sábado, 28 de fevereiro de 2015

Crítica: "UM SANTO VIZINHO" (2014) - ★★★★


Feitiço do Tempo, Encontros e Desencontros, Um Santo Vizinho: Bill Murray continuará sendo um dos meus grandes heróis não importa qual personagem faça. Afinal, entre nós, só um mesmo já faz fama por si: o velho tranquilão convencido. Murray é um dos meus atores prediletos, até por que é um dos melhores. Vê-lo nos filmes é uma coisa que está se tornando raridade, salvo por sua participação nos longas de Wes Anderson, sendo o último O Grande Hotel Budapeste. Fora sua parceria com o cineasta, o vi mesmo em Caçadores de Obras-Primas e Broken Flowers, e agora em Um Santo Vizinho.

Foi bom, confesso. Gostei desse filme. Pode ser tal moralista, tal pedante, mas é um filme que tem uma certa elegância. É divertido, bem além do engraçado. Bill Murray se saiu fantasticamente ótimo em Um Santo Vizinho. Um personagem novo dele, também. Um lado que eu, assim  como muita gente, não havia visto dele. O veterano ranzinza e bêbado é incomparável aos personagens que estamos acostumados a vê-lo interpretar. 

Gostei do elenco, bem escalado, sem muito exagero. Naomi e Melissa merecem destaque. O jovem Jaeden, que interpreta o, segundo Vincent, "nanico" Oliver, também consegue agradar o espectador. Talvez estar ao lado de Bill Murray seja tão significante quanto uma influência na atuação. Talvez deva ser muito nervoso estar ao lado dele. Ele é uma lenda, no final. Até mesmo o diretor, Theodore Melfi, tenha tido um pouco de receio em escrever o personagem. Na estreia, ainda por cima. 

O roteiro tem pontos estratégicos, utilizando alguns truques básicos, mas não é nada para levar em caso. Piadas de conteúdo, humor de qualidade, não dá pra reclamar do filme nessa parte. Seria praticamente desnecessário. A direção tem algumas falhas, nada para levar em conta igualmente, já que este é a primeira vez de Melfi. O elenco, como já foi dito, de parabéns. Nada mais a notar sobre. 

Compartilhei Um Santo Vizinho. Competente, sem divergir da trama. Engraçado, o que é a base primordial do sucesso desta película. Enfim, eu achei Um Santo Vizinho bem precioso. Um filme com cara de família, se não fosse por alguns elementos e cenas. Concordo que a moralidade pode irritar um pouco o espectador. Não é algo tão grande assim, vai. Um Santo Vizinho é alem de tudo, nostálgico. Ver um Bill Murray velho, mas ainda potente e talentoso, já pode agradar bastante.

Um Santo Vizinho (St. Vincent)
dir. Theodore Melfi - ★★★★

Crítica: "RELATOS SELVAGENS" (2014) - ★★★★


Esplêndido! Não me estranha Pedro Almodóvar ter colocado dinheiro numa obra tão excelente como esta. Crítica social, crítica econômica, sátira, comédia dramática, antes de tudo isso, Relatos Selvagens primeiramente é um filme moderno. Apesar de não ser tão complexo, o que pode ter desapontado quem esperava isso no final, Relatos Selvagens é delicioso. Engraçado e dramático em alguns pontos, mas sempre com o foco em seu padrão. 

Assustador, brevemente. A cada segmento, há suspense. Há humor, há desastre, há sátira. É bizarro, por isso, é tão louco. Logo no primeiro episódio, pessoas dentro de um avião descobrem algo em comum: todas conhecem Gabriel Pasternak. O mistério se precede até quando descobre-se que Pasternak é um doente psiquiátrico e sua vingança é esta: matar a todos que atrapalharam sua vida, inclusive ele mesmo, num acidente de avião. O mais curto (precede os créditos, como uma "introdução"), mas o mais simbólico.

O filme foca-se em vingança. Tudo se resolve com a vingança. E aí segue. Desse sentimento nasceu todo o furioso talento em impactar de Relatos Selvagens. Seus personagens querem sangue. São movidos a sangue. Vidas cinzas em busca de um vermelho entonado. Traição, ódio, repulsa, vivacidade, personalidade.

