quarta-feira, 27 de fevereiro de 2019

A FAVORITA (2018)


O nome do grego Yorgos Lanthimos ascendeu quando seu filme Dente Canino fez um sucesso em Cannes (ganhou o prêmio Um Certo Olhar) e depois figurou entre os cinco finalistas a Melhor Filme Estrangeiro no Oscar 2011. Dono de um cinema bem particular, ganhou mais destaque com o recente O Lagosta (seu primeiro filme falado em inglês) e agora com o seu mais elogiado trabalho, A Favorita, drama épico centrado na relação de amor, discórdia, inimizade e loucura, repleta de intrigas, entre a rainha Anne da Inglaterra (Olivia Colman) e as mulheres mais próximas a ela: a duquesa de Marlborough (Rachel Weisz) e uma empregada recém-chegada ao palácio e prima desta última, Abigail (Emma Stone).

Os filmes de Yorgos transitam pelo que há de bizarro na nossa condição, explorando com sarcasmo e deboche (às vezes em quantidades exacerbadas) o horror e o humor que surgem das situações humanas. A ironia, ácida ou desmedida, vem para reforçar os sentimentos de chacota e desprezo que o cineasta evoca com personagens excêntricos que inspiram desde antipatia até vulgaridade. A Favorita segue esse padrão de deturpar personagens tão detestáveis do mundinho de Lanthimos, mas o resultado é surpreendentemente bom quando vemos que o estilo dele, quase misantrópico, casa perfeitamente com o subgênero dos filmes épicos de reis e rainhas, proporcionando um frescor que há tempos não víamos nesse tipo de história.

O equilíbrio é fundamental, o cuidado pela forma é tamanho que torna esse o mais bem realizado filme do grego (figurinos, fotografia e cenários impecáveis), e o trio de performances incrivelmente poderosas de Olivia Colman (agora vencedora de um Oscar, sendo ela a melhor daqui do elenco, com uma atuação arriscada e muito bem arquitetada, cheia de momentos tensos), Rachel Weisz e Emma Stone (igualmente admiráveis), com suas personagens enlouquecidas, esdrúxulas, às vezes irritantes, deslocadas, mas que parecem conter mais humanidade do que Yorgos permitiria a seus personagens, dão ao filme o seu aval de importância e maestria, que, alados ao autorismo de Lanthimos, fazem dele um trabalho tão incomum quanto original.

Insano, divertido e pra lá de esquisito, como todo filme de Yorgos, A Favorita pode não ser sua obra-prima, mas é certamente seu trabalho mais bem-feito. Furiosamente sarcástico e sem limites, traz um olhar drástico e rude sobre as mordomias, peripécias, segredos e podres da realeza, com a devida parcela de esquisitices e vilezas que um olhar afiado exige, sem nunca sair da pose, com seus planos muito rígidos, quase coreografados de tão simétricos, e precisamente vertiginosos, para nos sentirmos na pele daquelas mulheres tão perturbadas. E muitas cenas ficam grudadas no nosso pensamento.

A Favorita
The Favourite
dir. Yorgos Lanthimos
★★★★

sábado, 23 de fevereiro de 2019

FILM INDEPENDENT SPIRIT AWARDS 2019


MELHOR FILME
Se a Rua Beale Falasse

MELHOR DIREÇÃO
Barry Jenkins — Se a Rua Beale Falasse

MELHOR ATOR
Ethan Hawke — First Reformed

MELHOR ATRIZ
Glenn Close — A Esposa

MELHOR ATOR COADJUVANTE
Richard E. Grant — Poderia Me Perdoar?

MELHOR ATRIZ COADJUVANTE
Regina King Se a Rua Beale Falasse

MELHOR ROTEIRO
Poderia Me Perdoar? (Nicole Holofcener & Jeff Whitty)

MELHOR FILME ESTRANGEIRO
Roma, México — dir. Alfonso Cuarón

MELHOR DOCUMENTÁRIO
Won't You Be My Neighbor? — dir. Morgan Neville

MELHOR PRIMEIRO ROTEIRO
Oitava Série (Bo Burnham)

MELHOR FOTOGRAFIA
Suspiria (Sayombhu Mukdeeprom)

MELHOR EDIÇÃO
Você Nunca Esteve Realmente Aqui (Joe Bini)

MELHOR FILME DE ESTREIA
Sorry to Bother You (dir. Boots Riley)

prêmios especiais

PRÊMIO JOHN CASSAVETES
(produções com um orçamento inferior a 500,000 dólares)
En El Séptimo Dia (dir. Jim McKay)A

