voltar a ser um homem comum.

O curioso é que o "momento de fama" de Sully é retratado com bastante conformidade, sem que haja intenção de horrorizar toda a repercussão do caso e a fama nacional do piloto. Na grande parte dos planos, vemos um Sully cansado, abatido pelo acidente, ainda chocado, assustado. A exposição à pressão da mídia e as investigações atribuladas trazem ainda mais cansaço e choque a um homem que acabou de passar por uma experiência muito delicada, traumática de sua vida, e que não está conseguindo se recompor.

Aaron Eckhart, que atua ao lado de Tom Hanks como o co-piloto, está em uma atuação maravilhosa. Indignado e revoltado com toda aquela situação, o rapaz não se cansa de repetir que "as investigações não servem para nada" e que "Sully é um herói, não o culpado da história", num contexto que adere à fama popular do piloto naquela época como o cara que salvou mais de cem pessoas de um terrível acidente, e que é julgado posteriormente por fraude. A América dos justos nos dias de hoje.

A fotografia excelente de Tom Stern aposta em tons pálidos, cinzas e escuros para traduzir a seriedade e o impacto de toda a situação que cerca e amedronta Sully, a ameaça invisível de um acontecimento tão inexplicavelmente bem-sucedido e seu trágico oposto. A edição é caprichadíssima, até mesmo em algumas cenas mais discretas, como sequências de puro diálogo, há um trabalho de edição magnífico por trás delas.

Enfim, já digo que Sully é um dos melhores de 2016. A cada filme, Clint Eastwood demonstra e redemonstra a sua força por trás das câmeras ao assumir projetos decisivos e impactantes, de cunho moral elevado e potência técnica. O foco é a humanidade, o que há de mais humano em nós diante de conflitos e debates, seja com a nossa própria pessoa, com os riscos interiores ou exteriores. É mais um exemplar digno e plausível desse que cara que é um dos maiores diretores da história. Vejam!

Sully – O Herói do Rio Hudson (Sully)
dir. Clint Eastwood - ★★★★

Crítica: "DOUTOR ESTRANHO" (2016) - ★★★★


Com os ingressos caros, cinemas distantes e dinheiro de pouco, o hábito de ir ao cinema infelizmente está diminuindo e tornando-se um luxo cada vez mais restrito a produções de porte "sucesso de bilheteria". O cinema mais próximo aqui da minha casa (o único da região) oferece opções de filmes que justamente são ou de grandes estúdios ou cogitados para atingir um padrão de  bilheteria. O Cine Itaim Paulista passou por uma reforma do ano passado pra cá, ganhou poltronas novas e uma sala 3D. De quebra, os ingressos (que nem eram tão caros assim) ficaram mais caros. O legal é ir prestigiar o filme e apreciar a qualidade do cinema. 

A fila para Doutor Estranho, em pleno feriado às 4 da tarde, estava tão grande que foi parar na porta do banheiro do cinema. Eu e minha irmã pensamos que não teria lugar para sentar. Para a nossa surpresa, tinha. Aliás, acho que ninguém precisou sentar no chão (como aconteceu na sessão de X-Men: Apocalipse em maio). A Marvel continua a atrair muita gente às salas de cinema, e esse rito progredirá com o passar do tempo e o surgimento de novas histórias e personagens.

Em Doutor Estranho, Benedict Cumberbatch interpreta Dr. Stephen Strange, um cirurgião genial com "mãos de ouro" e que nunca falha durante uma operação. Certo dia, o cara sofre um acidente de carro. Suas mãos ficam irreversivelmente fraturadas e ele decide ir buscar ajuda em um refúgio espiritual em Nepal. Lá, ele conhece um lugar sagrado e místico, que o fará descobrir seus poderes sobrenaturais e espirituais, que o fará navegar pelas dimensões numa dura luta contra o mal.

Scott Derrickson, diretor de produções notórias do gênero terror – como O Exorcismo de Emily Rose, A Entidade e Livrai-nos do Mal – faz sua estreia na Marvel com uma produção que explora o que os olhos não veem. Aliás, o visual é algo excepcionalmente bem explorado em Doutor Estranho. Não à toa, a fotografia é um dos elementos mais inesquecíveis e impactantes dessa superprodução.

O elenco estelar é uma boa pedida para quem quer fugir dos "filmes de super-herói de sempre", até porque nem sei se Doutor Estranho pode ser classificado como um "filme de super-herói". Além de Cumberbatch, que está fantástico, temos Tilda Swinton, Chiwetel Ejiofor, Mads Mikkelsen (o vilão dos vilões), Rachel McAdams e Michael Stuhlbarg.

Quando o clima intenso e dramático da trama dava uma pausa, o público aproveitava para gargalhar das piadinhas e do contraponto cômico de Doutor Estranho, centrado em personagens secundários e momentos oportunos. Lembrando que esse ano já tivemos um filme de super-herói exclusivamente cômico da Marvel – Deadpool – ainda mais quando a ideia de comédia não combina muito com Doutor Estranho. No mais, foi um ótimo ano para a Marvel. Só fiquei desapontado com X-Men: Apocalipse, mas por outro lado adorei Deadpool e Doutor Estranho, dois destaques de peso da produtora. Alguns até já estão apostando em Doutor Estranho ao Oscar, hein. E seria muito merecido caso o filme ganhasse algumas indicações (essencialmente em efeitos visuais, direção de arte e maquiagem/penteados). Tecnicamente falando, Doutor Estranho é fascinante. Fotografia, trilha, sonoplastia, e até figurinos...

A conclusão chega um pouquinho atrasada. Se sua duração não fosse tão longa, acho que Doutor Estranho de certa forma seria um bocado mais digerível. Não sei se sou muito apressado pra ver filme, mas senti que a solução final demorou bastante para se concretizar. Enfim, trata-se de um dos filmes mais interessantes e importantes da Marvel. Quem gosta dos filmes da produtora não pode perder esse, que é simplesmente um espetáculo.

Doutor Estranho (Doctor Strange)
dir. Scott Derrickson - 

terça-feira, 15 de novembro de 2016

Crítica: "ONDE VAMOS INVADIR AGORA?" (2015) - ★★★


Diante da recente e controversa vitória de Donald Trump frente à presidência dos Estados Unidos, o blogueiro Ailton Monteiro, que escreve para o "Diário de um Cinéfilo" comentou em sua timeline no Facebook: "E o Michael Moore vai encontrar combustível pra fazer mais filmes de maior repercussão". A frase irônica reflete que em um provável futuro Moore, o "polêmico" documentarista político diretor de alguns dos mais impactantes e irreverentes exemplares do gênero, sendo ele considerado por muitos um dos maiores documentaristas americanos, e com razão.

