domingo, 31 de janeiro de 2016

Crítica: "O FANTÁSTICO SR. RAPOSO" (2009) - ★★★★


Pelo que eu me lembro, O Fantástico Sr. Raposo foi o primeiro filme do Wes Anderson que vi. Foi uma experiência memorável, faz um tempão já. E, visto o marco que foi, acho que é filme perfeito para se lançar na carreira do Wes. É uma aventura belíssima e harmoniosa, asseguradamente um dos melhores filmes dele e que reflete bem o espírito do seu estilo selvagem e calculado, preenchido pela beleza e a poesia dos detalhes. Uma animação directed by Wes Anderson, é tudo o que você precisa saber sobre O Fantástico Sr. Raposo. O resultado é fabuloso, quão admirável.

Anderson, mais uma vez, assume a liderança de um projeto sensacional, outra pérola dentro da sua carreira consistente. Como ele quase nunca erra a mão (não sei se ele já errou alguma vez, pra ser mais exato), não houve segredo em O Fantástico Sr. Raposo. Ele altera o formato (animação) e estampa certas novidades, mas pra quem o conhece nem tudo é inovação. Num bom sentido. Quero dizer, tem gente que não gosta, mas, desculpem-me os haters de Wes Anderson, eu amo o minimalismo do Wes (é praticamente a marca registrada dele). Em O Fantástico Sr. Raposo, ele exercita tão bem esse complexo que é pouco dizer que trata-se de talento. Um dos principais diretores do cinema independente americano conseguiu provar que a criatividade vale mais do que o orçamento em seu filme.

As crianças talvez não terão a mesma facilidade que a de um adulto, ou até mesmo a do espectador adolescente, para compreender a história e a estética de O Fantástico Sr. Raposo. E não é nem pela questão da abordagem de certas temáticas dentro da trama, que é existente, mas numa escala menor e desqualificável falando de compatibilidade com as exigências do público infantil. O que eu quero dizer é que Wes fez este filme não pensando necessariamente em adequá-lo à estrutura classicamente infantil que o gênero em questão comunalmente inspira. Mas é completamente compreensível se a criança não sacar o senso do desenho, por exemplo. Os crescidos saberão saborear mais o longa.

Sim, O Fantástico Sr. Raposo é um filme feel-good. Afinal, qual filme do Wes não é? O cara vive enfurnado em traminhas de aventura charmosa e antiquada de visual esplendorosamente sublime a ponto desses trabalhos serem automaticamente sustentados por esse instinto aventureiro, e certamente não seria em O Fantástico Sr. Raposo que ele viria a interromper essa sequência (só pra não esquecer, os dois trabalhos anteriores a O Fantástico Sr. Raposo são A Vida Marinha com Steve Zissou e Viagem a Darjeeling). São esses pequenos detalhes que fazem de Wes Anderson o Wes Anderson, ora essa!

O filme é adaptação do livro homônimo do Roald Dahl (autor infantil, que também escreveu Matilda e A Fantástica Fábrica de Chocolate), e a adaptação para animação fica nas mãos de Wes em parceria com seu colega indie Noah Baumbach. Por pouco os dois não foram indicados ao Oscar. Uma pena, logicamente, porque o roteiro de O Fantástico Sr. Raposo é exímio, item indispensável no bom funcionamento da produção em si.

O elenco de dubladores originais preenche um oráculo inteirinho (risos). George Clooney, Meryl Streep, Jason Schwartzman, Bill Murray, Willem Dafoe, Owen Wilson, Wally Wolodarsky, Eric Anderson, Michael Gambon, Jarvis Cocker, o próprio Wes Anderson, Hugo Guiness (co-roteirista do recente O Grande Hotel Budapeste), Brian Cox, Adrien Brody, Roman Coppola (filho do mestre do sobrenome), Garth Jennings entre outros. Uma curiosidade rápida: quem dubla o sr. a sra. Fox em francês é o Mathieu Amalric e a Isabelle Huppert (ah, a minha adorada Isabelle Huppert!), respectivamente.

A beleza inesperada em O Fantástico Sr. Raposo, que pode ser percebida tanto através do T.O.C. de Wes Anderson quanto pela emoção que nos é transmitida ao decorrer das uma hora e meia de filme, é fulminante, de deixar qualquer um vislumbrado. É mais um dos filmes em que Wes, além do ótimo diretor/roteirista que é, se mostra cuidadoso com a aparência de seus trabalhos, não só no interior mas também no exterior.

O Fantástico Sr. Raposo é, ao mesmo tempo, uma fábula divertida e uma aventura elegante. Não chega a ser maior que O Grande Hotel Budapeste mas se iguala ao igualmente temperado e leve Moonrise Kingdom. A já costumeira delicada doçura do Wes Anderson marca presença e acerta em cheio na missão "nos deliciar". Não há decepção. O Fantástico Sr. Raposo é cheio de ternura e simplicidade. Apesar da inegavelmente maravilhosa história, o que novamente volta a cativar e energizar o espectador tratando-se de um trabalho do Wes é a magistral e sem sombra de dúvidas prazerosíssima magia técnica, criativa e perspicaz ao extremo. É, enfim, pura poesia.

O Fantástico Sr. Raposo (Fantastic Mr. Fox)
dir. Wes Anderson - 

sábado, 30 de janeiro de 2016

Crítica: "O PRESENTE" (2015) - ★★★★


Vim tendo alguns problemas para dormir ultimamente nessa semana e não tive concentração suficiente para produzir um texto. E eu estou até teorizando comigo mesmo que esse bloqueio nem deve ser consequência dessa crise de insônia não. Mas, vamos lá. Janeiro termina e ainda não consegui ver todos os filmes que perdi em 2015. Recomendações, melhores do ano, estreias, e blá, blá, blá. É uma lista infinita. Nesta última quinta-feira, peguei O Presente para ver. Me surpreendi, rapaz. Que filme espetacular, um definitivo primor. O suspense faz dupla com o horror e se salva como um dos exemplares mais seguros e merecidos da temporada e dentro do seu próprio gênero na atualidade.

No filme, Rebecca Hall e Jason Bateman fazem um casal que acabou de se mudar para a cidade natal do marido, na Califórnia, e que começam a estranhar a casualidade e as obsessões de um ex-colega de classe do homem (interpretado por Joel). Não demora muito para o casal emergir numa onda de neuroses e logo começar a desconfiar premeditadamente do cara, que chega até a despertar no público uma certa duplicidade quanto a esse quesito. Enfim, o diretor/roteirista Joel Edgerton estabelece um jogo de mistério e intrigas tão competente que o resultado, em especial o gran finale da película, é indispensável e absolutamente magistral, muito possivelmente um dos melhores e mais bombásticos já vistos de uns tempos pra cá.

A construção dos personagens é delicada e minuciosa ao ritmo do próprio filme, mas enigmática e limitada o suficiente para manter o espectador prendido do começo ao fim na trama, de maneira com que mantenha-se vivo o suspense e espreitada a sequência de eventos. Edgerton revela que sua capacidade para o roteiro em que trabalha é rara e digna de atenção, bem como ainda sim aspira um certo quo status promissor.

O trio Rebecca, Jason (finalmente num bom filme) e Joel fermenta o elenco do filme, que é basicamente composto pelos três, que só por eles já conseguem fazer deste algo de valor imensurável para o filme. Muito embora o Jason Bateman esteja ótimo, for the very first time, é a Rebecca e o Joel que dividem o título de melhor performance do filme. Não dá pra saber qual dos dois está melhor. O certo, enfim, é que eles são os melhores do filme, falando do elenco.

Em certos aspectos, o clima de paranoia e a história lembram Caché (o próprio Edgerton mencionou o filme como inspiração, junto a Atração Fatal e a Trilogia da Vingança do Park Chan-Wook). É, os dois trabalhos nem de longe são comparáveis quanto à qualidade, mas a trama de O Presente mexe com um casal em crise, invasão de privacidade, falso vilão, conflitos do passado... Há certas coisas que ligam um filme ao outro, e a lembrança da obra de Haneke só nos deixa mais confortáveis quanto à precisão e à segurança de um bom resultado, efetivo, em O Presente.

Como suspense, filme de elenco excessivamente ótimo, diretor/roteirista revelação além do imaginável, O Presente é um trabalho memorável. Vingança e perdão são duas coisas que não se misturam. E, que final! O Presente é um presente maravilhoso. Joel, meu filho, não pare não. Continue desse jeito e um futuro de muito sucesso no ramo lhe aguarda, talvez até mais sucesso do que na própria carreira de ator, quem sabe? Eu já começo a torcer por mais presentes como esse.

O Presente (The Gift)
dir. Joel Edgerton - 

sexta-feira, 29 de janeiro de 2016

Adeus, JACQUES RIVETTE (1928 - 2016)


Poxa, cara... Se vai o Jacques Rivette, um dos nomes mais icônicos e marcantes da Nouvelle Vague (Jacques trabalhou na Cahiers do Cinema e ajudou na criação do movimento em meados da década de 60), e muito certamente um dos nomes mais importantes da história do cinema francês. Jacques é dono de obras de ouro como Celine e Julie Vão de Barco, A Bela Intrigante, Paris nos Pertence, A Religiosa, entre vários outros filmes que são definitivos marcos do cinema da França. O cineasta partiu nesta manhã, conforme foi divulgado. É lamentável. Demais. Ainda estou profundamente chocado pelo acontecido. 

quinta-feira, 28 de janeiro de 2016

Crítica: "LEARNING TO DRIVE" (2014) - ★★★


É bem chato encerrar a temporada de férias. E não é nem por preguiça que digo isso, já que até mesmo dentro desse período nem tenho tanto descanso quanto se pode imaginar, levando em conta minha personalidade agitada e repleta de anseios. Voltar à ativa tem certos benefícios e malefícios. Não é tão complicado se re-acostumar ao cotidiano. O problema tá no tempo. Ele passa rápido e a gente quase não vê. Daqui a exatos cinco meses lá estarei eu celebrando mais um intervalo nas minhas atividades e proclamando a vocês essas mesmas palavras. Uma coisa interessante é que a nossa perspectiva sobre o tempo em si quase nunca costuma brecar ou mudar. Enfim, enquanto todo mundo tá ainda saboreando os indicados ao Oscar desse ano & companhia, eu, já tendo adiantado nessas férias a minha cota de filmes do prêmio, muito embora ainda tenham ficado pra trás muitos outros candidatos importantes, vou tentando esvaziar aos poucos a minha superlotada lista de filmes para ver. 