PRÊMIO ROBERT ALTMAN
(entregue à equipe conjunta de um filme)
diretor e elenco de Suspiria

PRÊMIO SOMEONE TO WATCH
(entregue a diretores promissores)
Alex Moratto (Sócrates)

PRÊMIO BONNIE
(entregue a cineastas mulheres de destaque)
Debra Granik

PRÊMIO TRUER THAN FICTION
(entregue a documentários de destaque)
Minding the Gap (dir. Bing Liu)

Ainda digo que esse prêmio é a versão justa do Oscar. Por isso, pra quem quiser ficar contente com algumas lembranças bem-vindas dos esnobados, esse prêmio sempre acerta uma categoria ou outra. Com três prêmios, Se a Rua Beale Falasse (de Barry Jenkins) foi o grande vencedor da noite, levando inclusive Melhor Filme. Concorre ao Oscar em três categorias e tem boas chances em pelo menos duas delas. 

GREEN BOOK: O GUIA (2018)


Green Book esteve mergulhado em várias polêmicas durante sua passagem pelos principais prêmios de cinema da temporada e o Oscar, e isso veio enfraquecendo suas oportunidades de ser um concorrente forte, ainda que ele permaneça comentadíssimo e favorito a Melhor Filme no Oscar 2019, que acontece amanhã. Não foram apenas as polêmicas exteriores que prejudicaram o longa. Também se falou muito que estaria se tentando entrar no radar dos prêmios com um filme apelativo sobre temáticas raciais, e que o filme é demais básico e inaprofundado quando toca em questões que deveriam ser levadas mais a sério.

Deméritos à parte, é inegável que, apesar de suas falhas, Green Book funciona mais como uma comédia leve, que é a especialidade do seu diretor, um cara que por toda a carreira trabalhou fazendo comédias escrachadas e sucessos comerciais, fracassos críticos. Na maior parte do tempo, o filme tenta falar dos seus problemas com um olhar de conciliação, o que com certeza foi interpretado de maneira mais séria do que ele próprio se enxerga, e realmente, não consegue ser tão expressivo quanto quer, embora produza resultados curiosos para um filme que está mais focado em êxitos mais redondos. Sendo assim, funciona melhor na sua despretensão (os irmãos Farrelly sempre tocaram nas questões das diferenças em suas comédias com um olhar sutil, não irrelevante). 

Falha quando tenta dar conta desse contexto racial com uma certa "seriedade", mas se localiza quando se lança em partes mais dramáticas. Além disso, consegue estabelecer uma conexão no mínimo interessante entre seus dois protagonistas e o clima político/social dos EUA diante das tensões segregacionistas dos anos 60 (Mortensen, como um motorista branco que trabalha para um músico negro fazendo uma turnê pelo Sul do país, interpretado pro Ali, que deve ganhar seu segundo Oscar, ambos estão excelentes, inspirados nas cenas em que contracenam).

Lançando cenas que são mais incisivas do que aparentam, o filme faz um comentário pertinente, mas está mais interessado em romantizar a amizade entre os dois personagens principais, em explorar a ternura dessa relação e seu filtro conciliativo, e que casa perfeitamente com a mensagem que ele quer passar: de que a mesma conciliação que era necessária nos tempos da segregação ainda permanece essencial nos dias de hoje. 

Green Book pode estar longe de ser o filme perfeito, mas consegue ser muito mais humano na sua premissa descompromissada, seguro em sua leveza, inesperadamente simpático apesar das falhas. E, por justamente não adquirir essa ambição de ser o filme completo, ele explora bem o que tem à sua volta, e extrai uma dinâmica deliciosa das suas simplicidades. Concorre ao Oscar em filme, ator principal e coadjuvante, roteiro original e edição. 

Green Book: O Guia
Green Book
dir. Peter Farrelly
★★★

sexta-feira, 22 de fevereiro de 2019

NASCE UMA ESTRELA (2018)


Quem diria que esse Nasce uma Estrela se transformaria numa das melhores (se não for a melhor) versão de um clássico do cinema americano que já havia sido adaptado para as telas outras três vezes, sendo a de 2018 a quarta (em 34, de William A. Wellman, em 54, de George Cukor, e em 76, por Frank Pierson). Agora foi a vez de Bradley Cooper assumir as rédeas (como diretor, roteirista, produtor e ator desse novo remake) ao lado da nova estrela, Lady Gaga (no mesmo lugar que outrora foi ocupado por Janet Gaynor, Judy Garland e Barbra Streisand), na trágica história de amor imortalizada em todas essas versões e que voltou a ganhar o público nessa encarnação repleta de frescor. 