O novo filme de Michael, embora esteja bem longe de ficar entre os melhores já realizados por ele, trata-se de um exemplar maturo e convincente de seu cinema autoral. Em mais uma crítica à sociedade americana e baseado em uma convicção fortemente anti-patriota, Moore faz um tour pela Europa fingindo estar "invadindo" os países para conseguir ideias que possam melhorar os Estados Unidos de nações europeias, ou como o próprio diretor diz, "roubar ideias". 

Os filmes de Michael Moore possuem uma estrutura bastante parecida, comparável, e o diretor nunca renova seu padrão de filmar e contar histórias que criticam o sonho americano e o 'american way of life', como volta a acontecer (e triunfalmente) neste ótimo Onde Vamos Invadir Agora?. E não que isso seja um defeito dos filmes dele. Muito pelo contrário. A fórmula é bastante crível e raramente falha, o que demonstra um certo domínio de Michael sobre o seu material cinematográfico. Consequentemente, o teor crítico de seus filmes resulta em um efeito catastrófico e que disseca minuciosamente os mais sórdidos defeitos da "maior nação do mundo". 

Para o público brasileiro, muitas das coisas que são abordadas e exploradas em Onde Vamos Invadir Agora? trarão uma idealização bastante distópica, digamos, dos EUA atualmente. Nessa viagem a Europa, Michael visita diversos países e recolhe deles qualidades e méritos. O interessante é como Michael fica abismado com alguns dos privilégios desses países que até em um país tão politicamente fodido como o Brasil já é uma realidade invicta, como o "décimo terceiro" (salário extra), licença-maternidade paga e universidades públicas, alguns dos nossos "luxos" que estão restritos aos americanos. 

Se por um lado há a surpresa de quem mora aqui no Brasil ao constatar esse contraste, triplica-se essa surpresa quando nos deparamos com luxos de outros países europeus ainda mais requisitados, como o sistema de educação da Finlândia (o sistema escolar foi restaurado, e hoje a Finlândia é o país nº1 em educação), o sistema carcerário da Noruega, a alimentação escolar na França. Enfim, o diretor pega vários desses itens e os pressiona contra a realidade dos EUA nos dias de hoje.

Por outro lado, há um grave problema em Onde Vamos Invadir Agora?: Moore minimiza os problemas das nações europeias (crise de imigração, xenofobia, desemprego, crise econômica) para criar um padrão do que seria a "nação ideal" visando os principais "acertos" desses países comparados aos problemas políticos e sociais dos EUA. 

Em um certo momento desse documentário, Moore visita Portugual, onde o porte de drogas é legalizado. E lá, surpreendentemente, poucas pessoas consomem drogas. Michael diz que "levará" essa lição adiante aos EUA, onde o tráfico de drogas é um problema muito mais sério do que em Portugal, o número de usuários de drogas é praticamente incomparável. Enfim, comparar EUA e Portugal no quesito problemas com drogas é algo completamente hipócrita, visto as diferenças entre essas duas nações e como seus sistemas lidam com esse ponto. Ou melhor, lidaram e continuam lidando.

Sarcasmo e a boa oratória de Michael Moore para explicar e categorizar as divergências entre as nações driblam os defeitos de Onde Vamos Invadir Agora?. Com bom humor e perspicácia, o diretor traz, mais uma vez, um desafio à moral civil americana e uma crítica repleta de ironia e senso de dualismo sempre instigante e brilhante. Moore é um cara carismático, do povão. Seus documentários socialistas trazem uma visão do que está acontecendo de ruim nos Estados Unidos, para nós aqui de fora que sempre temos na cabeça uma imagem de que os EUA é a terra dos sonhos. Na verdade, não é bem assim. E Michael Moore nunca se cansa de explorar esse emblema em seus filmes, sem medo de repetir sua clássica a infalível fórmula. 

Onde Vamos Invadir Agora? (Where To Invade Next)
dir. Michael Moore - 

domingo, 13 de novembro de 2016

Crítica: "À PROCURA DO AMOR" (2013) - ★★★★


O que mais me surpreende é como eu sou vulnerável a comédias românticas feel-good mesmo que eu não seja tão apegado assim a esse estilo de filmes caso comparado a outras pessoas. Eu simplesmente não consigo resistir. E não foi nada diferente com À Procura do Amor, que é uma perfeita representação desse subgênero que eu tanto idolatro. Em tela, os talentosos astros de TV James Gandolfini (este foi seu último trabalho) e Julia Louis-Dreyfus interpretam um casal nesta amável crônica romântica de Nicole Holofcener, diretora da comédia de humor negro Sentimento de Culpa.

Acontece que este filme não apenas me pegou de surpresa como também me fez ficar completamente apaixonado por ele. Estou apto da minha vulnerabilidade já mencionada em linhas anteriores, e o quanto me convenço fácil com histórias de amor desse nível, porém fiquei tão apaixonado por esse filme que, eu não sei, seria capaz de dizer que me alegrou de tal forma capaz de embelezar o meu dia e fazer meu coração bater mais forte. É uma história de amor simples, modestinha, mas que me atraiu muito.

A personagem de Julia Louis-Dreyfus, uma massagista chamada Eva, conhece numa festa Albert, um sujeito divorciado que trabalha em um acervo televisivo e cuja filha está prestes a deixá-lo para ir para a universidade. Eva está passando pela mesma situação com sua filha, Ellen, que vai fazer faculdade em Nova York. Inesperadamente, Eva se apaixona por Albert. Nesse panorama, Eva também faz amizade com uma poetisa (Catherine Keener), que conheceu na mesma festa que se encontrou com Albert pela primeira vez. Uma espontânea coincidência irá unir esses três personagens.