Isabel Coixet é um caso à parte. A diretora espanhola, possivelmente uma das melhores cineastas mulheres em exercício dos últimos tempos, possui uma filmografia invejável, tendo a mesma já trabalhado ao lado de intérpretes do naipe de Tim Robbins, Rinko Kikuchi, Gabriel Byrne, Penélope Cruz, Miranda Richardson (ok, fui num curta, mas não deixa de ser concorrível), Sarah Polley, Mark Ruffalo, Maria de Medeiros, Alfred Molina, Julie Christie e mais recentemente Juliette Binoche (em Nobody Wants the Night, que nem deu sinal de vida quanto a lançamento internacional, quem dirá em território nacional; parece que o filme só foi lançado na Espanha, estando ele indicado a um bocado de Goyas nesse ano). Embarcam, nessa mesma ida de atores extraordinários que colaboraram com Coixet, os dois protagonistas de Learning to Drive, a ótima Patricia Clarkson e o sempre memorável Ben Kingsley.

Em Learning to Drive, Patricia vive uma crítica literária desolada com o abandono repentino do marido, pouco após a revelação de adultério. As meras coincidências da vida a levam até um motorista hindu, que trabalha como taxista e também dá aulas de direção. Convencida pela filha, que mora no campo, a mulher decide levar à frente aulas de condução com o gentil indiano, Darwan, que parece ser a única pessoa no mundo capaz de aturar as frenesis e o temperamento conturbado de Wendy, que sempre anda distraída e nervosa, sem se concentrar direito, ainda mais quando a mesma adentra as negociações do pedido de divórcio (ela até tenta seduzir o marido numa cena, a fim de encerrar a separação). 

Ainda que Learning to Drive seja um trabalho menor na carreira de Isabel, frágil e liricamente pedante, não deixa de ser gostoso acompanhar o ritmo da trama, e o desenrolar da amizade entre o motorista e a crítica de literatura. Learning to Drive fica apenas dividido entre o gênero romântico e a comédia dramática, o que pode em vezes confundir a cabeça do espectador, ou até de quem é atraído pelo filme na esperança de ver uma comédia romântica, o que pode ser bastante desapontante. A doçura da história, a naturalidade em seu caminhar, o humor discreto e o clima bon vivant podem conquistar quem busca por um filme mais leve e descontraído. De qualquer maneira, não há como detestar Learning to Drive. Pode até ser uma produção pequena, mas tem lá seus momentos. A dupla Kingsley (numa atuação impecável, por via das dúvidas) e Clarkson numa química imperdível. Learning to Drive também não foi lançado (ainda, quem sabe?) no nosso circuito. Chega a ser até vergonhoso pra distribuidora, que poderia ganhar uma nota bancando o longa nos cinemas nacionais (sucesso financeiro o filme muito provavelmente seria).

Learning to Drive
dir. Isabel Coixet - 

terça-feira, 26 de janeiro de 2016

Adeus, ABE VIGODA (1921 - 2016)


Nos deixou nesta terça o ator Abe Vigoda, o Sal Tessio de O Poderoso Chefão. Abe completaria 95 anos mês que vem (dia 24) e, segundo a sua filha, ele morreu de causas naturais. Além da sua participação notória nos dois primeiros filmes da trilogia O Poderoso Chefão, Abe também tem no currículo Olha Quem Está Falando. O ator também mantinha vários trabalhos na TV, tendo sido inclusive nomeado a 3 Emmys, sem vencer nenhum. Adeus, Vigoda. :(

segunda-feira, 25 de janeiro de 2016

Crítica: "COLATERAL" (2004) - ★★★★


Rapaz, tenho um punhado de filmes do Michael Mann separados aqui pra ver. Noite passada pensei em pegar Miami Vice, mas lembrei que Colateral tava pintando lá no Netflix. Faz uns anos o filme passou na Globo e eu comecei a ver bem no meio, mas acabei dormindo. O último filme que vi do Mann fora esse foi Hacker, e digamos que ele não me agradou muito. Ver Colateral já era uma dívida há tempos. E eu até que gostei, viu. Mais do que imaginava. Michael Mann capricha na condução de um filme de ação equilibrado e de tirar o fôlego, temperado pelas performances incríveis dos protagonistas Tom Cruise e Jamie Foxx (que até foi indicado a um Oscar, em 2005, pela sua performance aqui). 

O filme começa e o já típico recurso câmera tremida do Michael Mann nos recebe (é o que eu mais adoro no cinema do Mann, pra ser objetivo). Não demora muito e o público é exposto à ação radical e extrema, da velha e boa ida do cinema de Mann. É uma sensação tão gostosa que é um crime pausar a sessão sob qualquer circunstância. 

O Jamie Foxx interpreta um motorista que trabalha em turnos noturnos como taxista, e que dá uma corrida a um tempestuoso assassino (Tom Cruise), que foi encomendado para matar cinco pessoas naquela noite, e que usa o taxista como cúmplice do crime, forçadamente. O taxista se vê sem saída, confinado àquela situação deplorável sem ter para onde correr. Apesar dos esforços, ele nunca consegue encontrar um escape. E somado à seu nervosismo, tudo só piora. É aí que ele começa a reagir violentamente, à sua maneira, aos abusos do matador, buscando a cada momento tentativas de se livrar do impiedoso Vincent. 

Colateral, no geral, é um deleite. Mais que isso, um prestígio. Quanto às sequências de ação, cada uma mais excepcional do que a outra. A ação em Colateral tem gosto de rush, é decorada por sustos e pulos, e deixa qualquer um à beira da poltrona. Não tem como reclamar desse filme brilhante. Simplesmente não há como. 

O roteiro (escrito por Stuart Beattle) é o ponto forte de Colateral. A todo instante, o filme nos transmite a sua pulsante adrenalina, mixando energia e ritmo ao seu bombástico clímax. A química que se constrói entre o assassino de aluguel (Vincent) e o taxista (Max) fixa uma amizade corrompida e temperamental entre ambos que perdura por todo o filme, e que é divertidamente atenuante de se acompanhar. Dois homens, cinco paradas, um só destino. Colateral é um filme astuto e vigoroso. Ação pra todo canto. Michael Mann mais uma vez prova-se o mestre da ação com esse glorioso monumento em seu currículo. Por último, merecem destaque as rápidas performances do ainda pouco conhecido Mark Ruffalo e da Jada Pinkett Smith. 

Colateral (Collateral)
dir. Michael Mann - 

Crítica: "ANOMALISA" (2015) - ★★★★★


2016 mal começou e uma porrada de filmes excelentes entraram em cartaz só neste mês de janeiro. O ano será cheio, camaradas. Filme vai, filme vem, aparece Anomalisa, esse trabalho divino, o mais novo projeto do Charlie Kaufman, aventurando-se pela segunda vez à frente da direção de um filme (já se passaram oito anos desde Sinédoque, Nova York). Porém, como é de costume o forte do gênio, que aqui compartilha o crédito de diretor com Duke Johnson, é o roteiro fabuloso, adaptação de uma peça teatral do próprio Kaufman. O fato de que Anomalisa é um filme de animação já despertava no público cinéfilo e fãs interesse e estranhamento desde que o filme fora anunciado ano passado, justamente quando ele ingressou na lista de filmes em competição da mais recente edição do Festival de Veneza. 

E, vista a maravilha que o filme é, pode-se afirmar que toda a atenção a ele concedida durante o período do festival, onde ele até conquistou um prêmio, e também nesta temporada de premiações, foi recompensada. Anomalisa é imperdível. Uma especial anomalia dentro de seu gênero, anomalia que pode ser interpretada tanto como uma amável surpresa ou como uma espécie de reforma. O certo é que o filme é inusualmente prazeroso de se ver, constituído de momentos simplesmente únicos, sem falar que é em si maximamente bem-feito, um estouro cinematográfico de primeira ordem. 

Em Anomalisa, um escritor britânico, Michael Stone (voz de David Thewlis) desembarca em Cincinnati para divulgar seu novo trabalho, um livro de auto-ajuda motivacional. Ele se hospeda em um grande hotel da cidade e logo lá inicia um romance com uma leitora sua, Lisa (voz de Jennifer Jason Leigh). 

De tão humano e profundo que é, Anomalisa deprime a gente. Chega a ser até mais melancólico do que Brilho Eterno de uma Mente sem Lembranças, pra ser honesto. Mas por mais esquisito que soe, isso sustenta o romance entre a "Anomalisa" e o escritor. A historinha de amor entre os dois, espontânea e divertida em certos quesitos, empossa de quebra essa melancolia, e independente desse elemento funciona brilhantemente como chamariz romântico.