É bem lógico. O espectador pode ter desconsiderado a falta de procedimento das histórias. É como se não houvesse final. Pode ser feita uma pequena observação: a cada episódio, com a exceção do terceiro, o diretor "corta" o final, deixando um clima de ambiguidade no ar. Peculiar, mas legal. Funcionou, é o que nos importa. Quem não imaginou Pedro Almodóvar dirigindo Relatos Selvagens? O filme é a cara dele. Pode não ser aquele clássico Almodovariano, cheio de brega e cores quentes, mas o estilo é familiar, por que é todo dele. Inspira.

Meu episódio favorito foi o final, mesmo que eu ainda tenha gostado muito do terceiro, por ter mais humor ou, sei lá, o desafio de ausentar a sensibilidade. O último me agradou muito. Tem tudo, ou melhor, ele resume toda a ambição do filme de Szifrón. É o mais irônico e ousado. Empolgante e revoltado. Alegre e triste. Cinza e vermelho. Almodóvar. Merecedor de aplausos também é o nervoso segundo, que pode ter deixado muitos à flor da pele. Ricardo Darín e Erica Rivas dão as melhores performances do filme.

O filme mostra o ridículo mundo em que vivemos, cheio de interesse, desordem, incapacidade, crime e pecado. Aborda a impaciência do ser humano em tudo, nos grandes e pequenos fatos: uma briga de trânsito, uma cadente traição, um insurgente reencontro. Mudar já não é mais possível. O jeito é perder o controle. Temos que aprender a perder o controle para sobreviver neste mundo. Senão, não teremos transformação. Não teremos clímax. Não teremos a liberdade.

Relatos Selvagens (Relatos Salvajes)
dir. Damián Szifrón - ★★★★

quinta-feira, 26 de fevereiro de 2015

Crítica: "VIOLÊNCIA GRATUITA" (2007) - ★★★★


Louco. Obsessivo. Gratuito. Violência Gratuita é assim. Pode ser traduzido para a sensação mais eufórica em pouquíssimas palavras, isto por que trata-se da análise da refilmagem do mesmo filme de 1997. Tudo bem que é um remake, mas desde que seja escrito e dirigido pelo mesmo autor da versão original, aqui Michael Haneke, que depois de dez anos do lançamento de uma de suas obras mais cordiais, decidiu revendê-la ao público com um elenco americano, é totalmente aceitável.

Confesso que Violência Gratuita me superou. Só pelo elenco, Naomi Watts, Tim Roth e Michael Pitt, já tinha uma noção do que seria, mas não pensei que Michael levaria tão á sério a questão da "fidelidade", entende? De qualquer forma, Violência Gratuita é uma das melhores refilmagens que eu já vi, sem medo e sombra de dúvida. Todo o impacto que envolve a trama de 1997 é presente, reprodução magnífica! Não irão se surpreender muito com relação ao que é contado, por que a história, pra quem assistiu ao original, é a mesma, em tudo, até nas cenas, nos detalhes das cenas, com pouquíssimas (mesmo) mudanças. Na verdade, pra ser bem sincero, os dois filmes são idênticos. É quase surreal. É claro, trabalhos vindos de um mestre incomparável como Haneke, não há como duvidar da excelência. 

Achei que nessa refilmagem do suspense austríaco para o cinema americano, Michael poderia aproveitar a oportunidade e colocar Isabelle Huppert, sua musa, no papel principal, o que eu acharia esplêndido. Naomi, no entanto, conseguiu encantar aqui como protagonista solenemente. Ela e Tim Roth. Ela, Tim Roth e Michael Pitt. Estão todos bravíssimos. 

