Eu gosto do Danny Boyle. O cara é um dos diretores mais marretados, mas eu gosto bastante dele. Por exemplo, eu não me lembro de não ter gostado de algum filme dele, pelo menos dos que vi. Na verdade, até agora eu gostei de todos os filmes dele que assisti. Muita gente foi inexplicavelmente negativa com Steve Jobs. Eu não achei sentido para essa onda de irracionalidade. É certo que há certos erros, mas nada fatal ou grandioso. Visto o longa, enaltece-se a autoridade do Danny Boyle como um cineasta de primeira categoria, mais uma vez por trás de um trabalho excepcional e muito bem conduzido. Vale a pena conferir Steve Jobs. É certamente um filme superior, louvável.
À frente, estão o protagonista Michael Fassbender e a co-protagonista (talvez coadjuvante) Kate Winslet, nos respectivos papéis de Steve Jobs e Joanna Hoffman, que existiu na vida real. Digo à frente por que ambos estão excelentes em seus desempenhos, isso de forma igualitária, sem arredondar ou privilegiar um mais que o outro. Steve e Joanna construíram uma grande amizade por fora do círculo profissional; eles eram confidentes. Michael e Kate conseguem, juntos, captar o quê dessa amizade numa química muito rara de se ver. E, além de tudo, acho que nem preciso é repetir/lembrar mais uma vez que a atuação deles é impecável. É bastante gostoso acompanhar a relação do Steve e da Joanna, até porque é uma das coisas que estão mais envoltas e próximas do núcleo da trama.
Afinal, antes de qualquer premeditação, é bom saber que Steve Jobs não é uma cinebiografia. Não se iludam. O filme é dividido em três episódios, três distintas apresentações do Jobs em cima do palco. O primeiro episódio, por exemplo, se passa em 1984, em Cuppertino, na Califórnia. Nesse primeiro capítulo, que introduz o filme, o Steve apresenta ao público o Macintosh. Quatro anos mais tarde, em 1988, ele, demitido da Apple, organiza uma introdução à sua nova empresa, a Next. Passados dez anos, Jobs novamente sobe aos palcos para dar à luz ao iMac. Duas invenções e uma inauguração. Três lançamentos. Dentro desse percurso, que se passa nos bastidores das apresentações do homem, somos expostos de perto às convenções do gênio, seu relacionamento complicado com uma ex-namorada e sua suposta filha, seu temperamento atribulado, as brigas com outros funcionários e colegas de trabalho.
A amizade de Steve e Joanna, fora do normal, é o que movimenta secundariamente o longa, em passos curtos mas firmes. É até uma saída para o drama da história, já que muitas das cenas envolvendo os dois personagens é de raiz cômica. A séria e sarcástica Joanna e o extravasado Jobs, uma dupla magnânima.
Outra coisa legal sobre Steve Jobs é a delicadeza com a qual se mistura perplexamente a vida pessoal e profissional do fundador da Apple. A presença quase que onipresente da filha e da ex-namorada (Chrissan Brennan, interpretada sublimemente pela Katherine Waterson) justamente nas cerimônias de introdução do cara metaforizam esse contraste. É tanto que pouco se mostra sobre a vida pessoal, em especial o passado, do Steve Jobs, que apenas é narrado pelo próprio personagem em poucas sequências e de maneira discreta. Os flashbacks, que são poucos, restringem-se a reuniões frustradas e experimentos operacionais realizados em garagem por um jovem Steve Jobs.
Isso passa uma imagem fria e calculista do personagem, ocasionado pelo excesso de trabalho, pelo foco inatural, pela rejeição, pelo negativismo e pelo constante nervosismo, inquietação. Em certo momento, o filme até supõe que Jobs se sentia extasiado com o desgosto das pessoas por ele, por sua ganância, sua falta de consideração com os outros ao redor. Steve Jobs pinta o homem do título como um rei, que fazia de seus empregados súditos enjaulados, cujas vidas só tinham um objetivo: rodar em torno da do ser superior (Jobs).
Trabalhar para Steve era árduo. Ter de aturar as suas provocações e suas insistências correndo o risco de perder o trabalho e a sanidade não era pra qualquer um. De quebra, isso também pode atenuar uma espécie de devoção irreconhecida por parte dos funcionários dele, que viam na sua figura a maior do ramo, a chance para o sucesso e o, enfim, reconhecimento profissional, e por isso sempre tinham de estar ao dispor dos seus mandos, mesmo que inumanos, para atingir esse estado soberano, de estar no time do tal, do maior dos maiores.
Seria um trauma, uma negação à própria existência, uma forma de rebater o sucesso, incitar choques familiares e discussões, ganhar inimigos, em pagamento à fama e à boa vida? Como é dito numa das falas, ninguém pensa sobre o mundo como Steve Jobs. Um gênio assombrado pela má relação com a filha, que cresce distante do pai, insegura, tendo apenas a mãe severa, que treinou a filha para ser a sua própria babá, desde a infância dela, como companhia. Seria esta uma mera semelhança entre Steve e a filha bem-dotada? A rejeição? Steve Jobs foi rejeitado por muitas famílias ainda bebê, inclusive pela sua própria família biológica.
A estética de Steve Jobs me traz à mente a recordação de um filme recentemente visto, e cuja estrutura era mais ou menos assemelhável: O Julgamento de Viviane Amsalem, drama israelense que se passa em um tribunal judiciário. Neste caso, em Steve Jobs, o making of das cerimônias dele. Danny Boyle concentra em Steve Jobs suas energias e fisga deste um retrato espetacular de um dos maiores gênios da história, um homem revolucionário, dono de uma invenção importantíssima, que contribuiu à economia e à informática em todos os ângulos, e que continua a revolucionar mesmo passados quatro anos desde sua morte. Em pequenos fragmentos, bastidores, Danny filma a complexidade, o idealismo e o egoísmo de um ser completo, reconhecido e bem-sucedido, mas não perfeito. É a outra face do Steve.
A trilha sonora, de Daniel Pemberton, tempera a atmosfera timidamente abrupta e corriqueira do longa. O roteiro de Aaron Sorkin, adaptação do livro homônimo by Walter Isaacson, é caprichado em certos aspectos, mas nem de longe é o melhor feito cinematográfico do roteirista como o Globo de Ouro profanou dando a estatueta de Roteiro a ele nesta última edição, que fique claro. Por outro lado, os exímios Michael e Kate foram muito bem lembrados no prêmio, e levaram Steve Jobs ao Oscar, tendo-o nomeado em Ator e Atriz Coadjuvante, as únicas indicações que o filme recebeu (só acho que mereciam ser lembrados, e não foram, em Ator Coadjuvante o Jeff Daniels e o Seth Rogen, absolutamente excepcionais, tanto quanto a dupla nomeada, creio). A sequência inicial dos créditos, com o Arthur C. Clarke, roteirista de 2001, opinando e adivinhando o futuro, discursando sobre o legado do computador nos dias atuais e na sua repercussão global, é fantástica; como Steve Jobs, um filme que por si só de incrível tem é muito.
Steve Jobs
dir. Danny Boyle - ★★★★
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