A estética de animação do filme, slow-motion, é minimalista e agradável de se observar. Anomalisa caminha em passos lentos, o que lhe confere naturalidade e precisão, e ainda sim nos permite analisar de perto as minúcias da técnica slow-motion, muito bem trabalhada aqui. Anomalisa, apesar das auto-referências onipresentes a Brilho Eterno de uma Mente sem Lembranças (há uma cena onde o personagem principal, Michael, tem um pesadelo, que lembra perfeitamente de um fragmento do filme em questão), lembra mais de Encontros e Desencontros, filme que também tinha como cenário recorrente um hotel e se centrava no romance entre um ator de meia-idade (Bill Murray) e a jovem esposa de um fotógrafo (Scarlett Johansson), relação que lembra bastante a da Lisa e a do escritor aqui de Anomalisa.

Sei que ontem estava bastante emotivo, mas chorei demais na cena em que a Lisa vai até o apartamento do escritor e canta "Girls Just Want to Have Fun", onde até mesmo o personagem Michael chora. É muito bonita de se ver mesmo. Possivelmente não verei cena mais emocionante nesse ano, so far. Essa cena, embora não seja idêntica, lembra em certos aspectos a sequência final de Antes do Pôr-do-Sol (texto 1texto 2), onde a Celine canta para o Jesse "A Waltz For a Night", também de força emocional eletrizante.

Embora não seja o melhor trabalho do Kaufman no roteiro (na direção, Anomalisa com certeza supera Sinédoque, Nova York), Anomalisa fica na frente e imortaliza como mais um estudo romântico e existencialista por sobre as relações humanas e conflitos amorosos. Anomalisa cativa porque exibe como é amor verdadeiro é e deve ser. Em Anomalisa, todos os outros personagens, à parte do principal e da Lisa, são dublados pela mesma pessoa (Tom Noonan). À procura de um amigo, Michael acaba batendo na porta errada e se encanta com uma moça recém-saída do banho, a Lisa. Ela e ele são as únicas pessoas no filme com vozes diferentes, dubladas por outros dois atores que não sejam o Tom Noonan (neste caso, Jason Leigh e Thewlis), dando a entender que é esse o visual do true love: encontrar um alguém único, diferente de todo mundo. E a gente, como o escritor entediado e desanimado de Anomalisa, vai saber quando essa pessoa vier, de uma forma ou de outra.

E, muito embora o desenrolar do filme pro final ganhe uma perspectiva diferente dessa apresentação, uma perspectiva até pessimista, porém realista, não há problema em identificar o que ele quis dizer com a representação do amor verdadeira e como isso define o que há de mais intenso e relevante em Anomalisa. Há quem se desaponte com o desabrochar da história, mas é algo infelizmente compreensível, e não dá pra negar que esse contraste é o que, de fato, movimenta a trama. Triste, porém crível. O clima monocromático da história justifica-se. É de partir o coração. Ninguém é perfeito. Todos temos defeitos.

É interessante ver como certos fragmentos do filme se comportam de maneira romanticamente densa e marcante pra gente. Gosto de pensar dessa maneira daquele segmento do pesadelo, onde o personagem do Michael começa a correr doido pelo hotel temendo perder a amada: "Eu sempre perco todo mundo. Não quero te perder". É uma das falas mais românticas do filme. [spoiler de mínimo efeito à frente] A cena que encerra o filme também é bastante emocionante e cruelmente romântica. A Lisa escreve uma carta para o amado, dizendo ter achado num dicionário de japonês a palavra "anomarisa", que significa "deusa celeste". Logo a seguir ela termina: "Não estou supondo que eu seja uma, mas é interessante... Espero que nós voltemos a nos encontrar sob melhores circunstâncias...". Essa sequência sim possui a melhor fala de todo o filme, e mais romântica.

Acho fofo o grande "quê" do título "Anomalisa", que na verdade é o apelido que Michael dá a Lisa depois que eles se conhecem. A moça, que trabalha como telefonista num setor de vendas, e se hospedou no hotel mirando nessa visita uma espécie de férias, já que ela alegava não ter nem mesmo dinheiro para pagar a hospedagem junto à amiga, tem uma cicatriz no rosto, que sempre costuma cobrir com uma mecha do cabelo. Ela, já no quarto do Michael, diz que a todo momento lia o livro agarrada a um dicionário, já que desconhecia a existência de certas palavras ali colocadas. Numa parte, ela menciona o Brasil, mencionando um fato sobre o nosso país, dele ser o único país do continente americano a falar português, muito desconhecido pelos americanos. Ela diz isso depois de mencionar o português como uma de suas línguas favoritas, afirmando gostar de alguns cantores nacionais. É aí que, após mencionar essa curiosidade sobre a nossa língua, ela define essa "preciosidade" como "anomalia". O escritor, romanticamente, a apelida de "Anomalisa". É muito lindo. Também gostei muito da parte onde ele pede a ela permissão para beijar a cicatriz que ela tem na testa.

Sensibilidade e delicadeza romântica é o que não falta em Anomalisa. Eu gostei pra caramba. Só sei disso. Me emocionou profundamente, lá no fundo. Digo isso com toda a certeza do mundo. Belíssimo. Belíssimo. E mais belo ainda do que isso. Tocante como nenhum outro. Enfim, folks, isso é Anomalisa. A ótica Kaufmaniana tarda (como dito, são quase dez anos desde o último trabalho do roteirista) mas nunca falha. Nesta animação adulta (até cena de sexo explícito e nu frontal tem; pais, essa animação não é para os pequeninos, mas para vocês), Charlie redesenha seu complexo universo lotado de simbolismos filosóficos e paradigmais numa história simples e emotiva, um romance energético e fabuloso. Anomalisa é tudo isso, um amor de filme!

Anomalisa
dir. Charlie Kaufman, Duke Johnson - 

domingo, 24 de janeiro de 2016

Crítica: "O REGRESSO" (2015) - ★★★★★


Alguns filmes são desprezados e minorizados por bobeira. Esse é o caso de O Regresso. Sem querer tirar a razão de quem achou de O Regresso um trabalho menor (até porque o filme tem sim certas imperfeições, pra ser honesto). E da mesma forma vejo a relação do público e da crítica com o cineasta mexicano Alejandro González Iñárritu. Um dos maiores diretores em atividade dos últimos tempos, Iñárritu tem mais haters do que seguidores. Isso é fato. E uma pena também, tratando-se de um diretor talentoso, com filmes bons (e raros; no bom sentido) no currículo, uma ideologia miraculosa e bem-vinda. Só é mal-compreendido e subestimado. 

Na melhor das hipóteses, o diretor, mesmo já tendo trago ao mundo tantos títulos apetitosos e primorosos, tais como o maravilhoso Birdman (yeah, bitches, eu gostei sim de BatBirdman, viu?), o profundo 21 Gramas, os da terra natal, Amores Brutos e Biutiful, e também o do Planeta Terra inteiro, o razoável porém potente Babel, ainda tem mais a nos mostrar. Ele ainda está engatinhando. O Regresso não é seu melhor filme, mas não deve e sequer pode passar despercebido na sua filmografia. É poderoso e bonito pra cacete e, vencedor ou não do Oscar, resplandece como definitivo merecedor da estatueta, ainda que não seja o melhor filme dentre os candidatos desse ano.

Depois de um ano de muitos sucessos, Iñárritu nos presenteia novamente com um filmaço estremecedor, fortemente delicado e intenso ao mesmo tempo. O Regresso não supera Birdman, mas acho que não era pra superar mesmo, sabe? A gente costuma achar à toa que todo filme novo de um diretor tem como objetivo ser melhor do que o anterior. E, em partes, isso é verdade. Afinal, é com os erros que se aprende. E a carreira do Iñárritu é principalmente caracterizada por essa ordem evolucional. Ainda que este seja o provavelmente filme mais ambicioso dele, lá no fundo O Regresso é regado a modéstia. O longa se sustenta numa premissa despretensiosa, e com ela consegue reverter audácia em naturalidade. Iñárritu passa a impressão de que modelou O Regresso na singeleza de uma obra de arte, uma pintura, de veia complexa e multifacetada.

Em O Regresso (que titulozinho mais horrendo, hein? Traduzido do original, ficaria mais ou menos O Ressuscitado ou O Renascido), Hugh Glass (o homem existiu de verdade, foi um explorador de descendência irlandesa que realizava expedições em territórios indígenas) deseja fazer fortuna caçando e conquistando territórios no indócil oeste americano, até que é gravemente ferido por um urso numa floresta e fica à beira da morte, com seus companheiros de caça cogitando sacrificá-lo para evitar o sofrimento (a tão comentada cena do ataque do urso é excepcionalmente eletrizante). 

Após uma decisão, o capitão da trupe desiste da missão e recruta três membros de sua equipe para tomar conta do moribundo Glass até a sua partida. Entre esses três homens, está o filho de Glass, de origem nativa, um outro membro da turma de exploradores (Jim Bridger) e o carrasco vilão John Fitzgerald, que trabalha na expedição e vive reclamando e confrontando Hugh. 

Por conta do diretor de fotografia Emmanuel Lubezki, O Regresso é um filme que lembra distintamente de diversos filmes oriundos do diretor Terrence Malick, entre eles Além da Linha Vermelha, O Novo Mundo e A Árvore da Vida. Indiretamente, O Regresso adquire esse ar Malick que perdura até o final. Entre semelhanças e diferenças, O Regresso se assemelha bastante a O Novo Mundo, muito até pela temática quase que gêmeas dos dois, o Lubezki, e por aí vai. O filme fica até mais confortável de se ver com essa referência muito justa à Malick.

