quarta-feira, 29 de maio de 2019

ACONTECEU EM WOODSTOCK (2009)


A celebração da liberdade é o motor principal de Aconteceu em Woodstock, o filme mais subestimado da carreira de Ang Lee. Já tendo ganhado o Oscar por Brokeback Mountain, 2 Leão de Ouro em Veneza, e com filmes como O Tigre e o Dragão e Razão e Sensibilidade no currículo, o cineasta taiwanês apostou nos bastidores dos bastidores do famoso Festival de Woodstock, lá em 1969, para a trama do seu sexto longa-metragem ambientado nos E.U.A. E, para isso, além da reunião de um elenco primoroso, o diretor usufruiu de leveza e espiritualidade admiráveis para costurar um retrato timidamente primoroso, e repleto de sutilezas, mas potente, de um dos momentos mais importantes do século 20, incorporando seus personagens ao espírito "paz-e-amor" de Woodstock da maneira mais bonita e plausível possível, como uma homenagem simples mas cheia de coração ao significado desse evento para a cultura americana.

Um jovem homem retorna da cidade para passar um tempo no motel dos pais, em Bethel, no interior do estado de NY, nas montanhas Catskills. É dele a ideia de trazer um festival que não conseguiu ser organizado para a cidadezinha. Ele consegue trazer um dos organizadores do evento, e é então que o festival de música e artes consegue ser realizado, o lendário Festival de Woodstock.

Engana-se quem pensa que Aconteceu em Woodstock é repleto de conflitos ou reviravoltas, e nem precisa disso pra funcionar do jeito que funciona belamente. Ang Lee faz questão de deixar as coisas fluírem com leveza, destacando seus personagens e o clima do evento que o filme sedia. O resultado é uma arquitetação de cenas que maravilham sem precisar de muito, fruindo uma naturalidade que casa perfeitamente com o seu tamanho. O elenco parece entender todas as propostas, com esforços que parecem tão naturais quanto a trama do filme em si.

A intenção é registrar um momento de confraternização e celebração de valores como a paz, liberdade e amor em tempos turbulentos de guerra do Vietnã e um cenário de alienação política. Mas Lee faz isso com tanta sutileza, e de maneira tão rica, que é impossível não ficar deslumbrado com a atenção que o filme dá ao clima e aos sentimentos do momento, criando um monumento de compaixão, simpatia, beleza e emoção. Aconteceu em Woodstock comemora a paz com um retrato sentimental de uma época e suas marcas, deixando-se levar pela graça que os seus personagens em conjunto evocam. Se destacam Imelda Staunton, Liev Schreiber, Demetri Martin, Henry Goodman e Jonathan Groff, mas o elenco em si está gigante, excelente. Aconteceu em Woodstock é uma pérola sublime escondida na filmografia de um grande cineasta.

Aconteceu em Woodstock
Taking Woodstock
dir. Ang Lee
★★★

terça-feira, 28 de maio de 2019

LUNCHBOX (2013)


Uma das coisas que eu mais gosto em relação aos filmes é a capacidade que eles tem de nos conectar, de expor as ligações que as pessoas compartilham entre elas, e de evidenciá-las na linguagem cinematográfica, sem depender exatamente de traduções ou explicações para deixar claras suas intenções. O cinema me fascina pela universalidade, pelas nuances da arte e da maneira como ela modela e aprimora os sentimentos que são impressos na tela. E, é claro, releva seu lado mais humano, seu poder incrível de expressão e identificação. 

Diretamente da Índia, vem um filme belíssimo sobre a inesperada relação entre uma mulher que descobre que, incidentalmente, o almoço que ela prepara para seu marido todos os dias (e que é transportado através de um infalível sistema de entregas de "lunchbox") está indo parar no endereço errado, nas mãos de um homem viúvo prestes a se aposentar da empresa onde trabalha. O homem fica deliciado com a comida que a mulher o prepara. Ao saberem desse engano, eles dois passam a trocar mensagens, e criam um vínculo muito forte: uma paixão. A mulher está frustrada no casamento, com um marido que não tem tempo pra ela, enquanto o homem encontra na relação com aquela mulher uma chance de se reencontrar e de amar de novo. Os dois tornam-se confidentes e se aproximam sem nem sequer terem se conhecido pessoalmente.

