Acho que nunca assisti uma edição do Oscar assim. O Oscar 2020 conseguiu ser o melhor Oscar em muito, muito tempo. Foi uma noite histórica para o cinema mundial. Pela primeira vez na história, um filme não-americano e não-falado em inglês ganhou o maior prêmio da noite, Melhor Filme. Parasita ainda levou mais 3 prêmios pra casa, fechando o círculo de uma temporada em que ele foi um dos filmes mais badalados, respeitados e queridos. Ano passado o mexicano Roma teve um favoritismo parecido, e até chegou a ganhar três prêmios, mas não levou o principal. Parasita fez história na noite de ontem. Nenhum filme não-americano antes havia levado tantos prêmios principais numa única noite (filme, direção, roteiro). É especial pois é uma celebração mais que necessária do cinema mundial.
Quando o cinema de fora dos EUA consegue ter um espaço assim no Oscar, é uma vitória gigante para o cinema do mundo todo. É uma questão de visibilidade. O cinema mundial está sendo festejado na festa mais importante do cinema. Isso não é pouco. Em 92 anos de Oscar, é a primeira vez que isso acontece. E nesses 92 anos, apenas 10 filmes completamente internacionais tiveram a chance de competir pelo Oscar de Melhor Filme. O que infelizmente é pouco. Que a vitória estrondosa de Parasita possa representar uma mudança, e que nos próximos anos a Academia passe a reservar cada vez mais espaço para o cinema mundial, do jeito que é necessário, pra não apenas quebrar o paradigma de que apenas o cinema dos EUA merece atenção numa festa que, apesar de americana, é vista todos os anos no resto do mundo por milhões de pessoas, quando tem tanta coisa boa vindo de todos os cantos do mundo, mas para simbolizar que os filmes estrangeiros estão saindo dos limites que são reservados a ele (a categoria de Filme Internacional), ou seja, que o cinema do mundo importa e merece ser visto, reconhecido e celebrado. É uma vitória sem tamanho.
E se as vitórias de Parasita deixaram a gente emocionado, mas não muito surpresos porque ele merecia ganhar, se trata de um filme importantíssimo e que reflete os sintomas sociais e políticos mais latentes da atualidade, no que diz respeito à desigualdade social e ao sistema capitalista, não só lá na Coreia do Sul, mas em todos os cinco continentes. A premiação de um filme que percorre esses temas parecia ser surreal demais para os gostos da Academia, mas o Oscar 2020 provou o contrário. E que bom que isso aconteceu.
A edição foi uma das mais tranquilas. Quem sabe deixar a cerimônia sem um host não deixou as coisas fluírem mais? Se bem que esse ano a Academia não resistiu a tentação de colocar Steve Martin e Chris Rock (dois ex-hosts) pra abrir a cerimônia, depois de uma performance da Janelle Monaé. A cerimônia estava num ritmo tão Eu até estava achando os comerciais menos demorados.
Em termos de diversidade, o prêmio foi criticado e até se falou em #oscarssowhite. Houve apenas uma atriz negra indicada esse ano (Cynthia Erivo) em meio a tantas outras performances ignoradas pela Academia (Lupita, Awkwafina, etc.). É esquisito porque as últimas listas do Oscar, desde 2017, trouxeram uma diversidade jamais vista antes no Oscar.
E se em alguns anos vemos o Oscar estando mais político, era justamente num ano de reeleição que a gente esperava discursos mais preocupados, afinal, o Oscar também é um evento político, inclusive ao falar de cinema. Mas isso não aconteceu muito. É claro, tivemos Joaquin Phoenix dando um discurso daqueles, penetrante e forte, parecido com os que ele já deu na temporada. Boa parte dos discursos foram tomados pela emoção, com as pessoas surpresas, tremendo, agradecidas. Como eu disse, foi uma das edições mais tranquilas em muito, muito tempo. Acho que nunca vi uma edição do Oscar que fosse tão tranquila assim tanto na condução quanto nos premiados.
Agora vamos falar dos momentos da noite. A performance tocante de "Yesterday" dos Beatles por Billie Eilish, no segmento In Memoriam. A belíssima canção, interpretada na voz dessa cantora fenomenal, me deixou em torpor, hipnotizado. A melhor e mais bonita apresentação da noite, até melhor que a maioria das performances das músicas indicadas. E, dessas, eu destaco duas: Cynthia Erivo (e sua voz poderosíssima), e o agitado e funky Elton John. Muita gente ficou sem entender porque Eminem estava lá em cima do palco cantando "Lose Yourself" (melhor canção de 2003) depois de um segmento voltado para as canções. E a plateia até estava cantando junto. Será que ele foi pagar a dívida de não ter cantado a música no Oscar 2003?