E pensar que esta história poderia acontecer a qualquer um em qualquer lugar... É uma coisa esquisita, e ao mesmo tempo, carente de perspectiva: os dois jovens, aparentemente do nada, instalam um pânico viral contagioso. E no final de tudo, Violência Gratuita espelha mais uma vez a grandiosidade da obra de Haneke e sua genialidade cinematográfica. De tudo, acharia que este, de 2007, não funcionaria se não fosse por ele. Mas isso questiona, afinal, se tivéssemos nas mãos uma obra-prima valiosa e inteligente que no lançamento não teve reconhecimento suficiente, não poderíamos muito bem refilmar cena por cena, diálogo por diálogo, mudando apenas os atores? Esperto foi Haneke. Sete milhões a mais rende bastante. Resumindo: é a tradução de uma bem-feita, mas subestimada, obra-prima. E o mais audacioso desta versão se encontra justamente na proposta de refilmar quadro a quadro o anterior, com um sucesso tão extenso quanto.

Violência Gratuita (Funny Games)
dir. Michael Haneke - ★★★★½

quarta-feira, 25 de fevereiro de 2015

Crítica: "TRAPAÇA" (2013) - ★★★★


Intento que o título de Trapaça, traduzido literalmente do inglês, me atraiu bastante. Farsa Americana ou Fraude Americana talvez pode até não mudar tanto, mas soa bem. Por isso, quero tratar de Trapaça como American Hustle, já que "discordei" do título oficializado pelas produtoras brasileiras aqui no Brasil. Assisti o último filme de David O. Russell exatas seis vezes. A primeira foi em dezembro de 2013, e a última, neste ano. E no final, gostei da comédia, mesmo que muitos já tinham me advertido que a mesma resumia-se em "sem-graça", "baixo" e "irrelevante". Gostei do elenco, gostei da direção, gostei da caracterização (o que na minha opinião é o melhor). Gostei de tudo. Tive que contrariar as opiniões de fracasso e abraçar os elogios. Esse disco misturado com jazz, e as cores vivas me deixaram enfeitiçado. Resumindo: American Hustle é um filme embriagador.

Amy Adams e Christian Bale formam um casal como nenhum outro. A bela e sexy dama e o gordo e romântico vagabundo. É lógico, dando uma ênfase à poderosa transformação de Bale, velho coadjuvante de O Vencedor, em Irving Rosenfeld, cuja merecia, se não fosse por Matthew McConaughey em sua desoladora atuação dramática em Clube de Compras Dallas, uma vitória no Oscar. Adams também se deu bem, com suas Sydney e Edith, que tanto me apaixonaram. Jennifer Lawrence estava fantástica, como de costume. Claro, a segunda parceria da atriz com David O. Russell implicou em algo bem mais maturo do que O Lado Bom da Vida ao colocá-la na personagem de Rosalyn, uma vulgar desvairada atrevida que apela para uma vilã insolente. Eu até poderia pensar, se fosse aprofundar mais uma expectativa prévia do filme, que Lawrence não se sairia bem, e eu com certeza me enganaria. Bradley também ganhou minha aprovação. Há momentos de conflito em que seu personagem "viaja" na proporção da estabilidade e da razão, cenas das quais surgiram os instantes mais espetaculares do épico. Ou seja: o elenco está de parabéns.

David O. Russell e Eric Warren Singer são autores de um roteiro complexo e cativante, a base do filme. Qualquer caso, quem tiver a oportunidade de ler, é só pesquisar a cópia legal em pdf disponível do filme online. De forma certa, será bem experiencial lê-lo, intencionalmente os diálogos, onde instala-se um clima onipresente de tensão e ao mesmo tempo humor, o que simbolicamente é reproduzido no filme. Quem prestar a atenção, vai conseguir codificar. 

Em American Hustle, nem a fotografia (belíssima) e nem a trilha sonora (sublime) receberam o prêmio de destaque, mas sim, dois outros elementos técnicos essenciais para a montagem do clímax romântico: a direção de arte e os figurinos. Detalhes profundos e sensíveis que o transforma num clássico instantâneo, e afinal, por que não? Não vi motivos para discordar da oração. American Hustle é um trabalho de arte excelente, exercido com uma maestria singular da parte de Russell em seu melhor filme até agora, uma surpresa para alguém como eu que só o tinha visto até O Lado Bom da Vida: uma fase criativa, porém extremamente limitativa. Muito bom. Tremendamente bom. Recomendo. Reassistível.