Os caminhos de uma garçonete aspirante a estrela da música e um famoso cantor que, embora brilhante nos palcos, leva uma vida problemática, repleta de vícios por fora, se cruzam na noite em que ela canta "La Vie en Rose" num bar gay, quando o homem, quase que incidentalmente, invade o lugar motivado pelo álcool, para se deparar com o talento e a beleza da mulher por quem se apaixonará e, mais tarde, tornará famosa e conhecida, enquanto ele é devorado cada vez mais pelos seus vícios. 

O que torna Nasce uma Estrela tão bonito? O quanto ele é redentor. Cooper, que se revela na direção, esbanja competência quando se arrisca a monumentalizar pequenos gestos e, enquanto ator, se entrega completamente ao seu personagem, um homem corroído, que aparenta estar cansado da própria condição. Cooper o faz com um domínio que só poderia vir de um artista completo, que parece compreender exatamente onde quer chegar e as dimensões desse trabalho. Gaga, como atriz, é misteriosa, dá conta do recado, e traça sua personagem com tamanha originalidade que já justifica os elogios, o equilíbrio entre o musical e o dramático, o controle e a energia que ela cativa. Sem falar nas cenas em que está cantando, com um vozeirão lindo.

A fotografia encontra enquadramentos inspirados, quando tenta fazer jus às presenças e expressões dos dois protagonistas, combinando compaixão e melodrama simultaneamente. Há liberdade tanto para reinventar quanto para reverberar clichês, o que Cooper faz com maestria e dignidade. Seus personagens são tão sentidos, parece que a visão impressa aqui finalmente se encaixa com a história que esse filme carrega. Enfim, Nasce uma Estrela é um filme que promete mexer com a gente, e nos deixa pensando nele mesmo após os créditos, seja com suas canções (a belíssima SHALLOW) e seus vários momentos inesquecíveis, as atuações impecáveis de um elenco pra lá de talentoso, e o coração que fica partido e, ao mesmo tempo, aquecido com tanto amor envolvido numa narrativa humana, intensa e emocionante sobre amor, os momentos em que caímos, os aplausos que recebemos, e a redenção entre um e outro, saber encontrá-la para acentuar a vida.

Nasce uma Estrela
A Star Is Born
dir. Bradley Cooper
★★★★½

quinta-feira, 21 de fevereiro de 2019

Três indicados ao Oscar 2019


ILHA DE CACHORROS (Isle of Dogs, dir. Wes Anderson, 2018) ★★★★½


O retorno de Wes Anderson às telas depois do sucesso de O Grande Hotel Budapeste veio com um também regresso ao território da animação, onde o americano já havia estado com seu O Fantástico Sr. Raposo. Ilha de Cachorros, por mais estável ou esperável que possa ser, é um filme que deixa uma sensação de que precisa ser revisto, e carrega méritos que já estão praticamente selados no estilo de Anderson. A meticulosidade dos planos, a exatidão dos enquadramentos, a precisão das sequências, e a beleza que surge do namoro entre fotografia e montagem tão bem executados é o que se encontra. Apesar das polêmicas, esse novo trabalho trouxe o frescor de um cineasta que, se não fez um filme para se superar, compôs um belo conto sobre amizade, companhia, união e, novamente, família, com a sensibilidade e humanidade esperada do cara por trás de Moonrise Kingdom e Os Excêntricos Tenenbaums. Foi indicado ao Oscar em melhor filme de animação e trilha sonora. 

HOMEM-ARANHA NO ARANHAVERSO ★★★½
(Spider-Man: Into the Spider-verse, dir. Bob Persichetti, Peter Ramsey & Rodney Rothman, 2018)


É um filme que não deve passar despercebido quando se falar em melhores filmes de super-herói do ano passado. Pantera Negra e o mais recente dos Vingadores provavelmente são os primeiros que vem à cabeça, mas essa nova animação do Homem-Aranha, que caiu no gosto dos críticos, é um destaque não apenas dentro do seu próprio gênero dos desenhos animados mas também como um filme de super-herói em si. Gratificante que a história lide com tantas inovações e permita que uma história mais complexa, ainda que dentro de temáticas mais "jovens", seja dirigida para um público adolescente/infantil. Sem dúvida é o filme mais potente na corrida de Melhor Animação. 