Leonardo DiCaprio declarou recentemente que O Regresso foi o filme mais difícil que ele já fez na sua vida. Quem dera ele dissesse que foi o mais fácil! A performance do DiCaprio é realmente uma joia rara. Um dos prazeres mais colossais de O Regresso fica por conta da sua atuação estrondosa, capaz de silenciar a voz de até mesmo outras performances da carreira do intérprete. Quem vê pensa que é exagero, mas essa é realmente a melhor performance do Leonardo. Diga-se de passagem (pelo menos), já que ainda estou digerindo o efeito avassalador da obra, assim como o do desempenho do Leo, e isso meio que ofusca a minha memória quanto às demais grandes performances que ele já nos brindou.

Se em Birdman tínhamos como protagonista um ator iludido e perdido em seus devaneios sem rumo e sem enxergar uma razão para continuar a viver em meio ao fracasso, e que justamente mantinha nesse contexto angústia, depressão e tortura, o Hugh Glass de O Regresso, no que diz respeito à esse contexto, supera bastante o Riggan Thomson de Birdman. E eu não tô brincando não, cara. Até parece que o Alejandro convidou o Lars Von Trier pra co-dirigir o filme. O sofrimento do explorador no filme é sem tamanho. Ele fica praticamente confinado a um coma depois de um perverso ataque por uma fera, depois disso volta a se acidentar e assustar o espectador novamente numa sequência de perseguição adrenalística, sem contar no final e, enfim. Sofrimento é o nome de Hugh Glass. Mas o cara permanece fiel ao seu lema (Enquanto você continuar respirando, você continua lutando) desde o primeiro momento de vida de O Regresso até a mortífera sequência de combate que encerra o longa, a melhor cena de todas do filme, particularmente. 

Salvo pelas cenas de ação bem filmadas e pelos cenários, O Regresso foi relacionado ao gênero faroeste, o que ele em partes surpreendentemente é. Muito embora seja adepto deste, O Regresso é mais um drama do que um faroeste em si. E, tratando-se de um western, isso pode desapontar muita gente, ainda que o filme seja um exemplar dilacerante do gênero. Um olhar renovado, digamos. O diretor enquadra O Regresso no seu padrão estético visual e o resultado é admirável. Essa atenção especial com o visual se conecta perfeitamente à autenticidade western que o filme assina. Tudo a partir daí só passa a conspirar mais para o sublime. 

O Regresso mexe muito com os nossos sentimentos. Isso meio que faz parte da natureza do filme, então não é bizarro se emocionar diante dos belos momentos que a câmera capta, sendo estes os surreais landscapes que enchem os olhos ou até mesmo um rápido fragmento (exemplo disso é a cena em que um pombo branco sai de dentro de uma perfuração no peito de uma mulher indígena morta, perfuração provocada por um tiro). A narrativa de O Regresso estuda e reflete sobre o luto, as faces da coragem, o instinto de sobrevivência, a adrenalina, espíritos que rondam a perplexa jornada de Glass. Todos esses elementos somados sintetizam numa química brilhante e abismadora.

Mais uma vez, Lubezki capricha no visual, e vem nos encantar com esse vendaval de emoções que é a fotografia de O Regresso, a cada passo, a cada movimento uma paisagem do paraíso no inferno, um céu lilás cobrindo uma superfície branca de neve. É impossível não amar. Visualmente falando, O Regresso é um estrondo, uma experiência exótica e fabulosa, rara vez em que se vê na beleza de um cenário, de um reflexo, a perfeição aos olhos. É uma magia tão poética e tocante que não consegue ser descrita em palavras. Só vendo é que se percebe. Mítico.

Algumas sequências chegam a ser tão inacreditáveis (como a já icônica cena do ataque do urso), falando em tecnicismo, que a gente, tentando encontrar uma resposta na mente, se perde. É tão inexplicavelmente certinho, no bom sentido. Não há erros, nada parece falso em O Regresso. E não é pecado imaginar, diante da já mencionada cena do urso, que realmente colocaram a fera em cena para lutar com o DiCaprio. Vai saber, não? O Regresso carrega nitidamente uma inspiração revolucionária, lotada de detalhismos. Tão natural e realista, inimaginavelmente criativo, que não há como se sentir, mesmo aqueles que não gostaram do filme, presenteado, privilegiado. O Regresso contribui imensamente à arte que serve, em diversos formatos, sob muitos ângulos. Iñárritu conclui mais um trabalho firme e sadio, primoroso e sem igual, selvagem ao máximo, ricamente emocionante. O espetáculo da vida em forma de aventura. Plausível. O Regresso é demais. Não ousem perder por nada.

O Regresso (The Revenant)
dir. Alejandro González Iñárritu - 

sábado, 23 de janeiro de 2016

Crítica: "THE HUNTING GROUND" (2015) - ★★★


The Hunting Ground tinha tudo pra ganhar o Oscar em Documentário. É pouco provável, ainda que não impossível, que a Lady Gaga vença em Melhor Canção Original pelo tema bacana do filme indicado, "Til It Happens to You". O certo é que The Hunting Ground nasceu com esse rosto de documentário de Oscar, e, ironicamente, foi esnobado na categoria em questão. Tô começando a achar que a categoria que mais esnoba filmes no Oscar não é Melhor Filme, mas sim é a de Documentário, viu? No seu projeto anterior, que diferentemente deste foi indicado, The Invisible War, o documentarista Kirby Dick tratou de uma temática bastante semelhante a deste filme aqui: abusos sexuais no serviço militar americano. Em The Hunting Ground, Kirby aborda os altos índices de estupro em diversas universidades americanas. Se você é daqueles que curte documentário investigativo, corre pra ver The Hunting Ground.

O documentário é abarrotado de depoimentos de vítimas que foram violentadas durante a faculdade, sem falar na minuciosa pesquisa conduzida por Kirby, que aponta para polêmicos dados e percentuais sobre a numerologia de estupradores e vítimas, medidas tomadas pela universidade responsável (expulsões ou providência judicial), aumentos significativos. The Hunting Ground funciona basicamente como um perfeito filme-denúncia. 

A injustiça é evidenciada aos berros. Pobres as moças que foram violentamente abusadas (a grande parte dos depoimentos das vítimas demonstra que durante o abuso sexual elas também foram gravemente agredidas fisicamente) e tiveram de ser confinadas a uma lembrança tão pesarosa e medonha como a de um abuso sexual. Uma tortura. Será que elas conseguiram controlar essa memória? Quero dizer, será que elas realmente conseguiram superar o choque do abuso, com tanto medo e tanta vergonha? É muito triste pensar que uma mulher estuprada tem de conviver com essa amarga recordação pro resto da vida. É inapagável. 

Por ser um documentário simples, cuja força concentra-se no poder de seu protesto e dos depoimentos tocantes das ex-universitárias violentadas, não fiquei tão impactado. E, sinceramente, esperava ficar mais impactado com The Hunting Ground. O bom é que o filme é ótimo do jeito que é, sem muitos charmes e rodeios. O cinema documental em seu melhor, estraçalhando tabus e levantando questões de vital importância à nossa atualidade, com tantas mulheres se abrindo nas redes sociais ultimamente, detalhando experiências anteriores com o estupro, a grande parte desses depoimentos passados na infância das vítimas, cada conto mais repugnante e eletrizante do que o outro. The Hunting Ground, em partes, também vive para isso. Para desmascarar e convidar a quem sofreu abuso não ter medo de se revelar. Esconder só piora o estado das coisas. Como o título do filme sugere, estamos vivendo num território de caça. Muito triste.

The Hunting Ground
dir. Kirby Dick - 

sexta-feira, 22 de janeiro de 2016

Crítica: "CINCO GRAÇAS" (2015) - ★★★★★


Seria um pecado inadmissível, por parte da infame distribuidora nacional e do próprio público também, deixar um trabalho do naipe de Cinco Graças passar em branco no nosso variado catálogo de lançamentos. Cinco Graças entrou em cartaz de fininho, nos cinemas de "acesso restrito" de Sampa, nesta quinta-feira. É uma pena, porque trata-se de uma obra divina e que, certamente, merecia um amplo divulgamento no nosso circuito. 

Quem não tem acesso às grades de cinema mais refinadas perde a chance de testemunhar um evento cinematográfico incomparável e desnorteante como Cinco Graças é. O drama, que representa a França (o mais irônico é que Cinco Graças não é francês, mas sim turco) na corrida do Oscar de Melhor Filme Estrangeiro desta edição, foi indicado anteriormente ao Globo de Ouro na mesma categoria e teve a sua première na última edição do Festival de Cannes, e trata-se do filme de estreia da diretora turca Deniz Gamze Ergüven, co-produção conjunta francesa-turca-alemã. 

Em Cinco Graças, as graças do título, cinco irmãs adolescentes, vivem num vilarejo no interior da Turquia, e tem suas vidas abaladas por uma severa transformação, que as impede de ir para a escola e ter vontade própria. As garotas começam a ser vendidas em casamento pelo tio em parceria com a avó, tradicionalistas. Oprimidas, elas não se calam e vão à luta, à procura da liberdade do ser e do espírito. Elas ignoram, cada uma à sua forma, a prisão que as cerca na própria casa. A avó das meninas as obriga a exercer determinadas atividades domésticas e cabíveis ao matrimônio, trilhando as velhas "normas e padrões" da cultura tradicional do lugar. 

Ainda mais nos dias de hoje, com a figura feminina estendendo-se em chamado à aceitação global da igualdade entre os sexos e a liberdade da mulher, proferida em alto e bom som pela voz do feminismo progressivo, Cinco Graças faz-se um filme necessário, essencial, especial. A mensagem de Cinco Graças reflete bem nessa nossa atualidade mais feminina, pensante e viva. Afinal, estamos atravessando um momento único na história. 

