sexta-feira, 22 de janeiro de 2016

Crítica: "CINCO GRAÇAS" (2015) - ★★★★★


Seria um pecado inadmissível, por parte da infame distribuidora nacional e do próprio público também, deixar um trabalho do naipe de Cinco Graças passar em branco no nosso variado catálogo de lançamentos. Cinco Graças entrou em cartaz de fininho, nos cinemas de "acesso restrito" de Sampa, nesta quinta-feira. É uma pena, porque trata-se de uma obra divina e que, certamente, merecia um amplo divulgamento no nosso circuito. 

Quem não tem acesso às grades de cinema mais refinadas perde a chance de testemunhar um evento cinematográfico incomparável e desnorteante como Cinco Graças é. O drama, que representa a França (o mais irônico é que Cinco Graças não é francês, mas sim turco) na corrida do Oscar de Melhor Filme Estrangeiro desta edição, foi indicado anteriormente ao Globo de Ouro na mesma categoria e teve a sua première na última edição do Festival de Cannes, e trata-se do filme de estreia da diretora turca Deniz Gamze Ergüven, co-produção conjunta francesa-turca-alemã. 

Em Cinco Graças, as graças do título, cinco irmãs adolescentes, vivem num vilarejo no interior da Turquia, e tem suas vidas abaladas por uma severa transformação, que as impede de ir para a escola e ter vontade própria. As garotas começam a ser vendidas em casamento pelo tio em parceria com a avó, tradicionalistas. Oprimidas, elas não se calam e vão à luta, à procura da liberdade do ser e do espírito. Elas ignoram, cada uma à sua forma, a prisão que as cerca na própria casa. A avó das meninas as obriga a exercer determinadas atividades domésticas e cabíveis ao matrimônio, trilhando as velhas "normas e padrões" da cultura tradicional do lugar. 

Ainda mais nos dias de hoje, com a figura feminina estendendo-se em chamado à aceitação global da igualdade entre os sexos e a liberdade da mulher, proferida em alto e bom som pela voz do feminismo progressivo, Cinco Graças faz-se um filme necessário, essencial, especial. A mensagem de Cinco Graças reflete bem nessa nossa atualidade mais feminina, pensante e viva. Afinal, estamos atravessando um momento único na história. 

A mulher dos tempos modernos abraça um pensamento virado para o conceito de melhores condições de vida, respeito e reconhecimento. Isso por todo o mundo. Se a união faz a força, não há como negar que esta é indubitavelmente uma fase histórica de muitos acertos. A união é, portanto e finalmente, o motor do tão almejado idealismo revolucionário. Que assim continue, cultivando em meu refletir a melhor das esperanças. Enquanto isso, o grito de igualdade prossegue ecoando infinitamente pelos ares.

Acompanhar Cinco Graças em partes é de uma tristeza só. Não é dó, mas sim tristeza, um imenso pesar, ter de enfrentar essa realidade que ainda sim é persistente e presente em muitas regiões do planeta. Sim, os direitos inalienáveis da mulher ganham imensa notoriedade, como nunca antes foi, mas à frente se tem um longo caminho a percorrer. A violência se mantém existente, os preceitos afiados, o tradicionalismo de cabeça erguida.

Aqui, as cinco garotas só querem ser livres. E nada mais. Mas as grades da gaiola são mais largas do que as garras do sonho de liberdade. Triste realidade, se bem que o final do filme aponta para essa progressão em muitos aspectos positivos, mesmo que a jornada das cinco termine incompleta. As doces jovens passam por maus bocados nas mãos da família conservadora e que se impõe à mudanças de hábito. É um choque inevitável. Elas acabam sendo vitimadas. Mas não há culpados. Visto de um ângulo, o tio e a avó das cinco graças são personificações vilanescas dentro da trama, mas quem pode culpá-los, tendo ambos nascido num ambiente ignorante e primitivo, oculto à qualquer brusco, ou ao ver deles, desconhecido idealismo de transformação? Quero dizer, eles não estão certos, mas eles também foram vítimas, não? É uma hierarquia, praticamente. 

Cinco Graças impulsiona esse novo pensar a certo modo; reforça o idealismo revolucionário de uma nova mulher. Não há regras. Nunca houve, de fato. De mínimas a máximas imposições e limitações, a mulher não pode viver sob comandos. Use burca ou shortinho, a figura feminina está destinada a ostentar liberdade, de mente e de corpo. 

O filme funciona ambiguamente como uma denúncia, um retrato geográfico e protesto à sociedade conservadora. Alada à diretora francesa Alice Winocour, Deniz Gamze fabrica um roteiro autêntico e que abre porta para diversas interpretações. Os diálogos são excepcionais, cada sequência melhor que a outra. A construção do clima de tensão nas cenas mais atribuladas é divina. 

Muitos trabalhos cinematográficos vão ficando melhor à medida em que se pensa neles. Cinco Graças, justamente por conta da recenticidade da sua abordagem e por outras temáticas assemelhadas, vai subindo no nosso conceito com o passar do tempo. E não é nem questão de ser um filme complexo, o que Cinco Graças não é. Mas o grande quê que o faz algo notável é que ele é atemporal. 

O longa se sustenta numa premissa inteligente e certeira, não óbvia mas concreta e original. A força do elenco empenhado só engrandece mais a qualidade de Cinco Graças, internamente e externamente. O segredo pra aproveitar o filme bem, do jeito que ele é, é não encará-lo como um desafio. À parte da seriedade da temática, Cinco Graças se equilibra na leveza da juventude e na sua beleza extraordinária, exoticamente filmadas pela lente da Ergüven (curiosidade: ela dirigiu o filme grávida). A narrativa do filme é simples e descomplicada, no entanto profunda e elétrica. Cinco Graças é admirável, encantador, belíssimo. Uma definitiva surpresa. 

Cinco Graças (Mustang)
dir. Deniz Gamze Ergüven - 

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