O resultado é de um frescor maravilhoso. Lunchbox abraça um sentimentalismo quieto, sem perder seu ritmo ao entrar num terreno mais dramático. Pelo contrário, isso ajuda ainda mais a criar uma história de amor belíssima em que acompanhamos deliciados a entrega de cartas e a intimidade que cresce bem na nossa frente, e que nos leva a torcer pela felicidade daquele casal tão singelo. Este filme romântico se equilibra entre as doçuras do amor e a observação da rotina daqueles dois personagens, às vezes carregadas de sentimentos de frustração e insatisfação. Em nenhum momento deixa de ser um retrato gracioso, cheio de pontos altos, e que conquista pela honestidade com que acompanha a curiosa relação entre seus protagonistas, sendo fiel aos seus sentimentos e às emoções que permeiam um romance tão majestoso, que mesmo tratando de pessoas comuns consegue ser extremamente particular nos gestos.

Lunchbox lida com a busca de seus personagens, com suas vidas simples, mas é no romantismo que a simplicidade se transforma radicalmente em algo maior. O amor surge das coisas pequenas, e é justamente nos momentos mais sutis e despretensiosos que ele parece ganhar força descomunal, de uma beleza admirável. Vai tocar o coração de quem já se apaixonou e teve que passar por todos os sentimentos que isso é capaz de fazer emergir, desde a tranquilidade de saber que se ama alguém, até a tensão de estar distante e não saber o que irá acontecer. Lunchbox compreende o amor porque compreende suas alegrias e dores. Seus personagens completam-se, mas também sofrem. O amor é um acontecimento precioso, e aqui ele é captado com a ternura e sutileza necessárias para fazer jus à sua incontível riqueza. Irffan Khan e Nimrat Kaur estão majestosos. Gostei demais desse filme. Muito bonito mesmo.

Lunchbox
Dabba
dir. Ritesh Batra
★★★★

sábado, 25 de maio de 2019

Palmarès 2019


PALMA DE OURO
Parasite (Bong Joon-Ho, Coreia do Sul)

GRANDE PRÊMIO DO JÚRI
Atlantique (Mati Diop, Senegal)

PRÊMIO DO JÚRI (empate)
Bacurau (Kleber Mendonça Filho & Juliano Dornelles, Brasil)
Les Misérables (Ladj Ly, França)

PRÊMIO DA MISE-EN-SCÈNE
Irmãos Dardenne — Le Jeune Ahmed (Bélgica)

MELHOR ATOR
Antonio Banderas — Dolor y Gloria (Espanha)

MELHOR ATRIZ
Emily Beecham — Little Joe (Reino Unido/Áustria)

PRÊMIO DE ROTEIRO
Portrait de la jeune fille en feu — Céline Sciamma (França)

MENÇÃO HONROSA DO JÚRI
It Must Be Heaven — Elia Suleiman (Palestina)

O Festival de Cannes 2019 se encerra com uma entrega de prêmios das mais justas dos últimos anos, longe da bagunça que algumas edições recentes fizeram ao ter que escolher os premiados, injustiçando candidatos potentes. Iñárritu e seu júri fizeram escolhas coerentes, dividiram os prêmios entre cineastas menos aclamados (Mendonça Filho, Bong Joon-Ho, Elia Suleiman) e inclusive alguns iniciantes na competição (Mati Diop, Celine Sciamma, Ladj Ly). O calibre da competição desse ano trouxe uma valorização bastante especial do cinema mundial. É o que se indica no reconhecimento de produções oriundas da Coreia do Sul, Brasil, Palestina, Espanha e Senegal. Se alguém estava pensando que o cinema americano seria o queridinho, agora foi a vez de outros cinemas falarem mais alto na vitrine mais importante do cinema de autor e, de certa forma, do cinema mundial também. 


Se o grande favorito da vez, Dolor y Gloria, não bateu a unanimidade prenunciada de Parasite, pelo menos legou a Antonio Banderas um bem-vindo reconhecimento pela sua performance no que talvez seja o mais autobiográfico dos filmes de Almodóvar. Como brasileiro, é impossível não ficar deliciado com a vitória maravilhosa de Bacurau (prêmio do júri), um dia após o filme de Karim Aïnouz chegar ao prêmio principal da mostra Um Certo Olhar (a mais importante do festival depois da competição da Palma). Ou seja, temos dois filhos do Brasil (e de cineastas nordestinos) entre os vencedores dos prêmios mais relevantes do Festival de Cannes. Isso é gigante. E nos dias de hoje, no Brasil de hoje, vocês sabem que a importância é triplamente maior. Viva o cinema nacional!!! 