A mulher dos tempos modernos abraça um pensamento virado para o conceito de melhores condições de vida, respeito e reconhecimento. Isso por todo o mundo. Se a união faz a força, não há como negar que esta é indubitavelmente uma fase histórica de muitos acertos. A união é, portanto e finalmente, o motor do tão almejado idealismo revolucionário. Que assim continue, cultivando em meu refletir a melhor das esperanças. Enquanto isso, o grito de igualdade prossegue ecoando infinitamente pelos ares.

Acompanhar Cinco Graças em partes é de uma tristeza só. Não é dó, mas sim tristeza, um imenso pesar, ter de enfrentar essa realidade que ainda sim é persistente e presente em muitas regiões do planeta. Sim, os direitos inalienáveis da mulher ganham imensa notoriedade, como nunca antes foi, mas à frente se tem um longo caminho a percorrer. A violência se mantém existente, os preceitos afiados, o tradicionalismo de cabeça erguida.

Aqui, as cinco garotas só querem ser livres. E nada mais. Mas as grades da gaiola são mais largas do que as garras do sonho de liberdade. Triste realidade, se bem que o final do filme aponta para essa progressão em muitos aspectos positivos, mesmo que a jornada das cinco termine incompleta. As doces jovens passam por maus bocados nas mãos da família conservadora e que se impõe à mudanças de hábito. É um choque inevitável. Elas acabam sendo vitimadas. Mas não há culpados. Visto de um ângulo, o tio e a avó das cinco graças são personificações vilanescas dentro da trama, mas quem pode culpá-los, tendo ambos nascido num ambiente ignorante e primitivo, oculto à qualquer brusco, ou ao ver deles, desconhecido idealismo de transformação? Quero dizer, eles não estão certos, mas eles também foram vítimas, não? É uma hierarquia, praticamente. 

Cinco Graças impulsiona esse novo pensar a certo modo; reforça o idealismo revolucionário de uma nova mulher. Não há regras. Nunca houve, de fato. De mínimas a máximas imposições e limitações, a mulher não pode viver sob comandos. Use burca ou shortinho, a figura feminina está destinada a ostentar liberdade, de mente e de corpo. 

O filme funciona ambiguamente como uma denúncia, um retrato geográfico e protesto à sociedade conservadora. Alada à diretora francesa Alice Winocour, Deniz Gamze fabrica um roteiro autêntico e que abre porta para diversas interpretações. Os diálogos são excepcionais, cada sequência melhor que a outra. A construção do clima de tensão nas cenas mais atribuladas é divina. 

Muitos trabalhos cinematográficos vão ficando melhor à medida em que se pensa neles. Cinco Graças, justamente por conta da recenticidade da sua abordagem e por outras temáticas assemelhadas, vai subindo no nosso conceito com o passar do tempo. E não é nem questão de ser um filme complexo, o que Cinco Graças não é. Mas o grande quê que o faz algo notável é que ele é atemporal. 

O longa se sustenta numa premissa inteligente e certeira, não óbvia mas concreta e original. A força do elenco empenhado só engrandece mais a qualidade de Cinco Graças, internamente e externamente. O segredo pra aproveitar o filme bem, do jeito que ele é, é não encará-lo como um desafio. À parte da seriedade da temática, Cinco Graças se equilibra na leveza da juventude e na sua beleza extraordinária, exoticamente filmadas pela lente da Ergüven (curiosidade: ela dirigiu o filme grávida). A narrativa do filme é simples e descomplicada, no entanto profunda e elétrica. Cinco Graças é admirável, encantador, belíssimo. Uma definitiva surpresa. 

Cinco Graças (Mustang)
dir. Deniz Gamze Ergüven - 

Crítica: "UM MISTERIOSO ASSASSINATO EM MANHATTAN" (1993) - ★★★★


O primeiro filme do Woody visto em 2016. Esse ano, tentarei quebrar o recorde de vez e ver todos os outros filmes que ainda não vi dele. Só em 2015 foram 14 novos vistos (incluindo o mais recente, Homem Irracional). Ao todo, somam 31 de 46. Faltam apenas 15. Mas, enfim, deixando essa numerologia de lado, vamos analisar Um Misterioso Assassinato em Manhattan. Como já é de costume, é mais um trabalho fenomenal do Woody, garantia de um roteiro competente, uma narrativa gostosa de se acompanhar, sem falar que simplesmente não dá pra dizer não aos sutis charmes da obra.

A câmera trêmula de Um Misterioso Assassinato em Manhattan acompanha um típico casal nova-iorquino dos filmes do Woody, que vive de briguinhas mas que não conseguem ficar separados nem sequer por um minuto. Larry e Carol Lipton se espantam com a notícia da morte espontânea de uma recém-conhecida vizinha, que teve do nada um infarto e veio a falecer. O marido nem dá tanta importância, mas a esposa fica obcecada pelo caso, não se dando por satisfeita com os resultados da investigação policial. Ela própria inicia uma investigação quando passa a dar conta de certas estranhezas no caso, começando pelo marido da falecida, cuja reação à morte da mulher é indiferente demais pra ser altruísta.

Esta é a quinta e última parceria em tela como casal do Woody Allen e da Diane Keaton. O reencontro dos dois é divino, muito embora a Diane Keaton apareça bem mais do que o Woody, que é praticamente um coadjuvante na história, o que não é nem um pouco problema. É muito interessante ver como, mesmo depois de tanto tempo, a química dos dois permaneceu firme e forte, de fato viva.

Keaton faz o papel dessa dona de casa, Carol Lipton, cuja vida desinteressante logo se agita diante do misterioso caso da vizinha, que logo desperta nela interesse. Ela traça uma minuciosa investigação ao lado do amigo próximo Ted (Alan Alda), um escritor ocasional que está ajudando ela a organizar um restaurante, e que logo se apega ao suspense do caso que ela persegue. Lá pro meio do filme, a coadjuvante Anjelica Huston, no pele da escritora Marcia Fox, vem pra roubar a cena, novamente, como em Crimes e Pecados.

O Woody repetiu essa mesma combinação de suspense + comédia mais à frente com Scoop - O Grande Furo O Escorpião de Jade (tem uma cena em particular, quando a Carol invade o apartamento do homem viúvo, que lembra bastante do filme de 2001), em partes bem-sucedidas, mas não tão quanto Um Misterioso Assassinato em Manhattan, isso lembrando que revi recentemente Scoop, trabalho que não tinha gostado nem um pouco da primeira vez que vi, e confesso que o filme subiu significantemente no meu conceito. Dá até pra citar outros exemplares fora da filmografia do Woody, que tematizam o suspense e a comédia como um só, mas nenhum deles é tão bem construído como os dele, que consegue extirpar até mesmo dos menorezinhos façanhas gigantescas.

Fica apenas atrás de Tiros na BroadwayDesconstruindo HarryTodos Dizem Eu Te Amo e Simplesmente Alice, mas se sobressai como um dos melhores filmes da fase anos 90 do Woody. O roteiro, pelo menos, é sensacional. É incrível como o trabalho foi ignorado no Oscar, em especial na categoria de Roteiro Original. Allen volta a trabalhar com Marshall Brickman, o co-autor do roteiro de Noivo Neurótico, Noiva Nervosa. O surpreendente é que o filme consegue surpreender por ser recheado de reviravoltas tão facilmente. A gente acaba caindo na brincadeira à la Sherlock Holmes deles, inocentemente. E é tudo muito prazeroso.

O resultado é triunfal. Woody Allen mistura ele mesmo, Hitchcock, Scooby-Doo e Sherlock Holmes e dá no que dá. A brincadeira de investigação do quarteto de personagens formado pelos Lipton, Ted e Marcia Fox agrada e cativa. O desfecho da narrativa é decorado por surpresas e formosidades. A fotografia do Carlo Di Palma proporciona ao público a experiência única de ver um filme do Woody Allen num posicionamento alternativo pouco usado por ele (acho que só dá pra comparar com Desconstruindo Harry). Como o tema musical dos créditos sugere, Woody também encontra espaço para expressar seu amor, mais uma vez, a Nova York, a cidade das mil e uma aventuras, de ritmo constante e incansável, de encontros e desencontros. Não dá pra deixar Um Misterioso Assassinato em Manhattan passar em branco.

Um Misterioso Assassinato em Manhattan (Manhattan Murder Mystery)
dir. Woody Allen - 

quinta-feira, 21 de janeiro de 2016

Crítica: "ESTRADA PERDIDA" (1997) - ★★★★★


Mais uma aventura surreal by David Lynch. Que filme! Ninguém sabe fazer cinema como esse gênio. Em Estrada Perdida, ele prova mais uma vez que em seus filmes ele não é apenas o diretor, mas sim o mágico, o experimentalista, o bruxo, o psicodélico esteticista, bolando a sua arte e seu mistério, seu estilo e seu enigma, às escondidas, nos perpetuando à deliciosa incompreensão. Só Lynch consegue proporcionar experiências desse gênero, de deixar o espectador atormentado, comovido e enfeitiçado (tudo ao mesmo tempo). Estrada Perdida é mais um achado genuíno em sua filmografia, um filme que, até mais do enigmático é, porque não?, divertido.

Sim. Estrada Perdida é um trabalho divertido. É claro, não insinuando que seja um filme divertido no sentido de ser engraçado. Estrada Perdida é uma montanha russa. Dá pra apreciar de bom tamanho o filme sem necessariamente compreendê-lo. Esse é muito provavelmente o filme do David que menos exige do nosso entendimento para cativar. Isso é o que faz desta obra uma joia rara, até mesmo para a filmografia do David Lynch, que é composta de filmes de difícil compreensão, bizarros e repletos de enigma. Quem conhece de perto o cineasta não se desaponta com Estrada Perdida.

