domingo, 31 de dezembro de 2017

Os Melhores Filmes de 2017



30. A Tartaruga Vermelha, de Michael Dudok de Wit


29. Aliados, de Robert Zemeckis


28. Melhores Amigos, de Ira Sachs


27. O Filho de Joseph, de Eugène Green


26. A Criada, de Park Chan-Wook


25. Eu, Daniel Blake, de Ken Loach



24. Doentes de Amor, de Michael Showalter



23. O Outro Lado da Esperança, de Aki Kaurismäki


22. John From, de João Nicolau


21. Na Vertical, de Alain Guiraudie



20. La La Land – Cantando Estações, de Damien Chazelle



19. Eu Não Sou Seu Negro, de Raoul Peck


18. Além das Palavras, de Terence Davies


17. Moonlight – Sob a Luz do Luar, de Barry Jenkins


16. Z: A Cidade Perdida, de James Gray


15. Logan, de James Mangold


14. Jackie, de Pablo Larraín


13. Fragmentado, de M. Night Shyamalan


12. John Wick 2 – Um Novo Dia para Matar, de Chad Stahelski


11. A Mulher que se Foi, de Lav Diaz


10. Silêncio, de Martin Scorsese


9. O Ornitólogo, de João Pedro Rodrigues


8. Bom Comportamento, de Benny & Josh Safdie


7. Corra!, de Jordan Peele


6. Personal Shopper, de Olivier Assayas


5. Martírio, de Vincent Carelli, Ernesto de Carvalho & Tita


4. Paterson, de Jim Jarmusch


3. Manchester à Beira-Mar, de Kenneth Lonergan


2. Na Praia à Noite Sozinha, de Hong Sang-Soo


1. Toni Erdmann, de Maren Ade

HORS CONCOURS


Twin Peaks – O Retorno, de David Lynch

MENÇÕES HONROSAS

O Apartamento, de Asghar Farhadi
Um Limite Entre Nós, de Denzel Washington
A Qualquer Custo, de David Mackenzie
Detroit em Rebelião, de Kathryn Bigelow
Columbus, de Kogonada
Em Ritmo de Fuga, de Edgar Wright
Lady Macbeth, de William Oldroyd
O Dia Mais Feliz da Vida de Olli Maki, de Juho Kuosmanen
Apesar da Noite, de Philippe Grandrieux
A Morte de Luís XIV, de Albert Serra
Era o Hotel Cambridge, de Elaine Caffé
Perdidos em Paris, de Fiona Gordon & Dominique Abel
Frantz, de François Ozon
As Falsas Confidências, de Luc Bondy

TOP 10 – STREAMING/VOD


10. Os Meyerowitz: Família Não se Escolhe, de Noah Baumbach


9. Frankenstein, de Bernard Rose


8. Regras Não se Aplicam, de Warren Beatty


7. Marjorie Prime, de Michael Almereyda


6. Quase 18, de Kelly Fremon Craig


5. Três, de Johnnie To


4. Okja, de Bong Joon-Ho


3. Loving, de Jeff Nichols


2. Nocturama, de Bertrand Bonello


1. Certas Mulheres, de Kelly Reichardt

MENÇÕES HONROSAS

Menashe, de Joshua Z. Weinstein
Weiner, de Josh Kriegman & Elyse Steinberg
Rainha do Mundo, de Alex Ross Perry
A Longa Caminhada de Billy Lynn, de Ang Lee
Krisha, de Trey Edward Shults
Kumiko, a Caçadora de Tesouros, de David Zellner

TOP 10 – FORA DO CIRCUITO

bônus: Não Me Fale Sobre Recomeços, de Arthur Tuoto


10. À Sombra de Duas Mulheres, de Philippe Garrel


9. Love & Peace, de Sion Sono


8. Você e os Seus, de Hong Sang-Soo


7. Cavalo Dinheiro, de Pedro Costa


6. Office, de Johnnie To


5. The Love Witch, de Anna Biller


4. Não é Meu Tipo, de Lucas Belvaux


3. A Canção do Pôr-do-Sol, de Terence Davies


2. National Gallery, de Frederick Wiseman


1. A Bride for Rip Van Winkle, de Shunji Iwai

IMPRESSÕES

Bem, vamos aos filmes. Que ano cinematográfico tivemos, hein? Um belíssimo ano para o cinema. E temos mais é que nos sentir privilegiados de estarmos vivendo numa época tão inspirada para essa arte, num ano em que tivemos várias discussões atribuladas, e trabalhos tão desafiadores quanto originais que sempre nos fazem lembrar o quanto o cinema é gigante. Vai ser um ano lembrado com muito carinho pela minha pessoa nesse quesito, dos filmes que eu vi e do quanto eles me tocaram. 