Trapaça (American Hustle)
dir. David O. Russell - ★★★★

terça-feira, 24 de fevereiro de 2015

Crítica: "ONDE OS FRACOS NÃO TEM VEZ" (2007) - ★★★★★


Há duas coisas que eu admirei bastante ao assistir Onde os Fracos Não Tem Vez: a utilização de metáforas no roteiro e as cenas de violência extrema. Algo bem familiar das obras de Joel e Ethan Coen, mas que aqui sofrem um destaque notório. Um dos filmes mais aclamados dos últimos tempos, Onde os Fracos Não Tem Vez me chamou a atenção bastante de um curto tempo pra cá depois de ler em algum lugar um elogio a partir da performance de Javier Bardem. Um elogio bem chamativo, que utilizou adjetivos como "estrondosa", "memorável", "astuta" e "talentosa". que confesso, me deixaram curioso para então assistir. Não resisti e procurei-o, encontrando em DVD. E ao fim da exibição, tais adjetivos foram cabíveis tanto á atuação de Bardem, cuja comentarei a pouco, quanto ao filme em si.

Mas esta é uma obra tão boa que mal consigo descrever como foi a experiência de vê-la, o que não me impossibilita de fazer uma boa revisão dela a partir do que achei. O que mais posso fazer senão elogiar, como o próprio texto que me sugeriu a procurá-la? Com certeza, é um dos melhores filme dos Irmãos Coen. Não sendo o melhor, em minha opinião, talvez um segundo melhor, perdendo para Fargo. Tem uma audácia cativante, exuberadamente passível, quase atormentadora. Inicia-se as razões de ter adorado-a, mais precisamente são cinco, equivalentes a cada estrela que o filme fez por merecer:

Onde os Fracos Não Tem Vez conta com um elenco pequeno, a maioria personagens masculinas, porém fortes, novamente citando Javier Bardem. Eletrizante. Monumental. Agressivo. Íntegro. Nunca vi algo tão bom na carreira dele quanto ao que ele fez neste filme. Aliás, este foi o filme que o introduziu no cinema americano, pois atualmente, o vi bastante nos filmes da indústria. De passagem na fase espanhola, dos melhores dele vi o clássico de Almodóvar Carne Trêmula e o vencedor do Oscar Mar Adentro

A direção magnânima e equilibrada dos irmãos Coen. A ambição em dirigir um drama tão necessitado de competência e audácia. Uma adaptação tão corajosa, e tão difícil, no fim, conseguiu ser realizada graciosamente por eles. Tudo conclui-se em formalidade.

Com uma certa ligação ao filme, é digno e preciso reconhecer o trabalho magnífico de Cormac McCarthy em escrever a base, afinal este filme não seria nada, literalmente, sem ele: o livro No Country for Old Man. Ainda vou procura-lo. 

O estilo. Outra vez é preciso autenticar os Coen. Num nível de violência categoricamente falando alto, Onde os Fracos Não Tem Vez possivelmente não seria tão emocionante se o estilo do qual ele foi filmado, um obscuro faroeste da atualidade, se ausentasse. Desculpem se descordarem disto, mas a partir do meu ver, a graça desta película se centralizou clima que ela reproduziu. É inevitável para quem assiste. Não confundir isto com ação. Estou falando de sangue, e é bem diferente, apesar dos dois, aqui combinados, serem belíssimos.

E por fim, a excelência técnica. Em tudo, principalmente o elenco, destacando desta vez um Josh Brolin plausível e meticuloso (good job!) e um Tommy Lee Jones versátil e humano (good job!). A fotografia de Roger Deakins: good job! A edição de Roderick (irmãos Coen): good job! O roteiro dos irmãos Coen: fucking great wonderful job! Mesmo sem ter lido o romance de McCarthy, já confesso aqui minha preferência de elogiar desde já o script do filme. Vencedor de 4 Oscars em 2008, Onde os Fracos Não Tem Vez é sim um dos melhores finalistas a Melhor Filme, premiado com justiça, num título muito viável para este recheado western moderno.

Resumindo tudo: nota 10!