Se existe um filme parecido com Estrada Perdida, mesmo que distantemente, esse filme é o francês Caché, que ainda sim está redondamente longe dos propósitos e das ambições deste aqui, ainda que ambas as tramas destes dois tenham lá as suas semelhanças. Estrada Perdida começa com um casal que vai à loucura com as frequentes entregas de fitas VHS na mansão onde vivem. As fitas incluem filmagens de fora da casa dos dois e de dentro, tendo até mesmo num desses vídeos fragmentos deles dormindo em um quarto. Aborrecidos com essa invasão, os dois decidem contatar dois detetives para dar início a uma investigação. No meio do filme, há uma brusca e esfíngica transição, ou melhor: inversão. O marido, um saxofonista, é preso acusado de ter assassinado a mulher.

Essa metamorfose é um ponto importantíssimo para a trama de Estrada Perdida. É aí que a gente percebe: "o Lynch tá tentando dizer alguma coisa". Mas, o que mais atrai no filme não é como o Lynch vai fabricando pistas e códigos. É a linguagem que ele usa para transpor esses eventos cabalísticos em filme que mais nos ganha e instiga. É genial como esse conto obscuro ganha vida sob os moldes do mestre, moldes que o transformam num sonho. Ou pesadelo, se formos ver de outra maneira. O resultado é chocante, mas reconfortante.

Estrada Perdida é um suspense artificial com ritmo. David Lynch trabalha bem a sua surrealidade em prol do equilíbrio entre esse mistério insolúvel que alimenta diretamente a trama e a sua parcela de bizarrices e soturnidades (pequenas obsessões Lynchianas). A gente vai acumulando questões na mente, mas o filme é tão ininterrupto que elas vão se dissolvendo com naturalidade na insobriedade da película. Passa cena e cada sequência vai saindo como nova, mesmo com aquele ar já renomado de incompreensão deixados pelas outras partes.

David Lynch também brinca com o erotismo, como fez anteriormente em Veludo Azul, expondo a co-estrela Patricia Arquette em cenas quentíssimas ao longo dos 130 minutos de filme. Arquette interpreta uma sexy femme fatale de dupla personalidade, e esse status só mais a enaltece quanto ao teor erótico de sua personagem dentro do filme.

O personagem principal, também dividido por duas personalidades, é a chave para a compreensão de Estrada Perdida. David Lynch metaforiza dentro dele um maníaco, um marido ciumento, um homem impotente, um predador movido por ilusão, à procura da redenção.

Me sinto impedido de comentar mais sobre Estrada Perdida a fim de não vos proporcionar tensos spoilers. Melhor parar por aqui mesmo. Estrada Perdida é fascinante, um primor cinematográfico. David Lynch é mais que um gênio. Combina horror psicológico e noir com perfeição. Não poderia ser coisa melhor.

Estrada Perdida (Lost Highway)
dir. David Lynch - 

Crítica: "STEVE JOBS" (2015) - ★★★★


Eu gosto do Danny Boyle. O cara é um dos diretores mais marretados, mas eu gosto bastante dele. Por exemplo, eu não me lembro de não ter gostado de algum filme dele, pelo menos dos que vi. Na verdade, até agora eu gostei de todos os filmes dele que assisti. Muita gente foi inexplicavelmente negativa com Steve Jobs. Eu não achei sentido para essa onda de irracionalidade. É certo que há certos erros, mas nada fatal ou grandioso. Visto o longa, enaltece-se a autoridade do Danny Boyle como um cineasta de primeira categoria, mais uma vez por trás de um trabalho excepcional e muito bem conduzido. Vale a pena conferir Steve Jobs. É certamente um filme superior, louvável.

À frente, estão o protagonista Michael Fassbender e a co-protagonista (talvez coadjuvante) Kate Winslet, nos respectivos papéis de Steve Jobs e Joanna Hoffman, que existiu na vida real. Digo à frente por que ambos estão excelentes em seus desempenhos, isso de forma igualitária, sem arredondar ou privilegiar um mais que o outro. Steve e Joanna construíram uma grande amizade por fora do círculo profissional; eles eram confidentes. Michael e Kate conseguem, juntos, captar o quê dessa amizade numa química muito rara de se ver. E, além de tudo, acho que nem preciso é repetir/lembrar mais uma vez que a atuação deles é impecável.  É bastante gostoso acompanhar a relação do Steve e da Joanna, até porque é uma das coisas que estão mais envoltas e próximas do núcleo da trama. 

Afinal, antes de qualquer premeditação, é bom saber que Steve Jobs não é uma cinebiografia. Não se iludam. O filme é dividido em três episódios, três distintas apresentações do Jobs em cima do palco. O primeiro episódio, por exemplo, se passa em 1984, em Cuppertino, na Califórnia. Nesse primeiro capítulo, que introduz o filme, o Steve apresenta ao público o Macintosh. Quatro anos mais tarde, em 1988, ele, demitido da Apple, organiza uma introdução à sua nova empresa, a Next. Passados dez anos, Jobs novamente sobe aos palcos para dar à luz ao iMac. Duas invenções e uma inauguração. Três lançamentos. Dentro desse percurso, que se passa nos bastidores das apresentações do homem, somos expostos de perto às convenções do gênio, seu relacionamento complicado com uma ex-namorada e sua suposta filha, seu temperamento atribulado, as brigas com outros funcionários e colegas de trabalho. 

A amizade de Steve e Joanna, fora do normal, é o que movimenta secundariamente o longa, em passos curtos mas firmes. É até uma saída para o drama da história, já que muitas das cenas envolvendo os dois personagens é de raiz cômica. A séria e sarcástica Joanna e o extravasado Jobs, uma dupla magnânima. 

Outra coisa legal sobre Steve Jobs é a delicadeza com a qual se mistura perplexamente a vida pessoal e profissional do fundador da Apple. A presença quase que onipresente da filha e da ex-namorada (Chrissan Brennan, interpretada sublimemente pela Katherine Waterson) justamente nas cerimônias de introdução do cara metaforizam esse contraste. É tanto que pouco se mostra sobre a vida pessoal, em especial o passado, do Steve Jobs, que apenas é narrado pelo próprio personagem em poucas sequências e de maneira discreta. Os flashbacks, que são poucos, restringem-se a reuniões frustradas e experimentos operacionais realizados em garagem por um jovem Steve Jobs. 

Isso passa uma imagem fria e calculista do personagem, ocasionado pelo excesso de trabalho, pelo foco inatural, pela rejeição, pelo negativismo e pelo constante nervosismo, inquietação. Em certo momento, o filme até supõe que Jobs se sentia extasiado com o desgosto das pessoas por ele, por sua ganância, sua falta de consideração com os outros ao redor. Steve Jobs pinta o homem do título como um rei, que fazia de seus empregados súditos enjaulados, cujas vidas só tinham um objetivo: rodar em torno da do ser superior (Jobs). 

Trabalhar para Steve era árduo. Ter de aturar as suas provocações e suas insistências correndo o risco de perder o trabalho e a sanidade não era pra qualquer um. De quebra, isso também pode atenuar uma espécie de devoção irreconhecida por parte dos funcionários dele, que viam na sua figura a maior do ramo, a chance para o sucesso e o, enfim, reconhecimento profissional, e por isso sempre tinham de estar ao dispor dos seus mandos, mesmo que inumanos, para atingir esse estado soberano, de estar no time do tal, do maior dos maiores.

Seria um trauma, uma negação à própria existência, uma forma de rebater o sucesso, incitar choques familiares e discussões, ganhar inimigos, em pagamento à fama e à boa vida? Como é dito numa das falas, ninguém pensa sobre o mundo como Steve Jobs. Um gênio assombrado pela má relação com a filha, que cresce distante do pai, insegura, tendo apenas a mãe severa, que treinou a filha para ser a sua própria babá, desde a infância dela, como companhia. Seria esta uma mera semelhança entre Steve e a filha bem-dotada? A rejeição? Steve Jobs foi rejeitado por muitas famílias ainda bebê, inclusive pela sua própria família biológica. 

A estética de Steve Jobs me traz à mente a recordação de um filme recentemente visto, e cuja estrutura era mais ou menos assemelhável: O Julgamento de Viviane Amsalem, drama israelense que se passa em um tribunal judiciário. Neste caso, em Steve Jobs, o making of das cerimônias dele. Danny Boyle concentra em Steve Jobs suas energias e fisga deste um retrato espetacular de um dos maiores gênios da história, um homem revolucionário, dono de uma invenção importantíssima, que contribuiu à economia e à informática em todos os ângulos, e que continua a revolucionar mesmo passados quatro anos desde sua morte. Em pequenos fragmentos, bastidores, Danny filma a complexidade, o idealismo e o egoísmo de um ser completo, reconhecido e bem-sucedido, mas não perfeito. É a outra face do Steve.

A trilha sonora, de Daniel Pemberton, tempera a atmosfera timidamente abrupta e corriqueira do longa. O roteiro de Aaron Sorkin, adaptação do livro homônimo by Walter Isaacson, é caprichado em certos aspectos, mas nem de longe é o melhor feito cinematográfico do roteirista como o Globo de Ouro profanou dando a estatueta de Roteiro a ele nesta última edição, que fique claro. Por outro lado, os exímios Michael e Kate foram muito bem lembrados no prêmio, e levaram Steve Jobs ao Oscar, tendo-o nomeado em Ator e Atriz Coadjuvante, as únicas indicações que o filme recebeu (só acho que mereciam ser lembrados, e não foram, em Ator Coadjuvante o Jeff Daniels e o Seth Rogen, absolutamente excepcionais, tanto quanto a dupla nomeada, creio). A sequência inicial dos créditos, com o Arthur C. Clarke, roteirista de 2001, opinando e adivinhando o futuro, discursando sobre o legado do computador nos dias atuais e na sua repercussão global, é fantástica; como Steve Jobs, um filme que por si só de incrível tem é muito. 