Na minha lista tradicional de melhores esse ano, tem algumas novas mudanças, e pra quem já acompanha o blog acho que isso ficou claro acima. Pela primeira vez, decidi incluir filmes que estrearam nas telinhas via streaming/video on demand num top 10 bastante especial e também uma outra lista que contempla filmes "fora do circuito", cujo critério é trabalhos inéditos realizados ou exibidos pela primeira vez de 2014 a 2016 que não passaram nem nos cinemas tampouco nas telinhas, que tiveram que ser conferidos em meios alternativos. Essa última lista, um pouco mais radicalizada, é devida à lembrança de bons trabalhos recentes que eu tive a chance de conferir em 2017. 

Toni Erdmann encabeçou o meu ranking. Do fundo do meu coração, é um filme que eu jamais esquecerei. E deve ter sido o qual eu mais pensei sobre esse ano, pra falar a verdade. É uma linda história de amor entre um pai e uma filha se reaproximando, uma comédia dramática tão humana, deliciosa, encantadora, que eu sequer ousei escrever sobre, de tão especial que ele foi pra mim. Valoriza tanto os sentimentos que provoca, tem um trabalho tão fantástico com seus atores principais (Sandra Hüller, a filha; e Peter Simonischek, o pai). São quase três horas de puro e genuíno cinema. Nenhum outro trabalho superou este, de um brilhantismo absoluto e radiante. Me deixou apaixonado. 

Como eu disse, foi um ano de muitos filmes memoráveis e grandiosos. Na Praia à Noite Sozinha, do sul-coreano Hong Sang-Soo (que vem se tornando um dos principais nomes do cinema contemporâneo, aos poucos, com seus filmes complexos, sutis, agridoces e arrebatadores), traz uma brutal carga autobiográfica no relato pesado e denso de uma atriz atravessando as consequências de sua relação com um cineasta e as feridas que o amor deixou. Bonito, intenso e repleto de planos inesquecíveis. Do ano de 2017 em si, é o melhor lançamento. Manchester à Beira-Mar, outro filme triste e intenso, conta a fatídica trajetória de um homem lidando com suas tragédias pessoais e o peso do passado num evento do presente. Belo e amargo, o melhor filme americano do ano. 

O poético e romântico Paterson me deixou em estado de graça, fiquei arrebatado com a precisão e a minuciosidade da narrativa de Jarmusch, lembrando mais uma vez o cinema de Ozu com seu carinho pelo que filma e o cuidado que constrói cada detalhe em seu filme. É muito amor pelo cinema e pelas imagens. Martírio – o filme brasileiro mais importante do ano – é necessário e urgente, deveria ser assistido por cada cidadão desse país. A cultura indígena sendo apagada, destruída, completamente dizimada e o Brasil assiste a isso com indiferença, o trágico retrato desumano da história de uma nação refletida na urgência do presente e na desordem política. É o filme mais triste do ano, e o mais essencial. 

Olivier Assayas retornou às telas trazendo Kristen Stewart na pele de uma americana assombrada pelo fantasma do irmão gêmeo no tenso e magnífico Personal Shopper. Corra! é o filme de terror que melhor define o seu tempo e o seu gênero – uma obra inesquecível. Bom Comportamento é um filme de ação chapado que prova que os irmãos Safdie estão entre os mais importantes da nova geração.

O Ornitólogo é imprescindível nessa lista, um filme que me impressionou profundamente, com seu trabalho fotográfico incrível e uma releitura mítica que beira o surreal e atinge o torpor. A Mulher que se Foi traz de volta as ruas distorcidas e caóticas da Filipinas na visão de um dos cineastas mais importantes do nosso tempo, Lav Diaz, à história de uma mulher que, presa por um crime que não cometeu, passa 20 anos na cadeia e é finalmente libertada, disposta a consumar sua vingança pelo tempo perdido. 

Foi o ano também do retorno de diretores influentes: Martin Scorsese, com seu extraordinário Silêncio, criação épica que contorna diálogos sobre a fé e a religião, e como essas duas coisas se conectam e se divergem; M. Night Shyamalan, com Fragmentado, de uma ferocidade atônita, uma crônica psicológica sobre o impacto dos traumas e as consequências do medo. Pablo Larraín, diretor chileno que chegou à Hollywood com uma cinebiografia nada hollywoodiana que consiste num recorte vertiginoso e inusual da primeira-dama Jackie Kennedy após o assassinato de JFK. Larraín sabe trabalhar a temática política como poucos no cinema hoje em dia e esse trabalho é mais que bem-vindo em sua completude e autenticidade. James Gray e seu Z: A Cidade Perdida, bom ver que um dos maiores de sua geração tá com a bola toda e triunfa nesse épico tão bem feito que nos apresenta a jornada pelo desconhecido do seu lado mais sombrio e misterioso, e também encantador. 