E se é um dia histórico para o cinema sul-coreano que teve sua primeira Palma hoje, é também histórico para Mati Diop, que tornou-se a primeira africana a ter seu filme na competição de Cannes, e saiu com o 2º prêmio mais importante da noite. Rotineiramente premiados, os Irmãos Dardenne, apesar da recepção morna que tiveram no festival, saíram vitoriosos. E Celine Sciamma, que era cotadíssima à Palma, foi lembrada pelo melhor roteiro. Suleiman, cineasta palestino que retornou à competição após um hiato de uma década, foi a menção honrosa da seleção. Enfim, estão aí alguns dos filmes que foram celebrados nessa edição do festival, e que merecem nossa atenção. Feliz pelo cinema brasileiro, que foi enaltecido tão merecidamente. E que isso sirva de inspiração para a nossa cultura e arte nacional seguir resistindo em tempos turvos. O cinema é uma arma muito poderosa, lembrem-se disso. 

sexta-feira, 24 de maio de 2019

Apostas, Alguns Prêmios e Mais Filmes em Cannes


Festival de Cannes está se encerrando, e nestes últimos dias mais alguns filmes pintaram na seleção, e hoje foram revelados os vencedores da mostra Um Certo Olhar, com uma grande e bela surpresa para nós brasileiros: nosso representante nacional A Vida Invisível de Eurídice Gusmão conquistou o prêmio principal da mostra, que só perde na importância para a competição da Palma de Ouro. Aliás, é o 1º filme brasileiro a conquistar essa honra. O filme é dirigido por Karim Aïnouz, de O Céu de Suely e Praia do Futuro. É motivo de comemoração, ainda mais em tempos como esse, em que a cultura é posta à prova pelos atuais governantes que ameaçam oprimi-la, e nosso cinema passa por uma fase em que é preciso, mais do que nunca, reafirmar a sua importância: e que bela maneira de fazê-lo! Que isso sirva de resistência, para mostrar a força do cinema nacional lá fora, quando tentam diminuir sua importância aqui dentro. 

Prêmio UM CERTO OLHAR: A Vida Invisível de Eurídice Gusmão (Karim Aïnouz)
Prêmio do Júri: Fire Will Come (Oliver Laxe)
Prêmio de Direção: Kantemir Balagov (Beanpole)
Prêmio de Atuação: Chiara Mastroianni (On a Magical Night)
Prêmio Especial do Júri:
Albert Serra, Liberté
Bruno Dumont, Joan of Arc

Entre os últimos filmes exibidos na seleção principal, foram poucos os destaques. Muito se criticou a qualidade das produções e até tivemos uma bomba que foi chamada por muitos como sendo o pior filme já exibido no festival em anos. 


O mais elogiado (e um considerável finalista pra Palma) veio nessa sexta: It Must Be Heaven, do cineasta palestino Elia Suleiman, que há 10 anos não dirigia, e trouxe um filme pungente com teor sociopolítico sobre a identidade palestina e o cinema em si. 

De cineastas aclamados, sobraram as críticas desapontadas para os novos filmes de Bellocchio (com Il Traditore, recebido com frieza), Desplechin (seu thriller Roubaix, une lumière foi chamado de entediante) e, o filme mais aloprado de Cannes 2019, o novo de Kechiche (vencedor da Palma em 2013), Mektoub, My Love: Intermezzo, sequência de outro trabalho do cineasta de 2017, ultrapassou a impopularidade de desastres recentes como The Sea of Trees ou The Last Face, que foram detestados pela crítica. Esse aqui foi comparado a um filme pornô e teve uma das aprovações mais baixas (sem falar no pessoal saindo da sala aos montes durante a projeção). É esperar pra ver se é isso mesmo, mas a garantia é que não é agora que veremos Kechiche recuperar a Palma que ele teve que vender pra conseguir financiar o projeto. E, fechando a competição, o francês Sibyl, que até foi elogiado, principalmente pelo elenco. O filme é de Justine Triet, também na competição pela primeira vez.


E, agora, minhas apostas para OS PRÊMIOS que serão entregues amanhã. Será que veremos Almodóvar levar sua merecida Palma pra casa, sendo ele o grande favorito? Ou o júri vai preferir algum outro dos veteranos que disputam por mais uma pra coleção? Ou algum nome novo na lista, que chegou quebrando tudo? Veremos:

1ª opção (mais óbvia)

Palma de Ouro: Dolor y Glória
Grande Prêmio do Júri: A Hidden Life
Prêmio do Júri: Portrait de la jeune fille en feu
Prêmio da Mise-en-Scène: Quentin Tarantino
Melhor Atriz: Valerie Pachner, A Hidden Life
Melhor Ator: Kris Hitchen, Sorry We Missed You
Melhor Roteiro: Bacurau

2ª opção (meus chutes)

Palma de Ouro: A Hidden Life
Grande Prêmio do Júri: Parasite ou It Must Be Heaven
Prêmio do Júri: Atlantics
Prêmio da Mise-en-Scène: Céline Sciamma ou Mendonça & Dornelles
Melhor Atriz: Isabelle Huppert, Frankie
Melhor Ator: August Diehl, A Hidden Life
Melhor Roteiro: Matthias & Maxime ou Once Upon a Time in Hollywood

Os dez favoritos para a PALMA

1. Dolor y Gloria
2. A Hidden Life
3. It Must Be Heaven
4. Portrait de la jeune fille en feu 
5. Parasite
6. Bacurau
7. Atlantique
8. Once Upon a Time in... Hollywood
9. Sorry We Missed You
10. Matthias & Maxime

Era Uma Vez em Cannes

Parasite, de Bong Joon-Ho, é forte concorrente à Palma de Ouro, que será entregue neste sábado.