Steve Jobs
dir. Danny Boyle - 

quarta-feira, 20 de janeiro de 2016

Crítica: "BROOKLYN" (2015) - ★★★★


O Oscar costuma ser bastante generoso com as produções independentes. E isso não é de hoje. A Academia adora nomear e condecorar filmes da levada indie nas mais diversas categorias, até mesmo nas técnicas, mesmo que a grande parte dos filmes independentes nomeados estejam longe desse patamar, com raríssimos exemplares à vista, sendo o mais próximo de nós, cronologicamente falando, o eletrizante Whiplash: Em Busca da Perfeição, que arrecadou três Óscares (incluindo dois técnicos) na antepenúltima edição do prêmio. O Oscar 2016 trouxe consigo uma grande safra de indicados indie na sua lista. Até animação brasileira figura. 

E um dos filmes desse catálogo que mais tem chamado a atenção da crítica e do público nos últimos tempos foi a co-produção irlandesa/britânica/americana Brooklyn, épico independente do pouco conhecido John Crowley. O drama recebeu 3 indicações, incluindo uma de Melhor Filme. É certo que Brooklyn está bem longe de bater o prêmio principal, isso constatando o atual estado da corrida do prêmio, mas a sua jovem protagonista pode tascar Melhor Atriz nesse ano. E chances ela possui. 

A estrela desse trabalho arrebatador tem apenas 21 aninhos, já passou pelo Oscar antes deste filme e está sendo cotadíssima, possivelmente perdendo apenas para a Brie Larson, forte candidata por O Quarto de Jack, na corrida de Atriz Principal. Sim, amigos, ela é a espetacular Saoirse Ronan, garota que já chama a atenção pelo inusual nome, e cativa ainda mais pelo talento ainda mais incomum, exercitado em Brooklyn a melhor atuação da sua tão promissora e já conceituada carreira.

No filme, ambientado na década de 50, Saoirse faz uma jovem irlandesa que está prestes a se mudar para Nova York. Lá, trabalho e casa a aguardam. E, apesar do conforto da vida que leva, sente um enorme aperto no coração por ter deixado a família para trás no país de origem. Ela passa os dias deprimida, pra baixo, sem conversar. Eilis Lacey é aquele tipo de garota certinha, que não se mete em encrencas e serve às ordens que lhe são impostas. Mas quem sai afetado é o território sentimental da ainda menina, que não consegue lidar com a pressão, a saudade, a distância e os auto-questionamentos.

Brooklyn trata-se da chance única, daquelas que surgem misticamente de época em época, como um cometa, de ver uma atriz jovem se amadurecendo em tela, num desempenho esplêndido e inacreditável. Na pele da imigrante Eilis, Ronan é simplesmente maravilhosa em todos os sentidos. Sua performance é digna, inaudita, organizada e estremecedora.

Saoirse se confirma como uma das figuras mais promissoras do universo cinematográfico atual. Brooklyn é a pura prova disso. E é só o começo, imaginem! É uma transição extraordinária. Comparem ao que quiser, inclusive a alguns exemplares semelhantes e recentes, mas Saoirse Ronan é um nome que terá bastante reconhecimento e valor no futuro. E já está tendo, creio eu, não é mesmo?

O mesmo vale para o diretor, John Crowley, que possui poucos títulos na sua curta filmografia e que se revelou com Brooklyn. John trabalha com frequência para a TV (dirigiu muito recentemente dois episódios para True Detective), e seu único filme, antes de Brooklyn, que chegou ao Brasil foi Circuito Fechado, em abril de 2014.

No elenco de Brooklyn, além da radiante Saoirse Ronan, temos a participação do dedicado Emory Cohen, cuja atuação é ótima. Em cena também estrelam a sumida Julie Walters, o Jim Broadbent e o Domnhall Gleeson (que aparece lá pela segunda parte do longa, durante a visita da imigrante irlandesa à terra natal), outro ícone promissor do cinema contemporâneo. O filme segue com um andar muito natural, épico, que dispensa atrativos maiores, conflitos "match" ou quaisquer outros chamarizes. Brooklyn é bom do jeito que é. Um filme bem-feito, caprichado, excelentemente belo, em tudo, um show de competência.

Brooklyn 
dir. John Crowley - 

terça-feira, 19 de janeiro de 2016

Adeus, ETTORE SCOLA (1931 - 2016)


Ah, não. Desisto de 2016.

Partiu, nesta terça-feira, aos 84 anos, o lendário diretor italiano Ettore Scola, dono de importantíssimas obras do cinema itálico, tendo se tornado um de seus mais afluentes contribuintes de todos os tempos. O último longa de Scola foi Que Estranho Chamar-se Federico (2013), comentado no blog ano passado. Mais uma triste perda para o cinema nesse ano que já mal se iniciou e veio abalando corações com as pesarosas partidas. Muito triste mesmo. Addio, signore Scola...

segunda-feira, 18 de janeiro de 2016

Crítica: "CÓDIGO DESCONHECIDO" (2000) - ★★★★


Como qualquer outro filme do austríaco Michael Haneke, Código Desconhecido requer de uma predisposição especial por parte do espectador. Até mais do que certos exemplares da filmografia de Haneke, pra ser mais específico. E essa predisposição não é nem por conta do filme ser complicado em certos aspectos, mas sim porque há muito o que digerir. Se por um lado Código Desconhecido é um dos trabalhos mais inteligentes e interessantes do diretor, por outro trata-se de seu filme menos conhecido e popular. Uma teoria provável para esse esquecimento é a vinda de A Pianista no ano seguinte à estreia de Código Desconhecido, um eclipse. O que conta, no entanto, é que Michael Haneke mantém a pose num de seus longas mais enigmáticos e desconcertantes, uma análise minimalista dos preconceitos invisíveis a uma sociedade moderna. 

Código Desconhecido abre com uma cena particularmente estranha. Uma garotinha surda faz mímica, e seus colegas tentam codificar a atividade. A cena se dissolve rapidamente. O subtítulo de Código Desconhecido é também um achado: "História incompleta de diversas viagens". E, apesar de não ser um filme perturbador (do jeito Haneke de ser, quero dizer) as cenas de Código Desconhecido trazem ao espectador aflição e peculiaridade, mas não são perturbadoras. Pode-se afirmar que esse é o filme menos perturbador do Michael. Em contrapartida, é um filme de muitos questionamentos e morais, uma real denúncia, mas que raramente é vista dessa forma, até mesmo pelo acusado.

Assim como Caché, Código Desconhecido é focado num dos problemas sociais mais graves e ocultados do continente europeu nos últimos tempos: a xenofobia. Utilizando como arma em sua denúncia afiada uma inventiva crônica recheada de emblemas e simbolismos, Haneke é fabuloso na construção de uma trama que reflete bem nesse complexo trânsito e ainda sim desponta para situações semelhantes no resto do mundo, de forma com que a universal história seja facilmente identificável para o público que não vive na Europa e não é tão intensamente familiarizado com a xenofobia como o longa de Haneke esteticiza no desencontro de personagens estrangeiros, imigrantes e de diferentes classes sociais.

Ano passado, eu adquiri duas cópias de Haneke, a de Código Desconhecido e a de O Tempo do Lobo, dois filmes pouco conhecidos dele e atuais (2000 e 2003, respectivamente). Escolhendo Código Desconhecido, creio que fiz o melhor. E isso não é nem por conta da qualidade do filme, mas é incrível ver que o mesmo faz-se atual e muito essencial por mexer num assunto bastante comentado e debatido nos dias de hoje: a imigração. Vira e mexe, notícias dos refugiados sírios entrando na Europa em busca de abrigo e proteção são manchete e capa de jornal. Código Desconhecido não é auto-explicativo, mas é por si só um retrato pleno do preconceito esquadrando imigrantes e estrangeiros no continente europeu inteiro. Afinal, não é só na França que este caso se faz presente, e próximo.

Ainda que não seja seu filme mais cruel e perturbador, Código Desconhecido é lotado de provocações, desafios que nos instigam e só vão nos deixando mais curiosos, tudo à la Michael Haneke. Quem codifica essa mensagem que o Haneke deixa à mostra é o espectador ele mesmo. O enigma está nas nossas mãos. Dependendo da nossa exposição, admiração e intimidamento pelo filme, a interpretação nascerá conforme formos o adequando às nossas premissas particulares da presença da xenofobia nos dias atuais na sociedade e do racismo.

A Juliette Binoche, aqui na pele da atriz Anne Laurent (engraçado como o Michael Haneke sempre usa o mesmo nome para seus personagens em todos os filmes que faz; ex.: Georges, Anne...), pediu para o assessor do Haneke uma fita de Violência Gratuita na época em que o filme saiu. A atriz, encantada com o longa, logo telefonou ao diretor lhe indagando uma possibilidade de trabalho. Haneke não pensou duas vezes e escalou a atriz como protagonista de Código Desconhecido, onde ela faz o papel de uma intérprete namorada de um fotógrafo de guerra. O desempenho da atriz aqui a a rendeu espaço num longa adiante do cineasta, o já mencionado Caché (onde ela interpreta, novamente, a tal da Anne Laurent).