Confesso que gostei mais de À Procura do Amor do que de Sentimento de Culpa. É um filme mais leve, suave, adocicado e digerível. Holofcener é uma grande promessa como roteirista. Ela, que se restringiu mais recentemente à produções televisivas, já demonstrou nas telonas que seu talento é o roteiro. Neste quesito, À Procura do Amor é estarrecedor. O roteiro é um dos pontos fortes dessa comédia romântica inesquecível, que também conta com as duas performances de ouro de Louis-Dreyfus (indicada ao Globo de Ouro de Melhor Atriz, Filme Comédia ou Musical em 2014) e o saudoso Gandolfini (indicado ao prestigiado prêmio SAG na categoria de Ator Coadjuvante), em sua última grande e memorável interpretação.

A partir da segunda parte de À Procura do Amor, a trama fica mais acirrada com a revelação de uma estranha coincidência (vou parar por aqui pois, se eu for mais à frente, talvez eu dê corda a algum spoiler), o ponto-chave para o conflito central da trama. Daí, instala-se um impasse complicadíssimo de se resolver, quase impossível, para dizer o mínimo, de se concluir. Holofcener encontra uma solução irregular, mas que consegue contornar o problema de então dar ênfase à progressão de trama e justificar o caminho que os personagens tomam.

De certa maneira, o encerramento do filme deixa alguns pontos esclarecidos (o destino da personagem de Keener, diga-se de passagem, não é preenchido, e esse vazio pode incomodar a alguns espectadores mais detalhistas e que prezam pela observação minuciosa dos personagens e seus rumos), mas não dá pra negar que é satisfatório. O recurso da metáfora é usufruído com genialidade, e dá substância e carga à potente narrativa (o forte de Nicole Holofcener) em À Procura do Amor, uma comédia romântica de ouro. Ainda estou anestesiado de amor por esse filme maravilhoso.

À Procura do Amor (Enough Said)
dir. Nicole Holofcener - 

sexta-feira, 11 de novembro de 2016

CRISIS IN SIX SCENES, a série de Woody Allen


A então primeira série de Woody Allen é um trabalho adorável, ainda que tenha seus pontos positivos e negativos. A notícia de que o cineasta estaria filmando seu primeiro seriado, ano passado, deixou muita gente animada e com as expectativas lá em cima que, de certa maneira, foram bem correspondidas, ainda que o diretor estivesse tão inseguro quanto ao resultado da série, tendo repetido muitas vezes em entrevistas que sentia um profundo arrependimento por ter aceitado fazer a série, que na verdade é uma minissérie, para a Amazon. 

O diretor teria afirmado que não haverá uma segunda temporada. E, no mais, o resultado foi tão bom que nem precisaria de uma sequência, digamos, caso houvesse necessidade. É claro, a minissérie não é algo perfeito, mas certamente satisfará os fãs de Woody, que não trabalha com TV há mais de 50 anos, desde a época em que era comediante e escrevia piadas para programas de auditório. Não é lá muito comum a gente ver o Woody trabalhando com questões envolvendo cunho político e coisas do tipo. Já por conta disso, vale-se considerar Crisis in Six Scenes um trabalho pra lá de interessante.

Nos dois primeiros episódios, somos introduzidos aos personagens, típicos cidadãos nova-iorquinos, e aos elementos centrais da trama que a locomovem e dão impulso à situação abordada. Nos anos 60, um escritor, vive com sua mulher, uma terapeuta, em pleno cenário de atrito entre os ideais políticos da população e no ápice do socialismo, levando uma vida pacata e sem muito conflito. Com a chegada de uma hóspede inesperada, uma ativista radical procurada pelo FBI, a vida dessa família muda drasticamente e toma proporções extremas.

A minissérie é estrelada por Woody Allen e Elaine May (cujo último trabalho no cinema foi justamente em um filme do cineasta, há exatos 16 anos, em Trapaceiros), que vive o casal central da história. Sidney, vivido por Woody, aquele típico protótipo neurótico dos filmes do diretor, inicialmente recusa a vinda da garota comunista, vivida por Miley Cyrus (em uma performance excepcional, por sinal), mas não consegue contrariar a esposa, que se solidariza com sua situação e lhe dá abrigo. Constantemente, Sidney reclama da presença da garota na casa, e que ela come tudo o que vê pela frente, é subversiva e esses papos que acabam não só criando uma gênese desse personagem rabugento e reclamão, mas também lhe torna crível aos olhos do espectador e diante de toda a situação.

Aliás, a relação desses dois personagens lembra bastante a síntese entre o Woody Allen e a Tracey Ullman em Trapaceiros. Em ambos os casos, a personagem feminina é mais forte, matura e pontual do que os personagens masculinos, que sempre tentam manejar o estado das coisas e se atrapalham embasbacadamente, para o consequente humor do espectador, mas não de uma forma maniqueísta. 

A partir do terceiro episódio, há uma certa tensão entre os personagens e os truques de roteiro de Woody para prender nossa atenção e criar todo um clima favorável para a história já se evidenciam, ainda que de uma maneira menos impactante de como costuma acontecer nos filmes dele. Há quem diga que os episódios baseiam-se em soluções fracas. Não é exatamente o caso, já que a fraqueza em Crisis in Six Scenes não se concentra exatamente nessas soluções, mas sim na construção dos personagens. O diretor foca bastante em como os personagens reagem aos conflitos ao redor deles, mas há uma sensação de vagueza quanto à construção mais formal de suas identidades. 

Mesmo que a minissérie termine com um fim mais aberto, talvez como se indicasse uma continuidade que seria atribuída à segunda temporada ainda incerta, a conclusão é simples e satisfatória, sem clichês ou aborrecimentos. Crisis in Six Scenes deixa a seriedade do espírito político de lado e nos convida a celebrar uma sátira bem humorada aos hábitos da população americana e ao turbulento cenário político daquela época, com um confronto acirrado entre as massas capitalistas e socialistas explicitamente expostas no contexto da Guerra Fria. O humor ajuda a suavizar a situação problemática entre os personagens e seus contrastes idealistas com um escape cômico que ao invés de vulgarizar e zombar dos eventos ocorridos, humaniza-os. Talvez esta seja uma das qualidades mais benéficas desta produção. 

Então, a minha recomendação para quem planeja ver Crisis in Six Scenes é encarar a minissérie como pura diversão, para se ver com despretensão, e não com seriedade. É apenas entretenimento, à velha moda de Woody Allen, uma comédia escapista que não necessariamente se encaixa nos padrões televisivos, e que provavelmente teria um resultado melhor do que o que já tem caso enquadrado em um filme. Crisis in Six Scenes funcionaria brilhantemente como um longa-metragem. Enfim, já está de bom tamanho assim. É bastante gratificante ter dois trabalhos tão bons do Woody em um só ano como Café Society, um dos melhores filmes do ano, e Crisis in Six Scenes.

