quarta-feira, 6 de novembro de 2019

CORINGA (2019)


Coringa se baseia muito em reverter certas expectativas, muito em relação ao humor, que é ambíguo e gera impressões diferentes nos espectadores, quanto em relação ao próprio personagem principal e como ele é construído dramaticamente. Isso foi fácil de observar quando a sessão, em certas cenas, ficou dividida entre quem gargalhava copiosamente e quem assistia sério, ou no mínimo surpreso. Acho que a reação mais recorrente é justamente essa surpresa. E creio que a atuação impecável do Joaquin Phoenix merece reconhecimento justamente por trabalhar emoções tão diferentes e conseguir conciliar a recepção de cada espectador. Da mesma forma que ele lida com todas essas emoções disruptivas, há todo um caos, que é orquestrado numa performance com uma cadência alucinante.

Phoenix domina a tela com uma atuação tão vertiginosa que o filme dificilmente funcionaria da mesma forma sem ela, sem a mesma intensidade que ele empresta ao personagem, sem tudo o que torna seu Coringa tão particular. Aliás, o Coringa aqui é um Coringa nunca visto, despido dos artíficios de vilaneidade, e construído com uma outra face. E o grande desafio para Phoenix era traduzir essas particularidades do novo Coringa.

A comédia se mistura à crueldade, o humor se torna algo feio, ruidoso, contornado pela bizarrice e pelo desconforto. É um retrato amargo da perversidade à qual Coringa acaba canalizando para se vingar de quem o feriu, e usar como instrumento de caos. A comédia não desestabiliza, ela é o motim dos tormentos do Coringa.

Ambientado na América de Ronald Reagan dos anos 80, Coringa é um retrato necessariamente intrigante da monstruosidade, do ponto de vista social e político, mas também de um ponto de vista particular, moral. Muitas cenas incorporam a monstruosidade quando exploram a fragilidade do Coringa em relação à ela. E é através dela que ele se torna, quase que involuntariamente, um símbolo da violência não-sistematizada, da violência como subversão e pertencimento à sociedade. O filme radicaliza sua violência, trazendo à tona uma imagem ambígua, contorcida e miserável de como o Coringa se torna o Coringa. Um vilão da América, made in America. Coringa consegue ser tão expressivo do estado de mal-estar político e, ao mesmo tempo, tão consistente na construção de personagem, na sua desestabilização frágil e externalização revoltada.

Pensei muito em O Rei da Comédia (inevitavelmente) durante a sessão, sem falar que há outras referências a outros filmes. Mas também em Taxi Driver, em Touro Indomável. A influência scorsesiana é latente, mas também se concentra na ligação do filme com a expressividade incorporada no cinema de Scorsese nos anos 70/80, em especial no âmbito social e político de um país atormentado.

Coringa
Joker
dir. Todd Phillips
★★½

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