A sequência que segue os créditos iniciais é sufocante (a justa cena onde os três núcleos principais da trama, o núcleo da imigrante, da família negra e do casal high society, se interconectam). Um rapaz (Jean), recém-saído da fazenda do pai, procura a namorada do irmão para se estabelecer em Paris na fuga. A namorada o oferece lugar no apartamento, mas não garante tempo nem espaço suficiente no cafofo. Com as chaves da casa na mão, ele segue pelas ruas de Paris, até que se depara com uma senhora mendigando num pequeno beco. Ele retira uma nota do bolso e a lança contra o colo da mulher. Em seguida, um jovem negro vem tirar satisfações com o moleque por ter humilhado a senhora (uma imigrante armênia) daquela forma, insinuando que ela fosse repugnante. Inicia-se uma briga, e Anne surge para apartar a discussão. O rapaz negro vai preso, e seu pai, um taxista, é informado. Nessa cena, o taxista começa a acelerar a velocidade do veículo, e nisso começa uma briga com o passageiro, que passa a reclamar do taxista e da atitude dele. O homem termina por deixá-lo num ponto de táxi, e segue para a delegacia, onde pretende buscar o filho.

Numa outra cena, bastante chocante, esse mesmo taxista, que vive com a família numa pequena quitinete nos subúrbios, trava uma discussão com o neto, uma criança. O menino teria sido acusado pela professora na escola de estar usando maconha durante a aula. O garoto contraria a palavra da professora, e diz que foi ameaçado por um outro menino da sala, que teria lhe pedido uma determinada quantia de dinheiro para não acusá-lo falsamente de portar maconha. Código Desconhecido levanta muitas questões e intriga o espectador com a injustiça e os paradigmas de um mundo moderno dominado pelo caos, pela desonestidade e pelo preconceito. Cabe ao espectador ir reimaginando o que lhe foi apresentado em tela tempo após o filme visto, já que, como eu bem lhes expliquei, há muito o que refletir sobre Código Desconhecido. É um prato cheio, um trabalho de arte idealista e necessário, pérola da carreira de um diretor importante, visionário e único, sempre genial nas películas que traz.

Código Desconhecido (Code Inconnu: Récit incomplet de divers voyages)
dir. Michael Haneke - 

domingo, 17 de janeiro de 2016

Crítica: "CAROL" (2015) - ★★★★★


Uau. Que trabalho admirável e deslumbrante é Carol. Fiquei encantado, do início à suspirante sequência final. O filme mais celebrado do cineasta americano Todd Haynes é tão cheio de qualidades que só de falar dele fico emocionado, ao lembrar da prazerosa sessão em que o vi, e de seu imenso poder em nos maravilhar, de tão distintas formas e vezes, todas estas igualmente exuberantes. Um dos já possíveis filmes do ano traz um elenco pequeno, mas competente o suficiente pra deixar sua marca, liderado excelentemente por duas plausíveis intérpretes de peso em performances tocantes e avassaladoras. Carol é pura perfeição. O cinema de Todd Haynes encontra neste filme a sua joia mais rara. 

Ambientado numa Nova York invernal dos anos 50, Carol narra a aventura amorosa de uma jovem atendente de uma loja de brinquedos, Therese Belivet, e de uma ricaça à beira do divórcio, cujo nome intitulou este longa, Carol Aird. Num dia de compras qualquer, à busca do presente ideal para a filha, os olhos de Carol se encontram com os de Therese, no balcão, entediada do trabalho. Uma atração inevitável logo se propaga entre ambas as mulheres, bem ali, naquele lugar, sem mais nem menos. Um momento apenas, e o amor nasce. Carol se dirige à moça e lhe pede conselhos sobre qual brinquedo escolher para a filha, nisso deixando as luvas propositalmente sob o balcão do departamento de Belivet. Algum tempo se passa, e as luvas "esquecidas" de Carol a ligam a Therese, numa proposta de jantar na casa da quase socialite. As duas se tornam rapidamente amigas, mas só depois é que elas experimentam o amor.

Há quem diga que o filme de Haynes seja lá um tanto quanto espontâneo, o que não deixa de ser verdade, mas o filme não é sobre o tempo. O filme é decididamente e apenas sobre o amor. O amor não cresce. O amor nasce, e a partir desse momento, ele já é adulto, velho e criança ao mesmo tempo. Ou nada disso. O amor não tem explicação, minha gente. Ele acontece, e não é força sobrenatural nem coisas do tipo que influencia nesse místico alvorecer. 

Não há configuração para amar. Não há pretextos para amar. E é por isso que Carol é tão naturalmente espontâneo e realista. Carol traduz o que é amar na relação entre a dondoca oprimida e a atendente inexperiente. O amor verdadeiro (digamos) não necessita de experiência. E nem de um fim. Muito menos de um início. Ele já pode até existir, mas é a gente que não sabe disso, e com quem é que é. 

A deliciosa beleza visual de Carol é mágica. Não há outro jeito de descrever mais exatamente o que é presenciar Carol com os olhos. Enquanto uns filmes mexem com a gente pelos ouvidos, e outros pela mente, Carol usa a visão para enfeitiçar o espectador e deixar-nos tão impactados a ponto de continuarmos por muito tempo após a exibição sob o seu efeito, reimaginando seus lindos frames de matar. É tudo tão perfeito, tão inesquecivelmente perfeito. 

Nossa única reação perante a esse monumento é o congelamento. Os olhos transpiram impacientes enquanto correm pela tela, perseguindo e se alimentando dos mínimos detalhes, da profundeza visual, dessas enfeitadas carícias. O corpo permanece inerte, a boca não consegue ficar fechada, os suspiros ganham vida. É um sonho. Um sonho magnífico.

O colaborador de longa data de Todd, Edward Lachman (nos créditos de Carol sob a alcunha de Ed Lachman) é mais uma vez bem-sucedido na sua missão de nos comover pela alma do visual, uma dança energética e suave pela aquarela surreal de tons azulados, acinzentados e avermelhados todos juntos e divinamente contrastados. Carol é saboroso demais. Extremamente. Dos seus bons momentos, a trilha sonora de Carter Burwell brilha a todo instante em que dá as caras. As cenas mais fervescentes (que cena bonita aquela cena de sexo entre a Cate e a Rooney, hein?), ainda que poucas, são primorosamente icônicas. 

Assim que a Therese e a Carol começam a enfrentar as barreiras impostas pela sociedade quanto à homossexualidade (Carol quase perde a guarda da filha por ser lésbica, isso antes dela iniciar uma relação com a garota da loja), o relacionamento delas vai se distanciando, e a grande bomba é quando o marido de Carol envia um homem para vigiá-las. O filme vai lentamente azedando, perdendo a graça, ficando lento, murchando, ausente de vida. É sufocante ter de seguir ao lado delas duas, trilhar essas barreiras, o sofrimento. Aquela cena em que a Carol desabafa pro marido durante a reunião com os advogados é dilacerante. 

O público no cinema estava sério hoje. Muito embora esse sábado tenha sido o terceiro dia de exibição de Carol aqui em Sampa, a primeira sessão do dia no Espaço Itaú da Augusta estava mediamente vazia, pra um filme com estreia recente. Se bem que as salas só tendem a ficar lotadas nas sessões de fim de tarde e início de noite. Enfim, onde eu estava? Ah, sim. Apesar de ser um drama, Carol é descontraído em certas partes, ainda mais no comecinho do filme. Não é de gargalhar, mas tinha sempre um ou outro alegre na plateia que se permitia a risos durante alguma piada sarcástica. Eu ria baixo, porque a grande parte do tempo estava parado, sem poder desgrudar os olhos da tela. E eu tenho certeza que quem vê, como eu, sente o mesmo. Privilégio. 

Que dupla mais incrível, a Cate Blanchett e a Rooney Mara juntas. As duas fazem um par excelente em Carol. A Cate, na pele da Carol, banca a madurona cansada de uma vida que se resume a compras, pose e luxo, e as loucuras do marido (tem uma cena rápida do filme com o marido bêbado da mulher tentando a abusar em pleno jardim da mansã deles). Por outra vez, a Rooney, delicada e tímida, está dando os primeiros passos no amor. Ela demora um tempo pra se jogar nos braços da amada. As duas estão bravíssimas em ambos os papéis. 

Por falar nisso, merecidas indicações ao Oscar. Da lista de atriz coadj., só falta ver a Kate Winslet (Steve Jobs). Até agora, a Mara e Jennifer Jason Leigh estão empatadas. Preciso rever Os Oito Odiados pra desempatar. Em Melhor Atriz, agora só falta conferir a Saoirse Ronan (essa menina vem me ganhando a cada filme em que aparece ultimamente). Por enquanto, a Charlotte Rampling é a melhor da lista, ainda. 

Carol é tudo isso e mais. Todd Haynes nos presenteia, mais uma vez, com um filme pra lá de especial. Emociona, enche os olhos e satisfaz. É a obra-prima de um diretor sagaz e certo do que faz, acertando o ponto de um filme preciso e sem igual, um trabalho de tamanho extraordinário, retrato épico do amor sem limites, vencendo as aquisições da sociedade e as barreiras moralistas. É digno de Oscar, de Globo de Ouro, de Cannes e do infinito. Ganhou meu coração. Perspicaz e amavelmente belíssimo. Um doce espetáculo que apaixona e eletriza, sublime a cada take, firme e forte. Eu amo Carol. Amo mesmo. Amo Cate, Rooney, Todd e toda a equipe que ele reuniu aqui. Não é à toa termos em mão um resultado tão brilhante, ora essa! Amo tudo isso. E mais. Eternamente agradecido por essa ode cinematográfica ao amor e à beleza da vida. Colossalmente poético. 

Carol
dir. Todd Haynes -