Onde os Fracos Não Tem Vez (No Country for Old Man)
dir. Joel Coen & Ethan Coen - 

sábado, 21 de fevereiro de 2015

Crítica: "FOXCATCHER - UMA HISTÓRIA QUE CHOCOU O MUNDO" (2014) - ★★★★


Na distribuição brasileira, Foxcatcher recebeu o título alternativo de Foxcatcher - Uma História que Chocou o Mundo, para dar aquele "toque" chamativo nos espectadores, afinal, Pegador de Raposas não seria lá um título tão sugestivo. E no final, até que o título escolhido não está tão errado. Realmente, Foxcatcher é uma história forte cheia de pontos altos e reviravoltas. Tem mil e uma razões para chocar o público e ilustrar um pânico desolador das mais diversas maneiras.

Eu gostaria de começar a falar de Foxcatcher a partir de Steve Carell. E confesso que gostei muito da performance do comediante americano que até agora só tinha me impressionado em The Office e Uma Noite Fora de Série. É o primeiro filme onde o vejo numa atuação consistente, matura e decidida. O que mais impressiona aqui a quem o assiste é a sua dedicação em se transformar tão impecavelmente no seu personagem, John Du Pont, um frio e metódico treinador de luta greco-romana, algo estupendo par a o que já vimos de Carell em outros filmes que incluem besteiróis clichês e comédias medianas.

Mark Ruffalo e Channing Tatum também não estão ruins, se formos avaliar de perto. O grande problema de Foxcatcher é, surpreendentemente, sua ambiguidade. A ambiguidade é algo que não cai bem, ou seja, falar dela especificamente depende de tanta autoridade e técnica, meio que limita as opções de filmá-la. Há uma certa hora em que o espectador se perde na instabilidade do gênero abordado, mesmo doce que seja. Bennett Miller, ao contrário de seus dois filmes anteriores, soube, no entanto, equilibrar drama e biografia. Exceto algumas falhas, que talvez nem sejam lá problemas, Foxcatcher é de uma percepção aguçada e visivelmente potente. Ainda dá pra engolir a direção de Bennett Miller, avulsa por patriotismo e inconsequente fidelidade, mas que consegue conduzir perfeitamente as cenas de conflito e intensidade do filme, além de dirigir bravamente todo o elenco.

Quem assiste a Foxcatcher não acredita mesmo que o filme tem base numa história incondicionalmente real, e até mesmo universal. É possível, mas é tão impactante que o clima gerado por toda a subsequencia dos acontecimentos acaba inquietando o pensamento. Não é lá usual ver o que é narrado aqui. Nem um pouco. Mesmo que isso não tenha me convencido tanto, gostei da ideia, e comprei-a. Filme vai, filme vem, Foxcatcher pode atrair quem procura por algo um pouco mais pesado e competente.

Foxcatcher - Uma História Que Chocou o Mundo (Foxcatcher)
dir. Bennett Miller - 

terça-feira, 17 de fevereiro de 2015

Crítica: "TANGERINES" (2014) - ★★★


Todas as produções indicadas ao Oscar de Melhor Filme Estrangeiro este ano, com a exceção de Relatos Selvagens (Argentina), são europeias. E dentre estas produções, Tangerines é um destaque primordial. Com pouquíssimos recursos utilizados em seu fraco financiamento, o filme demonstrou-se avançado se comparado ao que nele foi colocado. Pelo contrário do que alguns pensaram sobre, Tangerines não está retratando a crise que empurrou a Europa para um chão desmoronado da economia, e sim, analisa de uma forma peculiar e inteligente um outro capítulo pouco mostrado no cinema, e que aqui funcionou lindamente: a Guerra da Abecásia, um conflito instalado durante 1992 até 1993 entre as autoridades georgianas e abecásias. 

Enquanto a maioria das pessoas fugiram de suas moradias na região onde a guerra se instalou, uma pequena população continuou a viver lá. Ivo é um deles. Ivo trabalha numa plantação de tangerinas em uma fazenda ao lado de Marcus, um fiel ajudante. Num certo dia, um embate entre alguns soldados georgianos com outros chechenos acaba na morte de vários integrantes de ambos os grupos. Apenas dois, de lados separados, sobrevivem, e cabe á Ivo e Marcus, ao lado de outro médico cujo nome não me vêm à cabeça, cuidar desses sobreviventes inoportunos, que dentro da pacata casinha rural do fazendeiro, travam uma rivalidade limitada pelo pacífico plantador.

