quarta-feira, 6 de novembro de 2019

YESTERDAY (2019)


Boa parte do tempo é o filme com todas as boas intenções que ele quer ser. Gosto da dinâmica, do personagem que quer fazer as pessoas se lembrarem dos Beatles, ao tocar suas músicas, mas se depara com sucesso musical, dinheiro e estrelato. Ri em muitas cenas, gostei bastante dos atores principais (Patel e James), apesar de tudo há um desfecho à altura do romantismo de Yesterday que é, em diversos sentidos, romântico, tanto ao se tratar do amor do personagem principal pelos Beatles quanto na relação de amizade/amor dele com a garota que foi sua primeira fã e, depois, primeira agente. Delicioso acompanhar as reinterpretações de várias canções lindas daquele grupo de 4 garotos que revolucionou a música. O filme pode falhar quando foca demais na estranheza da situação e não se deixa levar pela beleza da sua premissa, mas até nisso há algo de bom, visto que o filme se torna algo nostálgico e, ao mesmo tempo, moderno. E o humor confirma o charme da intenção e também esse romantismo com um pé na nostalgia e o outro no agora, que de certa forma funciona. Danny Boyle dirige o roteiro que tem o nome de Richard Curtis, responsável por alguns dos meus filmes britânicos favoritos. Então eu entendi porque eu gostei. Enfim, é um filme bonito e eu me diverti assistindo, tanto pela música quanto pela história. Cinema britânico de 2019 me fazendo sorrir.

Yesterday
dir. Danny Boyle
★★½

CORINGA (2019)


Coringa se baseia muito em reverter certas expectativas, muito em relação ao humor, que é ambíguo e gera impressões diferentes nos espectadores, quanto em relação ao próprio personagem principal e como ele é construído dramaticamente. Isso foi fácil de observar quando a sessão, em certas cenas, ficou dividida entre quem gargalhava copiosamente e quem assistia sério, ou no mínimo surpreso. Acho que a reação mais recorrente é justamente essa surpresa. E creio que a atuação impecável do Joaquin Phoenix merece reconhecimento justamente por trabalhar emoções tão diferentes e conseguir conciliar a recepção de cada espectador. Da mesma forma que ele lida com todas essas emoções disruptivas, há todo um caos, que é orquestrado numa performance com uma cadência alucinante.

Phoenix domina a tela com uma atuação tão vertiginosa que o filme dificilmente funcionaria da mesma forma sem ela, sem a mesma intensidade que ele empresta ao personagem, sem tudo o que torna seu Coringa tão particular. Aliás, o Coringa aqui é um Coringa nunca visto, despido dos artíficios de vilaneidade, e construído com uma outra face. E o grande desafio para Phoenix era traduzir essas particularidades do novo Coringa.

A comédia se mistura à crueldade, o humor se torna algo feio, ruidoso, contornado pela bizarrice e pelo desconforto. É um retrato amargo da perversidade à qual Coringa acaba canalizando para se vingar de quem o feriu, e usar como instrumento de caos. A comédia não desestabiliza, ela é o motim dos tormentos do Coringa.

Ambientado na América de Ronald Reagan dos anos 80, Coringa é um retrato necessariamente intrigante da monstruosidade, do ponto de vista social e político, mas também de um ponto de vista particular, moral. Muitas cenas incorporam a monstruosidade quando exploram a fragilidade do Coringa em relação à ela. E é através dela que ele se torna, quase que involuntariamente, um símbolo da violência não-sistematizada, da violência como subversão e pertencimento à sociedade. O filme radicaliza sua violência, trazendo à tona uma imagem ambígua, contorcida e miserável de como o Coringa se torna o Coringa. Um vilão da América, made in America. Coringa consegue ser tão expressivo do estado de mal-estar político e, ao mesmo tempo, tão consistente na construção de personagem, na sua desestabilização frágil e externalização revoltada.

Pensei muito em O Rei da Comédia (inevitavelmente) durante a sessão, sem falar que há outras referências a outros filmes. Mas também em Taxi Driver, em Touro Indomável. A influência scorsesiana é latente, mas também se concentra na ligação do filme com a expressividade incorporada no cinema de Scorsese nos anos 70/80, em especial no âmbito social e político de um país atormentado.

Coringa
Joker
dir. Todd Phillips
★★½

POLÍCIA, ADJETIVO (2009)


Polícia, Adjetivo é um dos filmes mais perspicazes e completos do chamado "novo cinema romeno". Porumboiu arquiteta uma crônica sobre o processo policial, envolto em todas as suas burocracias, com um tom que alterna entre um humor contido, irônico e uma seriedade seca, marca do realismo que esse cinema carrega e que integra o olhar que o filme tem sobre seu protagonista: um policial que é designado a prender um adolescente apenas por ele estar consumindo maconha. Ele reluta em fazê-lo por crer que a prisão é desnecessária e será nociva ao adolescente. O filme acompanha os passos da investigação vagarosa que o policial procede, a fim de descobrir se há algum traficante fornecendo a droga para o jovem, e também para livrá-lo do peso de uma infração que, na Romênia, é visto como um grave delito.

O filme se tensiona justamente ao colocar em análise as visões sobre moral, lei, justiça e criminalidade, dando à crônica um tom necessariamente crítico, quando coloca todo o espectro da investigação do policial, capturada com certo tédio e vagareza, em torno de um caso pequeno, que diante daquelas leis absurdas torna-se um problema enorme. Há uma certa ironia nisso também, mas o melhor do filme está na forma como ele exercita seu clima rigído e ao mesmo tempo jocoso, em torno de um senso de ironia que está ali para contradizer a seriedade à qual o filme se entrega em toda a sua extensão.

Porumboiu molda seu filme sem se distanciar muito do que estamos acostumados a ver no cinema romeno, com a habitual inserção de planos longos e demorados, costurados à narrativa com primor, mas com a consistência suficiente que um filme que pretende justamente excomungar o gênero de cinema policial poderia exercitar, com um roteiro aparentemente simples, porém muito denso, e um elenco em sintonia com as propostas do longa. É um filme admirável e um dos meus romenos favoritos.

Polícia, Adjetivo
Politist, Adjectiv
dir. Corneliu Porumboiu
★★★