Sentimentos que Curam é um filme feel-good avassalador. É certo que não é perfeito, mas tem suas qualidades. Ele teve uma passagem discreta pelos cinemas nacionais ainda no ano passado, e tem rosto de produção mainstream apesar do tratamento que recebeu e, com esforço, creio que poderia ter lotado as salas daqui. É um filme simples, gostoso de se acompanhar, descomplicado e bastante cômico. Trata-se de um drama familiar atipicamente equilibrado que narra as (des)aventuras de um pai problemático quando recebe a missão de cuidar das duas filhas crianças enquanto a mulher retorna à universidade, em Nova York, para conseguir um trabalho e dar às filhas uma educação de qualidade.
O filme de estreia da pouco conhecida roteirista Maya Forbes, que escreveu para o cinema a terceira sequência de Diário de um Banana, a animação Monstros vs. Alienígenas, a comédia O Roqueiro (dirigida por Peter Cattaneo) e a comédia romântica Pecado Consentido, não é com certeza aquele primor de filme, mas, salvo seus encantos, é um destaque. Apesar de ser um filme independente (o orçamento foi de seis milhões de dólares), a trama é ambientada na década de 70, se passa em Boston, e, caso não fosse o elenco magistral, seria difícil cair na enganação da diretora.
É até compreensível essa questão do baixo orçamento, e dos esforços necessários para se recriar um espaço de outra época dentro de condições tão apertadas, mas quem realmente ajuda aí é o elenco, que consegue ocultar fascinantemente esses pequenos transtornos que vão surgindo, e tornam a nossa compreensão quanto ao período em que o filme se passa menos complicada e turbulenta.
A começar com o Mark Ruffalo, uma das grandes surpresas entre os indicados ao último Globo de Ouro, cujos vencedores serão revelados hoje, justamente nomeado por Sentimentos que Curam, que estreou nos Estados Unidos só em 2015. O ator, antes conhecidíssimo por trabalhos na comédia, veio a se firmar como um intérprete de peso graças a outros trabalhos que, ainda que não afastados do gênero que o consagrou e levou seu nome à glória, representam sua ascensão, centralmente marcada por duas recentes indicações ao Oscar, em ordem cronológica por Minhas Mães e Meu Pai e Foxcatcher.
Brilhando nessa performance plausível que sustenta Sentimentos que Curam, Mark se confirma um dos nomes mais seguramente talentosos e fortes de Hollywood. É bem improvável que ele receba o Globo de Ouro, mas a performance dele, dentre os indicados vistos, é a melhor. Ainda que apareça pouco, a Zoe Saldana, divinamente bela, também tem seus momentos de brilho. Paparicações à parte, as protagonistas mirins Imogene Wolodarsky e Ashley Aufderheide estão ótimas.
Em sua divertida e humana trama, Sentimentos que Curam contextualiza a difícil relação entre pais e filhas, como aqui é visto no relacionamento inusual e cheio de altos e baixos, mas sempre delicioso, entre o personagem de Cameron Stuart e suas duas filhas pequenas, Amelia e Faith, frutos do seu namoro com Maggie, uma mulher independente que sustenta as filhas de longe e teme a distância e a ausência no crescimento delas enquanto estuda afastada. Pelo comportamento causado pela sua doença (psicose maníaco-depressiva, ou bipolar, sei lá), ele é impedido de trabalhar, e nisso é sustentado pela família rica.
As empreitadas engraçadíssimas do homem tentando ser amigável com os vizinhos, de uma maneira bem esquisita, e tentando se enturmar ao cotidiano das filhas, fermentam o longa e nos deixam alegremente cativados. O filme põe em prática um pensamento que idealiza bem o femininismo e o lugar das mulheres dentro da sociedade, e ainda que tal retrato seja mínimo não deixa de ser interessante analisar o filme por sobre essa perspectiva. Sentimentos que Curam termina e eu ainda sim continuo impactado pelo talento enorme do Mark. Que ator competente. Demais.
Sentimentos que Curam (Infinitely Polar Bear)
dir. Maya Forbes - ★★★
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