O palestino Elia Suleiman só dirigiu quatro filmes até hoje, e em todos eles o pano de fundo é o mesmo: a conturbada relação entre palestinos e israelenses, e a afronta territorial que ilustra os conflitos entre eles. Intervenção Divina discute o tema com mais flexibilidade, através de um olhar discreto e cenas bastante inventivas. O filme seguinte, O Que Resta do Tempo, é um exercício de cinema que explora o conflito atravessando as barreiras do tempo e suas marcas na vida do diretor (que no filme também é o personagem principal).
Recontando em fragmentos momentos tensos do país enquanto, paralelamente, projeta memórias de sua vida, da infância, da adolescência até a vida adulta, Suleiman alicia seu habitual senso de humor exótico ao retrato sociopolítico da Palestina que testemunha violentos conflitos em razão do domínio territorial, disputado por palestinos e israelenses, e que data desde os tempos bíblicos, enquanto traz para dentro da equação uma visão pessoal sobre sua vida e as lembranças, dimensionando os tempos em que elas estão inseridas.
Elia Suleiman revisita suas memórias e também o passado de sua nação com uma genialidade e acidez política que coloca este filme num patamar onde poucos chegaram, com uma intimidade travestida de crítica com comédia, repleta de nuances acertadas e que traz para os nossos dias uma perspectiva limpa e consistente, historicamente. A inventividade cinematográfica aparece em muitas decisões do diretor, inclusive na narrativa, onde o filme parece respirar mais durante seus três atos, até por ser um filme simples no seu formato.
Fiquei deliciado de assistir um filme que trata a história com um olhar que passeia por muitos sentimentos, seja no humor ou na dor, e que constrói um retrato próprio, com todas as suas idiossincrasias, repleto de delicadeza, nostalgia e personalidade. Pelo menos no cinema recente O Que Resta do Tempo é uma obra-prima sui generis, para ser vista e revista, vinda de um cineasta que sabe fazer filmes com uma precisão afiada e humor irreverente.
O Que Resta do Tempo
The Time That Remains
dir. Elia Suleiman
★★★★★