Para compor a sua história fantástica sobre o amor entre uma faxineira de um laboratório secreto do governo (Sally Hawkins, como Elisa) e uma estranha criatura das águas da América do Sul levada até lá para estudos, e que é maltratada por um homem cruel e carrasco (Michael Shannon, o detestável vilão Strickland), Del Toro usou e abusou de elementos cinematográficos de todos os lados (seja na arquitetura estética, na fotografia que exala cores fascinantes e mistura tons, na câmera que parece estar em uma constante relação de encantamento com os personagens que filma) e há muito amor sendo exalado por essa historinha que parece ser bastante ingênua e acaba se revelando mais intensa do que poderíamos pensar.
Pode não funcionar para uns — a proposta de uma história de amor narrada com elementos do gênero fantasia (e também entrando no terreno do noir) — e embora existam muitos problemas neste filme, não há como negar que um encantamento emerge da sutileza com que ele defende esse amor, levando (muito) a sério a premissa da paixão entre um ser humano e um ser aquático que parece ser tão impossível para outros de receber tal tratamento, aqui, não apenas há isso como também uma espécie de respeito pelos personagens, que é muito bonito de se ver. De algum modo, acaba funcionando, mesmo que a dedicação de Del Toro dispare para tantos lados que há irregularidades bem evidentes.
Embora eu não ache (mesmo) que seja um filme decepcionante, queria ter gostado mais de A Forma da Água (mais do que eu já gostei). As coisas parecem estar em seus devidos lugares: uma trilha sonora belíssima, cenários tão humanos e monumentais quanto seus personagens, um visual incrível... Mas acontece que na narrativa muito da essência que a estética do filme evoca é deixado para trás na valorização de excessos.
Del Toro está tão preocupado em deixar o seu filme hiperestilizado para atender às "necessidades" que na verdade não são necessárias assim, que boa parte do que é realmente promissor nele se perde. E é triste, porque é um trabalho que muita gente amaria amar e tinha tudo para ser grandioso. Eu gosto de muitas de suas propostas. A forma como a história se desenrola, deixa a desejar (e muito).
A diversidade dos personagens é um fator marcante. Del Toro quer dar espaço para todos e abraçar os oprimidos num conto sobre amar mesmo que isso custe ir contra a maré, ter o seu próprio espaço num lugar onde ele já está pré-determinado, romper barreiras. O filme, no papel, é genial. Tirando os excessos (querer dar uma dimensão para cada personagem, mas atropelando as essências de cada núcleo), seria mais crível.
Não há como negar que se tem um dos elencos mais proveitosos: Sally Hawkins (numa de suas atuações mais ricas), Michael Shannon (o vilão que eu mais odiei em muito tempo, em atuação infelizmente subestimada), Michael Stuhlbarg (destaque), Octavia Spencer (tem seu brilho) e Richard Jenkins (cujo personagem tem momentos de delicadeza ímpares).
De tudo no filme, o que eu mais gosto é da beleza do amor entre a Elisa e a criatura (e como a estética acompanha isso), mesmo que seja algo que está mais na imaginação do espectador, porque até nesse núcleo há alguns disparates. Entretanto, se encerra maravilhosamente, ainda que a narrativa percorra tanto para chegar a tão pouco. Surpreende o fato de ter ganhado o Oscar de melhor filme, chega a ser até um pouco estranho, mas há um lado bom nisso. É um dos poucos filmes que conseguem driblar fantasia e romance sem perder o ritmo melancólico e agridoce dos sentimentos dos seus personagens. É uma fábula contente por assim ser, e que exige que o espectador entre na sua dança. Nessa parte, é mais particular, pois cada um interpreta seus detalhes como quer (e como lhe diz o interior, é claro).
A Forma da Água (The Shape of Water)
dir. Guillermo Del Toro
★★★½