Ken Loach, com seu cinema já característico, nos brindou com Eu, Daniel Blake que, se não é seu melhor filme, é digno como qualquer outro e merece respeito. Alain Guiraudie e Na Vertical, ótimo filme de um dos diretores que melhor sabe filmar o universo masculino de um ponto de vista sexual. Terence Davies, cujo trabalho eu descobri apenas em 2017, foi à America para narrar a história da poetisa Emily Dickinson, e acabou resultando num dos melhores do ano. 

Foi o ano também em que o cinema foi o canal da voz de denúncia e protesto da comunidade negra, como foi visto em Eu Não Sou Seu Negro, uma consistente análise dos turbulentos anos 60 marcados pela segregação racial. Aí entra também Detroit em Rebelião, retorno de Kathryn Bigelow, com ares documentais que capta na pele e com uma câmera que treme a todo instante a tensão e o horror vividos pelos negros em um tempo marcado por revoltas, violência policial, e um chamado de justiça. O belíssimo e intenso Moonlight, vencedor do Oscar de Melhor Filme, capta com paixão o universo de um personagem em três estágios diferentes de sua trajetória de descoberta pessoal e a dificuldade em se encaixar no mundo em que está inserido. Mais que uma celebração das diferenças, uma celebração única do amor e da liberdade. E o "ex-vencedor" do Oscar de Melhor Filme (no que é, talvez, o momento mais marcante e falado do ano), o musical La La Land, é uma celebração do cinema e, ainda mais, do amor pela sétima arte, na história de amor entre dois personagens perdidos em seus amores que se encontram perseguindo seus sonhos. 

Foi ano também em que tivemos grandes filmes protagonizados por adolescentes e jovens, o português John From, o francês Nocturama e os americanos Melhores Amigos e Quase 18, captando a essência dessa idade tão marcante, com todos os seus sentimentos e ansiedades, aflorações e tensões. Doentes de Amor é um exemplar doce e satisfatório da comédia norte-americana sobre o encontro entre dois personagens selados pela diversidade. E, por falar em diversidade, tivemos também O Outro Lado da Esperança, com seu sotaque deadpan, com o melhor do estilo de seu autor, o finlandês Kaurismäki, em plena forma, sobre um imigrante ilegal à procura de sua irmã em terras estrangeiras. 

O Filho de Joseph vai ficar lembrado pela minha pessoa por ser o primeiro (excelente) trabalho do consagrado auteur Eugène Green que eu vejo. Aliados, de Robert Zemeckis, é um remetente da velha Hollywood dos filmes de espionagem românticos e das "intrigas internacionais". Não fazem mais filmes como antigamente. E, por fim, A Tartaruga Vermelha, esta gentil animação sem diálogos que faz grande uso da linguagem cinematográfica com uma narrativa extremamente simples, sabe como construir atmosfera partindo do sutil, do mínimo, é um verdadeiro milagre do cinema, e encerra o meu ranking dos melhores lançamentos de cinema em 2017.

Na discussão se é série ou filme (o que pra mim é um tanto duvidável, já que pra mim o trabalho ultrapassa os limites de um e do outro e chega a um estado completamente único, então antes de tudo eu considero mesmo um verdadeiro milagre, seja do cinema, da TV ou do audiovisual em si) Twin Peaks – O Retorno chegou pra ficar e acabou fazendo a lista de vários cinéfilos e apareceu em diversas listas de veículos importantes da imprensa cinematográfica (Cahiers du Cinéma colocou em primeiro lugar, Sight & Sound em segundo) como uma realização fílmica (e o trabalho esbanja muitas qualidades que são puramente devidas à arte cinematográfica mesmo, nada mais justo que isso, ainda que tenha sido exibida como uma minissérie). Deixando um pouco a discussão de lado, importante mesmo é que esse ano tivemos o retorno do cineasta David Lynch com um de seus principais feitos (Twin Peaks, cujas 2 primeiras temporadas conferi ainda na primeira metade de 2017, é a maior série de TV já realizada). E trata-se da coisa mais especial que tivemos esse ano, um verdadeiro presentaço, o evento mais badalado. Espero rever em breve essa maravilhosa obra-prima, se eu ousar fazer isso. Foi meu hors concours porque é um trabalho por demais excepcional pra ser classificado em listas, nem preciso dizer que obra suprema fica à parte dos rankings competitivos (hehe). Foi bom ter o mestre Lynch de volta, já que ele estava há 10 anos sem entregar um trabalho de grande porte como esse (levando em consideração seu último longa, Império dos Sonhos). Esperamos que ele volte com mais trabalhos assim, grandiosos. 