Crisis in Six Scenes
dir. Woody Allen - 

Crítica: "ALGUÉM TEM QUE CEDER" (2003) - ★★★★


Aquele momento em que você não consegue segurar o sorriso quando vê Diane Keaton e Jack Nicholson se beijando em Alguém tem que Ceder, essa comédia romântica amável que adocicou a minha quinta. Trata-se de um filme que vai além das expectativas. De uma forma ou de outra, ele acaba surpreendendo o espectador e nos brindando com uma história de amor bonita, sofisticada e inesperadamente emocionante. Excelente. Exuberante. Inesquecível. 

Erica é uma dramaturga de sucesso cuja filha, a jovem Marin, é namorada de um proprietário de uma produtora musical de rap, Harry, que tem preferência em namorar mulheres mais jovens, que nunca passam dos 30 anos. Harry e Marin vão para a casa de praia de Erica, sem saber que ela também está indo para lá. Eles tem um encontro repentino, mas todos decidem ficar para aproveitar a ocasião. Numa noite após jantar, Harry sofre um ataque cardíaco e é levado às pressas ao hospital, onde passa alguns dias. Retornando à casa de praia, ele fica sob os cuidados de Erica. Eles não se dão muito bem, mas passam a se conhecer melhor com o tempo. Em um certo ponto, eles revelam estar apaixonados um pelo outro.

Ai, eu nem sei dizer o quanto esse filme mexeu comigo. Aliás, eu também não consigo definir aquilo que mais me tocou aqui, seja nas performances maravilhosas de Diane Keaton (indicada ao Oscar em 2004) e Jack Nicholson e seus respectivos personagens estupendamente construídos, a história com appeal romântico, as cenas sempre cheias de vida e beleza, os diálogos fascinantes. Puxa... Alguém tem que Ceder é inegavelmente delicioso de se assistir. 

Aconteceu algo bastante parecido, ainda que o impacto emocional não tenha sido da mesma forma que aqui, em O Amor Não Tira Férias, que eu vi recentemente, também dirigido/escrito pela Nancy Meyers. Embora muitos clamem que seus trabalhos são pobres de estrutura cinematográfica e acusados de irregulares, há um ponto positivo bastante considerável quanto a esses filmes: o modo como eles nos afetam emocionalmente, seja para nos fazer sentir bem com nós mesmos, ou refletir sobre como o amor transforma a nossa vida de uma tal maneira que só a identificação do público com esses trabalhos românticos explica.

Nancy explora de forma convencional e criativa os conflitos da idade e os contrastes entre os personagens e as relações amorosas que se instalam, e como esses relacionamentos dizem muito a respeito de suas personalidades e seus sentimentos fragmentados, e fazem com que o espectador se solidarize com cada um deles e encontre, de certa forma, identificação. O filme termina de maneira bastante satisfatória pra quem torce para o amor entre Erica e Harry, mas de certa forma há uma sensação de que o destino do personagem de Keanu Reeves, o médico que cuida de Harry, fica um pouco incompleto, injustamente vago. Ademais, o roteiro de Nancy Meyers é excepcionalmente bem escrito. Ela é, além de uma diretora formidável, uma roteirista impecável. E, muito provavelmente, Alguém tem que Ceder é seu melhor filme.

Alguém tem que Ceder (Something's Gotta Give)
dir. Nancy Meyers - 

quarta-feira, 9 de novembro de 2016

Adeus, RAOUL COTARD (1924 - 2016)


Adeus, Raoul. Obrigado por Acossado. Por Jules e Jim. Por O Demônio das Onze Horas. Por O Desprezo. Por Viver a Vida. Enfim, por todos os visuais desses clássicos da Nouvelle Vague que nunca irão sair da minha cabeça. Imagens impressionantes, ângulos inovativos, um visual detalhado e único, incomparável. Obrigado, Raoul. Simplesmente obrigado. Vá em paz. 

terça-feira, 8 de novembro de 2016

Crítica: "A MULHER É O FUTURO DO HOMEM" (2004) - ★★★★


Uma das minhas maiores descobertas cinematográficas esse ano foi o cineasta coreano Hong Sang-soo. Ainda em maio, tive a oportunidade de conferir Certo Agora, Errado Antes, filme que certamente estará na minha lista de melhores de 2016 em dezembro. Bem, desde então eu estive imerso em uma onda de encanto e atração por esse diretor com um estilo tão próprio e interessante, às vezes bastante enigmático.

A Mulher é o Futuro do Homem é um filme pontual, não definitivamente divertido ou cômico, mas que encontra um equilíbrio entre seus dramas. É sobre um triângulo amoroso sob diferentes ângulos e pontos de vista. Falas se repetem, cenas parecidíssimas se contrastam, papéis se invertem. Não fique confuso caso achar que uma certa sequência ou fala é familiar. Quem conhece Sang-soo sabe que a repetição é uma fórmula recorrente em seus filmes, seja para desmistificar o clichê ou simplesmente dar um nó na cabeça do espectador. Não pense que só porque seus filmes tem uma estética simplista que suas histórias também saíram assim prontas. E é essa uma das razões porque seu cinema é tão preciso e importante. A manipulação estética e as sobressaídas do roteiro.

A Mulher é o Futuro do Homem não segue uma ordem cronológica. É um quebra-cabeça. Um professor de artes e um cineasta se reencontram e se recordam de um antigo amor, uma moça por quem eles dois eram apaixonados no passado. O filme parte dessa premissa. O interessante é que este é o primeiro filme de Hong Sang-soo com uma cena de sexo que eu vejo. Até agora, nenhum de seus filmes tinham cenas de sexo explícitas. Que eu me lembre, só A Visitante Francesa, mas nem era uma cena de sexo, só mostrava os dois personagens na cama, ou melhor, numa barraca, então nem sei se posso considerar.

Aliás, o filme discute bastante sobre questões relacionadas ao sexo, falando tanto do ato quanto da mulher e do homem em si, como o título pode definir. Os homens sempre acham que estão no controle da relação e que "mandam" em suas mulheres no campo sexual, mas quando o inverso acontece, o homem se rebela e quer destruir a relação com todas as suas forças. Mais uma vez, Hong Sang-soo faz um filme inteligente e textualmente complexo e vibrante focado na natureza trôpega das tumultuadas relações humanas. Super recomendo.