BOHEMIAN RHAPSODY (dir. Bryan Singer, 2018) ★★½


Com exceção da sequência final que, para a surpresa de quem já tinha visto o bastante, consegue ser decente até demais para um filme que faz escolhas pra lá de esquisitas, Bohemian Rhapsody talvez trabalhasse melhor fora desse formato de biopic, que aqui dá a impressão de que há bem pouco (ou nenhum) frescor na narrativa, e as tentativas não conseguem ir muito longe. Embora não tenha sido uma experiência irritante, é um filme com deslizes incômodos, torto, com uma configuração muito prática, batida. Uma comentada e "excêntrica" atuação do Malek, que tenta se equilibrar entre exagero e seriedade, mas que só consegue "funcionar" plenamente quando seu personagem está no palco, soa caricato, sem sal. Não dá pra negar que é estranho ver ele no Oscar, mesmo que dê pra entender um pouco o porque dessa recepção, por mais bizarra que ela seja.

Por mais que todos esses erros possam ser recebidos com aversão, pra quem tem uma certa familiaridade com o trabalho do Queen, o filme, pelo menos, acerta na disposição da trilha musical da banda, incluindo várias canções pra lá de celebradas, além da que deu o nome ao filme, e que podem satisfazer os admiradores, incluídas aqui. Não precisa nem ser fã ou coisa do tipo. E, de certa forma, alguns momentos bem vívidos, não exatamente repletos de paixão, porque é tudo muito mecânico, desencontrado nas suas tentativas. 

Um dos mais falados indicados ao Oscar desse ano, Bohemian Rhapsody figurou até em Melhor Filme (para a surpresa de muitos) e totalizou cinco indicações, podendo (e devendo) ganhar alguns prêmios. O mais provável é que Rami leve o prêmio de Ator, enquanto o filme não deve sair de mãos abanando das categorias técnicas (concorre em montagem, edição e mixagem de som). E, também se trata do mais estranho e inusitado dos concorrentes da safra desse Oscar. 

terça-feira, 19 de fevereiro de 2019

PANTERA NEGRA (2018)


Um dos títulos mais indicados ao Oscar da edição desse ano, Pantera Negra certamente é, também, uma das maiores produções da Marvel, como muitos andam dizendo, até por ser também o filme mais importante que a produtora já entregou ao falarmos de representatividade, alcance e recepção. Para o deleite do público, a Marvel vem se superando a cada filme, e esse até chegou a ser incluído nas categorias principais do Oscar, se tornando o 1º filme de super-herói ever a concorrer em Melhor Filme, lembrando que ano passado Logan disputou a estatueta em roteiro e até estava cotado para Filme por um tempo. Mas o buzz em torno de Pantera Negra já tinha crescido até mesmo durante a temporada do Oscar do ano passado, quando o filme foi lançado (e chegou até a aparecer em um clipe na cerimônia), e ali mesmo já era um favorito pro prêmio (e agora, tem um total de 6 indicações). O sucesso nas bilheterias foi imenso e nunca tinha se visto antes um filme mainstream de super-heróis com um elenco tão repleto de grandes intérpretes negros: Forest Whitaker, Angela Bassett, Isaach de Bankolé, Lupita Nyong'o, Michael B. Jordan, Sterling K. Brown e, algumas revelações, Daniel Kaluuya, Laetitia Wright e (no papel principal) Chadwick Boseman.

Em uma terra escondida na África, um povo vive em uma sociedade à parte onde celebram sua cultura e podem viver em paz sem a exploração de poderosos graças às fontes de um minério chamado vibranium. Isolados do mundo, eles realizam diversos avanços tecnológicos graças a esse material, até que a descoberta desse precioso bem por mãos erradas coloca em risco não apenas a nação de Wakanda, à qual esse povo pertence, mas também a sociedade, os avanços e a cultura deles.

Ryan Coogler conduz um filme estampado com deleites visuais e técnicos, cheio de momentos marcantes e inesquecíveis, muitos deles coroados pela presença do elenco mais enérgico do ano. E, é claro, a celebração do cinema e da cultura das histórias (sejam elas as contadas através dos filmes ou dos quadrinhos) através de um conto que fala tão bem sobre a cultura de um povo colocada em xeque pela ganância e pela exploração dos poderosos. Talvez seja mais lembrado por ser quase um marco nas produções de Hollywood e da produtora Marvel, pela sua equipe fenomenal, pela quantidade de cenas belas, envolventes e cheias de vida, e pelo seu conteúdo ressoante, vibrante e cheio de paixão pela cultura e pelas tradições africanas, uma ode às origens e a celebração dos costumes. Seria justo ver esse filme levando o Oscar de Melhor Filme num ano em que o prêmio está tão bagunçado, não apenas por ele ser o que mais alcançou e tocou, mas porque também é tão honesto quando abraça seu gênero e sua mensagem, como poucos filmes fizeram e com tamanha beleza nesse ano.