No time dos vencedores, senti falta de O Irlandês, que saiu de mãos abanando. É um dos meus favoritos, do time dos indicados. Ainda não conferi 1917, Adoráveis Mulheres, Jojo Rabbit, por isso a cerimônia desse ano já engrossou minha watchlist. Inclusive os curtas, que também me deixaram interessados. Tínhamos Brasil concorrendo esse ano pela 1ª vez desde 2016, mas infelizmente não foi dessa vez que o Oscar veio pra nós. Mas o que importa é que entramos na lista. E inclusive num ano em que o cinema nacional estava sob ataque e correndo risco de ser ceifado pelo governo. 2019 foi um dos anos mais frutíferos pro nosso cinema em anos e a gente até pôde ver um doc nosso no Oscar. Não foi pouco. Quem sabe daqui a um tempo a gente não veja um filme nacional fazendo bonito na premiação mais importante do cinema? Vai, Brasil!
Enfim, esse foi o Oscar 2020, provavelmente a edição mais especial e importante que eu já assisti enquanto acompanho o prêmio. Uma edição mais que histórica. Mudanças aconteceram e tivemos os maiores acertos que esse prêmio já fez, acertos únicos, entre eles o de escolher e comemorar uma obra-prima sul-coreana (e que foi o maior vencedor da noite, com 4 prêmios). Pra quem tinha dado 4 Oscars pra
Bohemian Rhapsody em 2019, a Academia até que tomou vergonha na cara né? Gosto assim. Vai, cinema mundial! Mostra pros americanos que existe todo um mundo a ser descoberto por trás dos filmes legendados.
OBS.: Das
apostas que eu fiz aqui no blog, acertei 21 das 24 categorias. Coisa histórica pra mim (kkkk). E eu nunca tinha acertado a categoria de Melhor Filme antes.
Parasita também era o meu voto pro prêmio.
Muito obrigado, Oscar, por essa noite histórica.
MELHOR FILME
Parasita
MELHOR DIREÇÃO
Bong Joon-ho — Parasita
MELHOR ATOR
Joaquin Phoenix — Coringa
MELHOR ATRIZ
Renee Zellweger — Judy
MELHOR ATOR COADJUVANTE
Brad Pitt — Era Uma Vez em... Hollywood
MELHOR ATRIZ COADJUVANTE
Laura Dern — História de um Casamento
MELHOR ROTEIRO ORIGINAL
Parasita — Bong Joon-ho, Han Jin-won
MELHOR ROTEIRO ADAPTADO
Jojo Rabbit — Taika Waititi
MELHOR FILME INTERNACIONAL
Parasita, Coreia do Sul — Bong Joon-ho
MELHOR ANIMAÇÃO
Toy Story 4
MELHOR DOCUMENTÁRIO
American Factory — Steven Bognar, Julia Reichert, Jeff Reichert
MELHOR TRILHA SONORA
Coringa — Hildur Guðnadóttir
MELHOR CANÇÃO ORIGINAL
"(I'm Gonna) Love Me Again" — Rocketman
Elton John, Bernie Taupin
MELHOR FOTOGRAFIA
1917 — Roger Deakins
MELHOR EDIÇÃO
Ford vs. Ferrari — Andrew Buckland & Michael McCusker
MELHOR FIGURINO
Adoráveis Mulheres — Jacqueline Durran
MELHOR DESIGN DE PRODUÇÃO
Era Uma Vez em... Hollywood — Barbara Ling & Nancy Haigh
MELHOR MAQUIAGEM E PENTEADOS
O Escândalo — Kazu Hiro, Anne Morgan, Vivian Baker
MELHOR EDIÇÃO DE SOM
Ford vs. Ferrari — Donald Sylvester
MELHOR MIXAGEM DE SOM
1917 — Mark Taylor, Stuart Wilson
MELHORES EFEITOS VISUAIS
1917 — Guillaume Rocheron, Greg Butler, Dominic Tuohy
MELHOR CURTA — LIVE-ACTION
The Neighbors' Window — Marshall Curry
MELHOR CURTA — DOCUMENTÁRIO
Learning to Skateboard in a Warzone (If You're a Girl) — Carol Dysinger, Elena Andreicheva
MELHOR CURTA — ANIMAÇÃO
Hair Love — Matthew A. Cherry, Karen Rupert Toliver