A Mulher é o Futuro do Homem (Yeojaneun namjaui miraeda)
dir. Hong Sang-soo - 

domingo, 6 de novembro de 2016

Crítica: "TERAPIA DE RISCO" (2013) - ★★★


Steven Soderbergh ameaçou ser este seu último filme como diretor. Bem, sei lá porque ele foi falar isso, mas não é verdade, visto que seu próximo filme, Logan Lucky já está em fase de pós-produção. O fato é que eu fiquei um pouco desapontado com Terapia de Risco. Esperava mais desse suspense sobre uma mulher deprimida que começa a tomar pílulas que só pioram sua saúde mental. Ao todo, não é um filme ruim. Uma trama instigante e que cria um clima que conspira a seu favor. O resultado peca justamente na satisfação. Seria pedir demais por um final mais bem feito? De uma forma ou de outra, é um exemplar de filme que desperdiça com a maior cara de pau a chance de ser um thriller repleto de reviravoltas fascinantes e um jogo de personagens e situações loucamente tenebrosas, ironicamente o exato contrário do que realmente acontece em Terapia de Risco, cuja resolução irregular está remotamente distante de tais expectativas, infelizmente.

Rooney Mara interpreta uma mulher cujo marido (Channing Tatum) acaba de sair da prisão. Inesperadamente, somos surpreendidos quando ela revela sofrer de depressão, algo que não está muito claro nos momentos iniciais do longa (uma pista extremamente importante sobre o desenrolar da trama confusa). Ela então conhece um psiquiatra (Jude Law) que a receita medicamentos hiper fortes e com uma série de efeitos colaterais. Nada melhora, e isso acaba afetando não só a ela mas também às pessoas ao seu redor. Seu marido é a primeira vítima de sua psicopatia, ou melhor: dos efeitos colaterais dos remédios que ela está tomando. 

A trama é bem construída, de fato. A reviravolta traz uma resolução curiosa. Mas há um vazio em Terapia de Risco. O filme termina, e esse vazio continua bem ali, a ser preenchido. Um filme tão rico em possibilidades desperdiçar a grande chance de ser um estouro é uma decepção do cacete. Estamos falando de Steven Soderbergh, um cara adorado e odiado por muitos com uma filmografia repleta de pérolas (e também de alguns títulos podres). Ele trazer um filme tão mediano assim, e dizer (mesmo que falsamente, gente) que é seu último poderia ser não apenas desmerecedor mas também um sinal de ingratidão. Mas como foi tudo desmascarado, olhemos para o outro lado.

A performance de Rooney Mara é excelente. Sua personagem ambivalente também merece menção. A cada filme que eu assisto estrelado por ela, mais me encanto com seu talento radiante e insuperável, e concretiza-se a certeza de que ela é uma das maiores intérpretes dessa geração. Sua atuação neste suspense bagunçado e multifacetado é o que o faz valer a pena, por isso devo dizer que esse desempenho é um presentão. Catherine Zeta-Jones, que anda meio sumida das telas, está ótima em todas as cenas que aparece, em especial uma de destaque. Jude Law interpreta aquele mesmo personagem certinho de sempre. Um ator tão bom se meter em personagens tão parecidos esteticamente é quase um crime. Por isso nem ouso dizer que me alegrei com sua atuação, por mais esforçada e eclética que seja. 

Terapia de Risco (Side Effects)
dir. Steven Soderbergh - 

sábado, 5 de novembro de 2016

Crítica: "TRÊS" (2016) - ★★★★


Meu primeiro filme de Johnnie To. É como dizem, a primeira vez a gente nunca esquece. Um filme brilhante, talvez decepcione um pouco em certos quesitos, mas inegavelmente é um trabalho precioso de Johnnie e que merece ser destacado e lembrado. O título é chamativo o suficiente para causar curiosidade no espectador sobre o que está em pauta em torno do número três, que na verdade é uma analogia referente aos três personagens centrais da trama: uma médica, um policial e um paciente que também é um criminoso.

Aliás, o constante conflito entre os personagens é algo bastante importante para o andamento da história e o desenvolvimento da trama que se firma. Não necessariamente complicado, já que opta por uma sequência cronológica mais compreensível, óbvia para o espectador em torno desses personagens intrigantes (seja ou não por natureza) e seus destinos dentro de um clímax que mistura ação e suspense com precisão e autenticidade. 

Quase ninguém está falando sobre o filme, o que é uma baita injustiça, já que Três é simplesmente imperdível em todos os sentidos. Até para quem não tem um contato mais próximo com o estilo filmográfico de Johnnie To essa oportunidade foi inegavelmente necessária. Neste filme baita intrigante, temos um criminoso que é atingido por uma bala e que está envolvido em um crime meticuloso e sofre pressão dos policiais para que dedure seus comparsas. Numa ligação, ele pede para que seu capataz mate o policial que o acertou na cabeça, colega do outro policial que está tomando conta desse criminoso no hospital. 

Enquanto isso, uma médica conclui duas cirurgias mal-sucedidas, é humilhada por ser irresponsável e por ter praticamente assassinado acidentalmente os dois pacientes operados, e que acaba se envolvendo na trama do policial e do criminoso após permitir que este ligue para seu comparsa e efetue um pedido fatal. 

Graças ao roteiro rico em detalhes e às atuações convincentes de um elenco magistral, Três rapidamente se transforma num filme essencial para quem gosta de encarar tramas que despontam para diversas perspectivas e possibilidades. A fotografia, que contrasta com o cenário branco do hospital, é imprescindível. Não dá pra negar que é um filme super importante, por estas e outras mais razões, e que precisa ser assistido. Duas cenas do filme me impactaram bastante: aquela sequência musical da câmera lenta e a da explosão. 

Três (San ren xing)
dir. Johnnie To - 

Crítica: "AQUARIUS" (2016) - ★★★★★


Eu sei que o ano ainda não acabou (faltam exatos 56 dias para que isso aconteça) mas eu tenho certeza que não verei nada igual a Aquarius, forte candidato a filme do ano, empatado juntinho com Elle, de Verhoeven, ambos os filmes tendo estreado com o pique todo em Cannes em maio desse ano, e com duas protagonistas ferozmente dedicadas às suas personagens complexas e intrigantes. Sônia Braga e Kleber Mendonça Filho me fazem ter um imenso orgulho do cinema nacional, de ser brasileiro. Estou feliz porque, acima de tudo, o cinema do nosso país está vivíssimo e Aquarius é a mais perfeita prova disso. 

