sábado, 2 de janeiro de 2016

Crítica: "A GAROTA DINAMARQUESA" (2015) - ★★★


Ainda que odiado por muitos, Tom Hooper é um diretor de peso. Não é um grande diretor, mas é um diretor talentoso, esforçado, promissor, perspicaz. Depois de três produções bem-sucedidas, contando com A Garota Dinamarquesa, no seu currículo, seu melhor filme continua sendo O Discurso do Rei. Adorei até mesmo seu título mais esculhambado, o imperdível hit musical Os Miseráveis. E, pra um cineasta cujo trabalho é alvo persistente da ferocidade dos críticos, A Garota Dinamarquesa conseguiu se sair muito bem, foi aclamadíssimo e é uma das produções favoritas para concorrer nas categorias técnicas e de atuação do Oscar 2016 (muito justamente). Confesso que não é o que eu esperava, mas é certamente esplêndido. Sua história faz contato com a atual realidade da comunidade transgênera, abordando os mais diversos assuntos, como a cirurgia, a aceitação da sociedade e os preconceitos existentes. 

Na questão de trabalhar bem seus atores escalados, Tom Hooper está um passo à frente. Treinou Colin Firth na pele de um rei gago com dificuldade em realizar discursos à nação no meio de uma guerra conflituosa, e ainda tendo que lidar com traumas do passado, papel que deu ao ator o Oscar em 2011; fez Anne Hathaway encarnar com vontade a Fantine de Os Miseráveis, tendo o papel a custeado o cabelo, uma dieta forte e seu vozeirão precioso (resultado: Oscar de melhor atriz coadjuvante em 2012); 

Aqui, temos Eddie Redmayne na pele de um tímido pintor dinamarquês que esconde seu lado feminino e, graças à uma brincadeira da esposa, consegue libertar a mulher dentro de si, aderindo ao transgênero. A Teoria de Tudo é pouco comparado a A Garota Dinamarquesa. Eddie está fenomenal, até mais do que esteve na pele do físico Stephen Hawking no longa mencionado, performance que lhe deu o Oscar de Ator na última edição. Sem falar na Alicia Vikander, menina de ouro, me surpreendendo cada vez mais. Essa moça é fogo. Ela tem grandes chances de vencer na categoria. Já o Eddie, mesmo que esteja excelente, é rara aposta, uma vez de um Oscar duplo-consecutivo na categoria ser bastante raro na história do prêmio, e os potentes concorrentes (e aí, vocês acham que o DiCaprio vai vencer, finalmente?)

Deixando o Oscar de lado, os dois estão ótimos em seus respectivos papéis, brilhantes. Afinal, o filme é todo deles. Eddie e Alicia. Só pintam os dois na tela. O Ben Whishaw aparece pouquinho, mais no começo. E o Matthias Schoenaerts também, mas de qualquer forma a performance dele é apática, a maior parte do tempo em que ele aparece. O francês faz o papel de Hans Axgil, gerenciador de arte clássica, e primeira paixão de Einar (ou Lili? Ah, sei lá!). Ele só dá as caras na segunda parte do longa. 

O retrato dessa história sensacional, baseada em fatos, tem lá seus acertos e seus erros. Se por um lado A Garota Dinamarquesa é um estrondoso espetáculo visual e técnico, o retrato em si tenta imitar sensibilidade, mas não consegue ir além da pretensão de ser importante e atual, o que nem em tudo condiz com ser um trabalho sensível e recheado de emoção. Limitado demais para ser considerado profundo, ou minimalista. A jornada de Lili em busca do reconhecimento feminino e da sua transformação sexual não sai do próprio quintal, de forma com que os obstáculos adentro essa jornada sejam explorados de maneira bastante superficial, rarefeita, sem dar a dimensão necessária do caso ao espectador. Não é um retrato completo. 

Contudo, A Garota Dinamarquesa não deixa de ser um filme necessário e preciso, ainda mais em tempos como estes, com a comunidade LGBT lutando firmemente pelos seus direitos, combatendo de frente o preconceito, ainda que existente (pra falar a verdade, quase onipresente), exigindo a liberdade sexual do ser, a eliminação dos tabus e a aceitação, o respeito. Recomendo pra quem busca um filme sério e contemplativo sobre a temática. 

A Garota Dinamarquesa também indica a grandeza do cinema britânico, entrando para a lista dos exemplares fortunitos dessa safra surgidos com recenticidade no circuito, de poderio técnico incomparável, de atores excepcionais. Vale destacar a radiante fotografia, demasiadamente bela (Danny Cohen, em mais uma parceria com Hooper), os figurinos, provenientes dos anos 20/30, desenhados pelo espanhol Paco Delgado (o mesmo de Os Miseráveis), a suprema direção de arte (Eve Stewart e Tom Weaving), a trilha sonora (do mestre Alexandre Desplat). Não dá pra reclamar dessa equipe empenhadíssima.

As comparações a O Jogo da Imitação tem lá seus exageros. A Garota Dinamarquesa termina nem fedendo e nem cheirando. Mas não deixa de ser importante por isso. Em certos momentos está e em outros não com a razão, dependendo isso ou não da nossa relação com a abordagem da história. Merece ser lembrado pela beleza exótica e tremendamente encantadora, e pelos jovens protagonistas em ótima forma, Eddie e Alicia, dupla marcante. É assim que Hooper assina mais um filme glorioso. Não perfeito, mas de boas intenções.

A Garota Dinamarquesa (The Danish Girl)
dir. Tom Hooper - 

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