Como visto, a proposta da história é bem aberta, o que possibilita mais oportunidades e saídas rentáveis, algo que na película é indispensável. Não se preocupe com a duração, pois para o diretor/escritor Zaza Urushadze, oitenta minutos foram o suficiente para reunir todo o essencial da jornada (isso pode ser visto como um desempenho fenomenal).

Tangerines, mesmo que esteja atrás de Ida e Leviatã, os concorrentes mais prováveis á vitória no Oscar, ainda sim tem uma considerável grande chance de levar a estatueta de Melhor Filme Estrangeiro para a Estônia, logo na primeira indicação do país. A categoria em questão é a mais incerta de todas (excluindo curta-metragem e documentário). Talvez por que a eleição dentro dela envolva uma massa de votantes estrangeiros maior do que nas outras, ou seja, a votação é  mais "universalizada". Por isso que há tanta divergência nessa mesma categoria em outras premiações, como o Globo de Ouro, BAFTA, etc...

Na minha opinião, Tangerines é um espetáculo. Através de uma moral bem resolvida e sem muito exagero, o drama apresenta observações qualificadíssimas quanto á guerra em geral, não só a específica tratada diretamente na trama, mas o significado das ações por trás dela. Filmes de guerra sempre tendem a ser interessantes, e sinceramente, se você procura um novo e bom filme sobre o assunto que lhe reserve uma reflexão adequada, entre os aconselháveis estará, com certeza, Tangerines. Tocante e valiosa, a obra garante uma experiência cinematográfica profunda e memorável, e além de tudo, humana.

Tangerines (Tangerines/Mandariinid)
dir. Zaza Urushadze - 

segunda-feira, 16 de fevereiro de 2015

Crítica: "SNIPER AMERICANO" (2014) - ★★★★


Sinceramente, não vejo o por que de implicar com o patriotismo de Clint Eastwood. O que salvaria a obra toda dele senão seu patriotismo? Que mania. Deixa o tio Clint viver a vida em paz, estampando bandeiras americanas nos posters de seus filmes. Ouvi (e vi) muita gente criticando sua mais recente obra-prima. Sniper Americano é maravilhoso. Mais um filme de destaque para a carreira de Eastwood, um professor de história que a cada aula torna-se mais eficiente e vitorioso. Para aqueles que se "enojaram" de Sniper Americano, apenas saibam que não viram nada para alguém que já dirigiu outras obras bem mais pesadas do que estas, como Os Imperdoáveis e J. Edgar. De fato, é controverso e apológico, mas seu significado vai bem além destas proporções preconceituosas dos espectadores dele.

Chris Kyle é o maior franco-atirador do exército americano de todos os tempos. O "mito" da Guerra do Iraque, Kyle matou mais de 150 pessoas dentre crianças e mulheres durante sua jornada no Oriente Médio. No filme, ele é um herói. Capaz de atropelar a própria família para salvar sua honra, Kyle é um mito, talvez, questionável. Não é possível que tudo no filme seja real. É bem provável que o tio Clint ajudou com um pouco de ficção para quebrar a imoralidade do personagem e da história. 

Sniper Americano, para muitas pessoas, pode ser uma completa confusão. Pra mim, foi fácil compreende-lo por que a experiência que ao público é mostrada já foi vista em muitos outros filmes, não só de Clint. Quem conhece o cineasta de perto vai se lembrar (sim) de Gran Torino. Não vejo muita diferença entre esse sniper americano com o ranzinza e frio veterano da Guerra da Coréia memoravelmente interpretado pelo diretor em 2008. Há cenas que me lembraram muito Guerra ao Terror, apesar do drama de Katheryn Bigelow ser bem mais profundo e amplificado do que este quando o assunto é "falar da guerra".

Aliás, há quem diga que Chris Kyle é só mais um personagem assemelhável a todos os outros mais de filmes anteriores dele: Frankie Dunn em Menina de Ouro; Will Munny em Os Imperdoáveis; J. Edgar em J. Edgar; Jimmy em Sobre Meninos e Lobos; Todos os filmes de Clint tem um pouquinho (e um tantão) de patriotismo. E só alguém bem pobre de conhecimento sobre ele para dizer que Sniper Americano é uma película inferior. De modo algum. 