Há um ano, eu assisti O Som ao Redor pela primeira vez. Foi uma grande experiência. Inacreditável como Kleber Mendonça Filho, outrora curtametragista aclamado, obteve tanto sucesso em seu filme de estreia, que por sinal é uma obra-prima marcante do cinema brasileiro. Cá estou eu, um ano depois, vendo Aquarius. E adorando cada momento desse filmaço que me conquistou de repente, sem avisar. Acontece nos melhores filmes.

Clara é uma mulher que persiste e não se cansa de defender a causa que abraça. Ela mora na praia de Boa Viagem, no Recife, Pernambuco. Leva uma vida pacata. Jornalista e crítica de música aposentada, ela gosta de sair para o forró com as amigas, beber, falar sobre a vida, paquerar e namorar também. Viúva e mãe de três filhos, ela mora no edifício Aquarius, uma propriedade que vira alvo de uma construtura, Bonfim, que pretende demolir o prédio para construir em seu lugar um condomínio de luxo. Clara fica irada. Quanto mais o pessoal pressiona, mais ela resiste, mais ela ignora, mais ela batalha por aquilo que é seu por direito. 

Ávida colecionadora de discos, de Queen a Roberto Carlos, Clara é uma apaixonada incansável pela música. Passa seus dias escutando LPs e se deliciando com as melodias, as letras, os ritmos, os toques, as batidas. A música é a sua fortaleza (uma coisa que é claramente explicitada naquela cena da orgia, quando o pessoal põe som alto e ela revida botando no último volume "Fat Bottomed Girl"). 

Clara é a mais pura representação da mulher moderna. Seu espírito de resistência é o foco central do filme. A forma como ela lida com a situação chata que a persegue, daquele cara pedante interpretado pelo Humberto Carrão que só quer saber de tomar o apartamento dela e demolir o Aquarius, é no mínimo plausível. 

Aquarius adentra um terreno contextualizado mais aprofundado. O filme fica bastante próximo de uma crítica política sobre o caos que o Brasil está enfrentando nos tempos atuais. A personagem de Clara é a representação da resistência contra a opressão e, de maneira um pouco menos explícita, a repressão ainda existente no nosso cenário político.

O filme é recheado de momentos inesquecíveis e sequências extraordinárias, que exploram tanto o talento e a graça de Sônia Braga na pele de Clara quanto a firmeza da direção magistral de Kleber Mendonça Filho. Quem já conhece KMF de outros filmes vai reconhecer em Aquarius algumas obsessões do cineasta reconhecíveis em outros projetos, como os zooms, a movimentação da câmera (que fazem referência ao antigo estilo de se filmar).

Se em O Som ao Redor o diretor explorava as amarguras de um espaço urbano e o contraste entre as classes sociais, em Aquarius essa relação é abordada de maneira remotamente diferente, ainda que um pouco menos crítica e ressaltada. Clara, inclusive, é bastante apegada à sua empregada, enquanto guarda rancor de uma figura do passado que trabalhou para ela como babá e que supostamente teria roubado suas joias (e que aparece numa cena de sonho mais tarde).

A performance de Sônia Braga é provavelmente a melhor do ano ao lado da de Isabelle Huppert em Elle, e certamente a melhor atuação de toda a carreira da atriz, que esteve afastada das telonas por um bom tempo, e agora marca um retorno triunfal como Clara, a personagem de sua vida. A atriz entrega um desempenho honesto, rico, intenso, belamente desnorteante. Braga está maravilhosa. Todos deveriam assistir a essa performance inesquecível.

O desfecho do último dos três atos é uma parte importantíssima para a resolução do caso de Clara. Aquela cena dos cupins é excelente. Como era de se esperar, o suspense é arquitetado com astúcia e funciona com perfeição. Sinto que em O Som ao Redor, justamente pelo trabalho de som espetacular, a sensação de tensão e suspense era bem mais elevada, mas vale mencionar que, diante de uma trama tão repleta de possibilidades, o uso temporário do suspense para causar mistério e ao mesmo tempo amedrontar é genial. 

Provocador, tenso, delicado, inteligente, singular, sensível, profundo. Aquarius é um filme soberbo. Simplesmente soberbo. Uma obra de arte tão irresistível e intrigante, envolta em uma complexidade calorosa, uma meditação estrondosa sobre o tempo, uma ode extasiante à nostalgia. Mendonça Filho ostenta competência cinematográfica e faz de sua história sobre uma mulher dos tempos atuais afetada pelo grito de mudança uma metáfora excelente sobre o status político e social do Brasil atualmente. Sem falar que Aquarius, além de tudo isso (e mais, é lógico) trata-se de um filme prazerosíssimo de se assistir e excepcionalmente fotografado. Aquarius é dilacerante, potente, um filme vivo e humano. Obrigado, Kleber. Obrigado, Sônia. Saibam que eu amo vocês. Aquarius é lindo, lindo, lindo demais. 

Aquarius
dir. Kleber Mendonça Filho - 

Crítica: "A ACADEMIA DAS MUSAS" (2015) - ★★★★★


Esse eu vi já faz algum tempo. Me tocou profundamente. Só chegou ao Brasil esse ano e quem perdeu no cinema perdeu muita coisa. Provavelmente a experiência de ver um filmão desses na telona deve ser incrivelmente espetacular. Uma aula de filologia com José Luis Guerin. O cara é um gênio. A Academia das Musas é uma obra-prima magistral, inesquecivelmente bonita e sagaz. Um filme que vem para ficar. 

Crítica: "ONE DREAM RUSH" (2010) - ★★★


Gosto da ideia de reunir vários diretores e cada um deles propositados a realizar um curta com menos de 42 segundos sobre ou sendo um sonho. Talvez a ideia aqui tenha sido explorada com um certo distanciamento, até por conta da duração, que é bastante limitativa. Mas eu não posso negar que achei interessante alguns segmentos. E tem muita gente envolvida, aliás. One Dream Rush é aquele tipo de filme sem explicação. Não há teoria, não há nada. É um filme completamente surrealista, com várias sequências oníricas inexplicavelmente sem sentido, e que devem ser aceitas e vistas dessa forma, independente de compreensão, o que talvez vá irritar alguns espectadores que anseiam por algo que faça sentido.