Das minhas novas listas que fiz à parte, os filmes que ficaram no topo são pra lá de excepcionais. Certas Mulheres, visto em casa, é lindíssimo e só essa palavra basta. Tem o melhor elenco feminino do ano e uma construção de imagens que simplesmente me abisma. Loving, a beleza do amor e a monstruosidade dos homens. Okja, o filme que mais me fez chorar em 2017, sobre a inocência corrompida num mundo destruído. Três, um filme de ação/suspense que se passa dentro de um hospital – e dirigido por Johnnie To (= um puta filmaço). 

É claro, sempre tem aqueles filmes que acabam esquecidos, deixados de lado, mas que sempre estão disponíveis por aí, seja nos torrents da vida ou em outras cópias, e esse ano tivemos pelo menos uma grande obra-prima do cinema oriental que deveria ser reconhecida devidamente: A Bride for Rip Van Winkle, o filme que melhor diz sobre as mentiras nas quais acreditamos e no mundo de farsas em que estamos inseridos. É de uma excelência arrebatadora. National Gallery, do documentarista veterano Frederick Wiseman, é um épico documental que discute a arte e dispensa conceitos para isso, e faz melhor que qualquer filme desse ano que talvez o tenha tentado (e provavelmente como pouquíssimos essa década). A Canção do Pôr-do-Sol (olha o Terence Davies aí de novo!) sobre uma mulher marcada pelo seu tempo e pela sociedade em que vive, e a chegada do amor, é dos mais notáveis do cinema britânico recente e foi muito pouco lembrado. 

Mais um ano chega ao fim. 2017 passou, e ainda que no final sempre pareça que foi rápido demais, deixou muitas lembranças. Foi um ano complicado pra muita gente, é verdade. Talvez foi um ano mais confuso do que propriamente bom, digamos, mas foi tempo de muitas mudanças (e descobertas). Pelo menos pra mim, foi um ano importante justamente por conta disso. Quando a nossa vida se transforma em algum aspecto, quando a nossa rotina é modificada ou alterada em algum ponto, ficamos expostos a um mundo desconhecido que, aos poucos, vai se tornando o nosso mundo. Começamos a enxergar e dar atenção a algumas coisas que passavam despercebidas, e a vida ganha novas cores, traços próprios. 

Não foi um ano perfeito, é claro. Mas teve seus pontos positivos. Suas memórias marcantes, as pessoas que conhecemos e com quem interagimos, as histórias que ouvimos (e que transmitimos), que testemunhamos, as que assistimos nos filmes, as que lemos, e – claro – a história que vivemos. Porque essa é a nossa história. Estamos aqui e agora, vivendo essa vida. E nós só temos uma. Então, antes de reclamar ou perder tempo com preocupações banais, precisamos olhar para isso como se cada dia fosse um novo começo, porque a cada instante estamos mudando e nada volta. Não temos controle do tempo, não podemos antecipar o que está por vir e apagar ou modificar o que já aconteceu. Vivemos nesse pequeno vão que existe entre passado e futuro, e é nele que imprimimos todas as nossas emoções e depositamos as esperanças, os sonhos, os sentimentos. 

Um ciclo se encerra, e outro começa. E nesse ciclo que está se fechando, enclausuram-se momentos, instantes, memórias das quais eu posso ou não me orgulhar, o que eu poderia mudar (e que eu me arrependo) e o que eu queria viver de novo só pra sentir aquele gostinho. E, no final das contas, a gente sempre retorna pra esse ponto, pra desejar coisas boas e novos votos para o ano seguinte, olhando pra trás e analisando, seja com um olhar repreensivo ou bondoso, os dias anteriores que vivemos nesse período que se esvanece.

Por isso, o importante é continuar desfrutando o melhor que a vida pode oferecer, as coisas que estão escondidas nos menores detalhes, na beleza do que a gente não vê, o sublime. E tudo o que eu desejo para 2018 é que eu, você e todos nós possamos desfrutar do sublime da vida. E, acima de todas as coisas, tudo o que eu desejo é amor. Um grande abraço a todos os meus leitores, que tem me acompanhado aqui, e é sempre ótimo compartilhar sobre o cinema com vocês, e a vida, de certa forma. Que sejamos felizes nesse próximo ano que chega. 

FELIZ 2018!!!