Pantera Negra
Black Panther
dir. Ryan Coogler
★★★★ 

segunda-feira, 18 de fevereiro de 2019

ANOS 90 (2018)


Eu estou num momento que quando eu vejo um filme muito bom, eu fico um ou dois dias sem assistir qualquer outra coisa só por estar pensando nele. E, às vezes, quando o filme me pega assim, eu nem ouso escrever um texto enorme sobre ele, mas deixo uma impressão mais sobre a experiência de ter visto, e de como ele mexeu comigo. 

O que mais me surpreende é como esse filme tem um olhar tão sutil e cheio de admiração, até particular, sobre a adolescência, esse período repleto de altos e baixos, tantas descobertas e inquietações, e que, no final das contas, revela tantas belezas no meio das bagunças. Anos 90 celebra a juventude, como se abraçasse o que essa idade representa na nossa vida, por mais problemática que ela possa ser, como vemos ao acompanhar o Stevie, menino que, mesmo tão novo, tem experiências quase traumáticas dentro de casa com o irmão, que o trata de forma agressivamente abusiva, e da mãe, que mantém relações com parceiros diferentes. O garotinho encontra um jeito de escapar dos problemas em casa na amizade com um grupo de garotos skatistas que ele venera, e que se tornam uma "segunda família" pra ele. Jonah Hill se revela como um diretor talentoso, e Anos 90 está bem acima da média para um filme de estreia. Eu admiro muito essa capacidade do filme de ser tão sensível, seja tratando dos problemas dos seus personagens, ou encontrando a beleza apesar de tudo aquilo, numa ode cheia de energia à adolescência e, principalmente, ao valor da amizade e, de certa forma, do amor também. Não esperava que esse filme fosse me tocar dessa forma. Lembra um pouco o Gus Van Sant, mas com uma vibe que é muito própria do filme. Do gênero coming-of-age que está nos trazendo tantos filmes bons, Anos 90 é uma bela surpresa. 

Anos 90
Mid90s
dir. Jonah Hill
★★★★½

domingo, 10 de fevereiro de 2019

INFILTRADO NA KLAN (2018)


Três décadas depois de Faça a Coisa Certa, Spike Lee, dono de uma das carreiras mais importantes do cinema americano, mas que até então não tinha lançado um filme que conseguira bater o sucesso do longa-metragem que tornou seu nome conhecido, retorna em 2018 com Infiltrado na Klan, que não apenas se tornaria, talvez, o seu mais aclamado, mas também o primeiro trabalho de Spike a ser indicado ao Oscar de melhor filme, e a indicar o próprio Lee como melhor diretor. Devemos lembrar também que o longa fez um grande sucesso em Cannes, onde se tornou um candidato potente a integrar a lista dos filmes inesquecíveis do ano, onde ele certamente figura. 

E nada mais atual nesses tempos confusos e transtornados do que lançar um filme sobre o que é ser um homem negro na América dos brancos, através da insana história (real) de um policial chamado Ron Stallworth que, lá na década da 70, conseguiu se infiltrar na Ku Klux Klan (!) com a ajuda de um colega, um policial judeu, que fingia ser ele nos encontros com os membros do terrível grupo racista. Através desse esquema de investigação, eles conseguem rastrear os ataques que a quadrilha maldita planeja fazer, bem como os principais membros dela.  

Misturando elementos da comédia e do drama, Infiltrado na Klan traça os paralelos entre o preconceito latente e desumano da KKK e o crescente ativismo e empoderamento negro que já vinha ganhando força desde a década de 60, marcada pelos terrores da segregação nos EUA. Por incrível que pareça, o filme se mostra mais contemporâneo do que podemos imaginar, como o seu próprio desfecho aponta, que os conflitos raciais e étnicos nos EUA ainda condizem com o que acontece na "América branca". Aliás, o filme traz uma crítica ácida ao governo de Trump enfatizando os indignantes ataques de violência racial no país, que recebem uma "aceitação" bem despreocupada de seu presidente.

Muito bom ver que o cinema de poder do Spike continua mais forte do que nunca com Infiltrado na Klan, aquele que é, ao meu ver, não apenas o melhor, porém também o mais necessário dos filmes da safra do Oscar desse ano. Por muito tempo subestimado, Lee tá recebendo o reconhecimento que tanto merecia, por todos seus outros grandes filmes que foram desvalorizados ao longo de anos, e por um cinema marcante, que mistura o revolucionário e o original, marcas que estão impressas neste novo filmão, um grito de revolta e de empoderamento, do jeito que o Spike sabe fazer de melhor.

Infiltrado na Klan
BlacKkKlansman
dir. Spike Lee
★★★★★