Se alguém aqui que merece ser reverenciado e aplaudido por seu trabalho é Clint. E Bradley, afinal, ser indicado pela terceira vez consecutiva ao Oscar não é para qualquer um. Bradley Cooper é um dos atores mais badalados dos últimos tempos. Desde sua indicação em 2013 por O Lado Bom da Vida, o mesmo conseguiu outras duas até agora: Ator Coadjuvante por Trapaça e novamente Ator Principal por Sniper Americano. Mesmo tendo tomado o lugar pertencente à David Oyelowo (Selma) ou Jake Gyllenhaal (O Abutre), o desempenho de Bradley neste drama é igualmente impecável se comparado às duas performances citadas acima. 

Além de responsabilidade, Bradley mostra certa maturidade e envolvimento neste filme mais do que os outros dois pelos que recebeu suas duas primeiras indicações ao Oscar. Esforçado e digno, Bradley é insuperável neste filme. Sienna Miller também tem seus momentos como coadjuvante, mas não chamou minha atenção tanto quanto Bradley. 

Clint e o roteirista Jason Hall se esforçam para manter fiel o filme à vida de Chris Kyle. Não tive a oportunidade de ler a autobiografia que baseou a película, à venda na Livraria Cultura, por isso, não posso realmente dizer que tudo o que foi apresentado em Sniper Americano é o que realmente aconteceu, mas como já falei antes, a presença de elementos ficcionais aqui é basicamente existente. Se fosse uma ficção, talvez não gerasse tanto conflito quanto gerou. Mas a questão aqui, o que ainda quase ninguém principalmente conseguiu perceber, não é a moralidade que muitos buscam sem vitória, mas sim o retrato da influência e a natureza da guerra na vida das pessoas que atentamente acompanharam o doloroso e triste 11 de setembro. Mas, se no fundo a reflexão surgir: não foi algo justo o feito dos americanos contra os terroristas? Afinal, vamos lá Beatrix Kiddo: "a vingança é um prato que se come frio". A maioria das pessoas ignora essa possibilidade e apenas encaram a consequência como dado. É recomendável conhecer um pouco sobre a história realantes de assistir ao filme, que além de proporcionar instantes de tirar o fôlego, quão perplexos, ainda é uma instigante aula de história. E Clint, mais uma vez, mantém seu legado e importância para o cinema.

Sniper Americano foi indicado ao Oscar em Melhor Filme, Melhor Ator (Bradley Cooper), Melhor Roteiro Adaptado, Melhor Edição, Melhor Mixagem de Som e Melhor Edição de Som.

Sniper Americano (American Sniper)
dir. Clint Eastwood - 

Crítica: "SELMA - UMA LUTA PELA IGUALDADE" (2014) - ★★★★★


Lindíssimo. Uma grande jornada, um grande filme. Não é surpresa que Selma tenha demorado tanto para sair do papel, pois já filmar a vida de alguém como Martin Luther King Jr. é de tamanha ambição quase inimaginável (ou não?) para se retratar no cinema. No entanto, Ava DuVernay soube conduzir perfeitamente a película como ninguém poderia fazê-lo. Só duas pessoas, fora Ava, poderiam filmar Selma na minha mais constante opinião: Steven Spielberg (estabilidade) e Spike Lee (originalidade). Esses dois diretores habilidosos fariam uma dupla incrível se dirigissem esse filme juntos. Ou um trio, com Ava, que soube combinar atentamente as qualidades anteriores com certa inovação, algo que pode ser bem arriscado para alguém com pouquíssima experiência no meio cinematográfico, o que a leva ter um reconhecimento merecido. 

A ideia me deixou um pouco entusiasmado. Principalmente agora, onde o racismo e a escravidão são os temas que mais compram público e crítica na atualidade. E pelo contrário do que se pensa, essa evolução é boa. É preciso citar 12 Anos de Escravidão, último vencedor do Oscar de Melhor Filme. Foi a hora certa para a estreia de Selma, sucedendo o filme de mais êxito do ano passado ao de seu lançamento. E não poderia vir em melhor hora. 