Muitos dos "sonhos" envolvem cadáveres, cores, músicas ao contrário, gente gritando e correndo, coisas bem oníricas mesmo. Curioso é que muitos diretores optaram por um formato de câmera menos convencional, do tipo caseira, para dar um aspecto mais homemade ao trabalho feito, um recurso excelente, já que muitos dos fragmentos de terror foram filmados neste formato mais vanguardista, o que é excepcional. 

Ao todo, são 42 diretores envolvidos, entre eles David Lynch, Asia Argento, Abel Ferrara, Leos Carax, Gaspar Noé, Mike Figgis, Carlos Reygadas, Larry Clark, Harmony Korine, Lou Ye, entre outros, todos eles reunidos neste projeto mega interessante e indubitavelmente provocador e, às vezes, assustador. Há quem não goste, mas eu simplesmente não consigo resistir a esses projetos independentes que se empenham em nos intimidar usando a "lógica" onírica. Delicioso.

One Dream Rush
dir. vários

Crítica: "DIREITO DE AMAR" (2009) - ★★★


O primeiro filme do figurinista de renome Tom Ford é um trabalho muito bonito de se ver, que até um certo ponto consegue se sustentar, mas que amarga quando se aproxima do final. A verdade é que é um filme excelentemente bem fotografado e esta é a única razão pela qual deve-se vê-lo. É claro, temos a performance exuberante de Colin Firth, mas que perde um pouco da graça que ostenta nas cenas iniciais com um desfecho preguiçoso.

Claramente, há momentos extremamente bonitos e interessantes de se acompanhar. Direito de Amar não chega a ser um filme maçante por conta dos belos cenários, das cenas saturadas, dos figurinos de época, das cores sempre vívidas e da estilosa mise-en-scene de Tom Ford. Por mais que seja desleixado, é um trabalho cuidadoso, estiloso, revolto em uma camada de seda tão fina e macia que a gente sente do outro lado. É prazerosamente tenro assistir a um filme tão delicado assim e que apresenta um personagem tão enigmático. Sensibilidade e estilo definem Direito de Amar.

A estética plástica se aproxima de um retrato modernizado dos anos 50 e que também expressa as características e a personalidade de George, interpretado excepcionalmente por Colin Firth. Outra performance de destaque é a de Julianne Moore, como a ex-mulher desvairada do personagem. Aquela cena da dança é bastante curiosa justamente por conta da presença dela, que é uma atriz maravilhosa e talentosíssima, e aqui, por mais que sua participação seja pequena, deixa sua marca.

Enfim, mesmo que seja um tanto decepcionante quanto à estrutura irregular e a duração cansativa, Direito de Amar faz-se importante pela caracterização da homossexualidade de um homem e sua vida "pacata" entre amores, desilusões e desejos, e sua relação consigo mesmo e com o mundo ao redor. Firth está ótimo, só pra finalizar. Não percam essa pérola.

Direito de Amar (A Single Man)
dir. Tom Ford - 

Crítica: "CASA DE AREIA E NÉVOA" (2003) - ★★★★


É interessante notar como alguns filmes simplesmente nos convencem por situações que englobam complexidade e atrição fervorosa entre os personagens, como bem acontece em Casa de Areia e Névoa. Este foi o primeiro filme do cineasta/roteirista ucraniano Vadim Perelman, que alguns anos depois dirigiu Sem Medo de Morrer e desde então nunca mais trabalhou em nenhuma produção americana, curioso para um cara que dirigiu um longa aclamadíssimo e que recebeu inúmeros prêmios e indicações (incluindo três justíssimas ao Oscar em 2004, nas categorias de Ator, Atriz Coadjuvante e Trilha Sonora) sumir assim do nada, praticamente.

O livro "House of Sand and Fog", que deu origem a este filme, foi disputado por diversos estúdios, até finalmente ser produzido pela Dream Works. A questão do conflito entre americanos e imigrantes do Oriente Médio, principalmente os muçulmanos, foi bastante abordada no cinema americano após o 11 de setembro, e provavelmente Casa de Areia e Névoa seja o exemplar mais completo e firme sobre essa relação tão atribulada. Didaticamente, é um filme sobre o contraste de perspectivas e visões num mundo onde a moral é controlada pela lei e a vingança é a única fonte de se obter a verdadeira justiça. 

Neste poderoso e multifacetado drama sobre questões étnicas, Jennifer Connelly interpreta uma empregada doméstica que, devido a certos problemas com o departamento imobiliário, foi tomada pelo governo para pagar dívidas acumuladas durante os anos. Morando num motel, ela decide procurar uma advogada para conseguir sua morada de volta, até que ela se torna propriedade de um imigrante muçulmano, interpretado por Ben Kingsley, que compra ela e decide morar lá com sua família. 

Não demora muito e a personagem de Jennifer se revolta contra os atos do homem e passa a se intrometer na vida da família do homem. Esse contraste cria uma divisão bastante mútua e anti-maniqueísta, enquanto divide quem assiste à situação. Rispidamente, o filme passa de drama moral para suspense megalomaníaco e se aprofunda de tal maneira que até para explicar fica difícil.

A sempre presente trilha sonora excepcional de James Horner consegue tonalizar a acidez da trama e ao mesmo tempo confere sustância ao suspense que se instala na segunda parte do filme, quando as coisas começam a ficar mais sérias e a tendência trágica se eleva. O desfecho é rico e perfeitamente representativo em muitos sentidos, seja para evidenciar que a justiça fragmentada na terra dos sonhos, ou as irregularidades no sistema imobiliário que causam tanta dor de cabeça aos americanos, e em certos casos, como acontece em Casa de Areia e Névoa, custam vidas.

O que realmente está em pauta aqui é a capacidade do ser humano de dominar e ao mesmo tempo ser dominado. Estamos cegamente suscetíveis ao controle alheio por vivermos dentro de uma sociedade manipuladora e opressora cuja lei determina o que é certo e o que é errado sem, de fato, ligar para os conceitos morais que, na verdade, deveriam ser adotados para se fazer justiça. 

O mundo é um lugar frio e cruel. As pessoas estão se matando por questões meramente banais. Os personagens de Casa de Areia e Névoa vivem num conflito inacabável centrado na diferença de opiniões, uma questão excepcionalmente abrangente para a grande parte dos conflitos dos tempos modernos. 