Quem não estava esperando uma (grande) cinebiografia de Martin Luther King Jr.? Até Clint sustentou a ideia por algum tempo, mas optou por algo bem menos americano depois do sucesso de A Troca, filmando (por sinal, belo) Invictus. E quem estava esperando até agora por esta tão aguardada cinebiografia, sem concordar ou não, pôde sentir um gostinho de contentamento no the end. É difícil filmar uma cinebiografia, e essa é uma das razões para o atraso desta. O gênero exige bem mais do que os outros. É compreensível. Mas quanto ao resultado: é excelente. Quase nunca filmes deste tipo falham, e se falham, ainda são salvos pelo elenco e/ou equipe técnica. Sempre. 

Aqui, temos dois talentos fulminantes (esnobados ao Oscar), David Oyelowo e Carmen Ejogo em atuações profundas e marcantes. Ambos ganharam minha aprovação quanto ás suas respectivas interpretações. DuVernay igualmente aprovada, dona de uma competência harmônica. A trilha sonora, aquietou a alma daqueles enfeitiçados pelo clima de tensão constante apresentada em algumas cenas rigorosas. A fotografia, sem palavras. Não há motivos existentes para tanta esnobação no Oscar 2015. Melhor Filme e Melhor Canção Original (de apelo!)? É inacreditável que de todas as categorias que merecia estar tenha aparecido justo nestas duas. E olha que Selma é um filme pra lá de óscariano. Vai entender. Pelo menos, o Globo de Ouro o reconheceu nas categorias adequadas. Independente desses pequenos detalhes que envolvem Selma em algumas polêmicas questionáveis, o drama é um dos melhores feitos no ano passado e ecumenicamente impecável. Equilibradamente fiel e meticulosamente sensível, o filme mais recheado de humanidade e caráter da temporada é inquestionável em sua atenção ao cuidar de algo tão necessitado de visão e autoridade. Selma - Uma Luta pela Igualdade foi indicado ao Oscar em Melhor Filme e Melhor Canção Original.

Selma - Uma Luta pela Igualdade (Selma)
dir. Ava DuVernay - ★★

domingo, 15 de fevereiro de 2015

FESTIVAL DE BERLIM: "TAXI" de Jafar Panahi ganha o Urso de Ouro



Taxi, novo filme do cineasta Jafar Panahi, ganhou o Urso de Ouro neste domingo. O longa dirigido, produzido, interpretado e escrito pelo diretor iraniano ganhou atenção da crítica em sua exibição no Festival, e já era esperado como um vencedor. O prêmio foi aceito pela sobrinha de Panahi, Hanna Saeidi, que se emocionou ao aceita-lo. O diretor é dissidente do regime iraniano, ou seja, é incapacitado de sair do país e viajar para outras nações, sendo obrigado a filmar todos seus filmes no país de origem. Taxi, já considerado um dos filmes mais importantes do Festival, pode se destacar como filme estrangeiro e aparecer lá no Oscar, o que ainda é bem imprevisto (o governo iraniano e tudo mais), mas é possível. 

O Grande Prêmio do Júri, equivalente ao Urso de Ouro, foi entregue á El Club, de Pablo Larraín, outro longa que deu o que falar no festival desde sua exibição. O Urso de Prata de Melhor Roteiro foi entregue ao documentário El botón de nácar, de Patricio Guzmán.

O Urso de Prata de Melhor Ator e Atriz foram dados aos protagonistas de um único filme: 45 Years, até aqui, fora do nosso circuito de prediletos. Charlotte Rampling e Tom Courtenay receberam o prêmio de atuação feminino e masculino respectivamente. O Urso de Prata de Melhor Direção foi dividido por Radu Jude (Aferim!) e Malgorzata Szumowska (Body).

O Brasil também ganhou espaço em Berlim. O drama Que Horas Ela Volta? ganhou o prêmio principal da seção Panorama. O longa, antes de sua estréia em Berlim, havia sido exibido no Festival de Sundance, onde Regina Casé ganhou Melhor Atriz.