Casa de Areia e Névoa (House of Sand and Fog)
dir. Vadim Perelman - 

sexta-feira, 4 de novembro de 2016

Crítica: "FESTA DA SALSICHA" (2016) - ★★★


Festa da Salsicha é um caso à parte. Trata-se de um filme único, no sentido de ser até, em determinados momentos, revolucionário e inovador dentro de um gênero tão padronizado como a animação, algo exclusivamente notório em outras produções mais parecidas, como os polêmicos South Park: Maior, Melhor e Sem Cortes e Team America: Detonando o Mundo, ambos os filmes dirigidos por Trey Parker e Matt Stone, criadores da série South Park, outro exemplo nato de animação adulta dos tempos atuais. 

O mais curioso dessas animações adultas é que, de uma forma ou de outra, elas sempre acabam nos escandalizando e chocando mesmo que seja por adereços tão banais e até comunais na vida real, como o uso excessivo de palavrões, seja em momentos de fúria ou de extrema alegria, o que demonstra que quase cegamente nós ainda estamos presos àquele velho estilo de animação, dirigido para o público infantil, filmes inocentes e despretensiosos. Automaticamente, nós estamos "acostumados" a essa fórmula repetitiva dentro do gênero, mesmo que isso não seja algo negativo, mas indica que o mesmo precisa urgentemente ser restaurado, pois não há nenhum equilíbrio. Por isso, esse desenho adulto engraçadíssimo vai deixar muita gente chocada e, provavelmente, nervosa.

Atualmente, as animações direcionadas para o público juvenil, por exemplo, vem crescendo como uma tendência, mas ainda tem muita gente que diz que "desenho é só para crianças", e cria limites para um gênero tão vasto e repleto de possibilidades. Festa da Salsicha, mesmo que seja um filme abarrotado de defeitos, não deixa de ser importante justamente por conta desse quesito. O filme envolve temáticas completamente adultas. Dá pra se dizer que é até proibido para crianças. Porém, eu creio que o público juvenil se encaixa na faixa do filme. Não é a melhor opção para esse tipo de espectador, mas é provável que vá render muitas gargalhadas em quem se submeter a vê-lo.

A premissa, sobretudo, é fascinante. Em um supermercado, alimentos falantes aguardam ansiosamente pelo momento em que serão comprados pelos "deuses" (nós, os humanos), sem saberem que na verdade o "grande além", quando eles saem do mercado, que eles tanto desejam é na verdade o fim de tudo, quando nós os consumimos. 

No fundo, é um filme feito para se "levar na esportiva". Propositalmente, há ofensa de tudo quanto é lado, na intenção de não apenas chocar o público mas também de trazer uma perspectiva mais ampla do mundo em que vivemos, das conspirações e das mentiras que nos contam. Nos primeiros minutos, tudo corre bem, até que o filme queima seu filme quando ataca as religiões e as crenças, estabelecendo uma moral ateísta extremamente duvidosa, partindo para um lado mais sério, que quebra os limites do que então seria apenas uma brincadeira, e termina beirando o desrespeito moral e étnico, no cúmulo da imaturidade. Ainda sim, há acertos: o filme trabalha bem temáticas difíceis como diferenças raciais nos tempos modernos, influência religiosa, imposição social, manipulação e opressão.

No entanto, não há quem duvide de que é um dos filmes mais engraçados do ano. Provocativo e one-of-a-kind, trata-se de uma oportunidade rara de gargalhar até dizer chega (ou não) com o melhor desenho adulto dos últimos anos. Sacanagem à flor da pele, aqui não tem nenhum pudor mesmo. O roteiro é maravilhoso, cheio de sacadas geniais e referências precisas. Um exercício de liberdade de expressão tão genuíno e honesto que certamente merece destaque dentre os filmes de 2016. Aquela sequência da orgia das comidas é a melhor do filme inteiro. 

Festa da Salsicha (Sausage Party)
dir. Greg Tiernan, Conrad Vernon - 

Crítica: "O BOM GIGANTE AMIGO" (2016) - ★★★


Se não fosse pelo nome de Steven Spielberg no crédito de diretor deste projeto, eu provavelmente nem teria visto ele, pra começo de história. E não que se trate de um filme ruim. Digamos que fábulas infantilizadas sobre a relação de humanos e gigantes não abrem o meu apetite. Entretanto, por mais entediante que seja, O Bom Gigante Amigo tem seu charme. Só creio que esteja muito aquém da capacidade cinematográfica de Spielberg. É um filme para crianças. O que não necessariamente indica que os adultos, ou até mesmo jovens, não irão gostar. 

Em um orfanato em Londres, uma garotinha que sofre de insônia, eventual narradora da introdução e do fechamento do filme, é raptada por um homem gigante e levada até a Terra dos Gigantes, onde passa a conviver com ele e aprender mais sobre sua vida e seus hábitos. Diferente de outros gigantes de sua raça, o "bom gigante amigo" não devora crianças. Frequentemente, estes fazem visitas seja para conseguir alguma comida ou "apenas" para irritar o gigante gentil.

O conto moral de Spielberg sobre o valor da amizade e da gentileza funcionaria melhor se não fosse tão enfadonho em sua conclusão fraca, e provavelmente dependa mais da boa vontade do espectador para gostar dele. Ser convincente também não é o forte de O Bom Gigante Amigo. Seria o filme que é artificial demais ao ponto de soar como uma estratégia forçada de chamar a atenção ou só eu que fiquei muito aborrecido com seu desfecho cansativo e insolente?

Por incrível que pareça, a parte final do filme é a mais interessante, quando o gigante e a menina fazem uma visita à rainha da Inglaterra numa tentativa de conseguir derrotar os gigantes malvados (maniqueísmo total). Os esforços da fotografia excelente de Janusz Kaminski, repleta de cores encantadoras e luzes penetrantes, são em vão, visto que, neste caso, só reforça a sensação de persuasão narrativa.

No fim das contas, é um filme que vale pela diversão. Muito legal ver o Spielberg voltando às suas raízes, ao universo infantil da magia e da inocência, com pureza e leveza. Não por acaso a roteirista do filme, Melissa Mathison, é a mesma de ET. A diversão aqui neste filme é um prato cheio. A aprovação da criançada é certeira.

O Bom Gigante Amigo (The BFG)
dir. Steven Spielberg -