Perto de fechar o festival de 2019, e praticamente às vésperas da entrega dos prêmios, figuram alguns favoritos que podem cair nas graças do júri, e para completar a lista que já está cheia, temos um exemplar lá da Coreia do Sul: Parasite, de Bong Joon-Ho, é um dos únicos a duelar com o ainda grande favorito Dolor y Gloria na disputa dos prêmios. Bong é diretor de O Hospedeiro e Expresso do Amanhã. Competiu pela Palma pela primeira vez em 2017, com Okja.

Pitt, DiCaprio, Tarantino e Robbie em conferência

Em uma semana badalada, o festival presenteou o público e a crítica com alguns dos trabalhos mais esperadas da seleção deste ano. Talvez falando do filme mais esperado, falamos de Once Upon a Time in... Hollywood, de Tarantino, que ganhou os holofotes essa semana (em seu tapete vermelho desfilaram Leonardo DiCaprio, Brad Pitt e Margot Robbie) e a atenção da crítica em geral. Tarantino, que há duas décadas levava a Palma de Ouro pra casa por Pulp Fiction, há 10 anos não exibia um filme lá (desde Bastardos Inglórios), motivo que tornou o retorno ainda mais aguardado. Elogiado, mas também detratado (principalmente pela crítica estrangeira), o filme esteve envolvido em polêmicas (Tarantino foi grosso com os repórteres durante a conferência após ser criticado) mas também teve uma sessão lotada e com direito a uma ovação demorada.

Xavier Dolan retorna a Cannes com filme prestigiado após fracassos recentes

Retornos promissores, mas com recepções mornas, Matthias & Maxime, de Dolan, e Jeune Ahmed, dos Irmãos Dardenne, conseguiram chamar atenção. Dolan, com seu oitavo longa como diretor, foi elogiado por ter voltado ao terreno familiar, no Canadá, visto que seus dois últimos filmes, feitos no exterior, foram extremamente mal-recebidos, inclusive seu mais recente projeto hollywoodiano, com um elenco estelar, passou em branco e nem chegou a ser lançado direito nos cinemas. Mas parece que agora, em casa, o diretor conseguiu voltar à forma com uma comédia romântica menos ambiciosa. Enquanto isso, os irmãos belgas, que na edição de 2016, assim como Dolan, também tinham sido recebidos a pontapés pelos críticos, voltaram com um trabalho mais desafiador, mais elogiado que o anterior, porém aquém de outros grandes filmes da dupla dessa década, como O Garoto da Bicicleta ou Dois Dias, Uma Noite.

Isabelle Huppert, uma das musas do festival, está em Frankie, de Ira Sachs

Frankie, ainda que recebido com certo entusiasmo, é um concorrente fraco à Palma. É a primeira vez que Ira Sachs concorre, e traz Isabelle Huppert, presença mais que especial no festival, numa atuação celebrada (talvez o júri dê o prêmio pra ela?). Gomera, do romeno Corneliu Porumboiu, um thriller aplaudido que, se não está tão concorrido para a Palma, está saindo com elogios do festival. The Wild Goose Lake recebeu comparações a Hitchcock, mas também ficou desvalorizado numa competição curiosamente acirrada e com promessas acima da média.

resumo de 20 a 22 de maio. 

segunda-feira, 20 de maio de 2019

Promessas da Croisette

Almodóvar (finalmente) favorito à Palma de Ouro
Bacurau, único brasileiro na competição, chama a atenção dos críticos

Festival de Cannes chegando na sua metade com uma porção de filmes promissores despontando na sua seleção recheada de coisa boa, e dificultando saber quem é que está mais perto da Palma de Ouro. Acompanhar o festival de longe, a posteriori, dificulta ainda mais, porém é bom ficarmos informados sobre quais são os filmes que estão aprovados e os filmes que receberam críticas mais duras. Entre os favoritos aos prêmios (que serão entregues no sábado) destacam-se Dolor y Gloria, de Almodóvar (tentando a Palma de Ouro pela 6ª vez, parece ser o grande favorito ao prêmio com esse novo projeto bastante pessoal), Portrait de la jeune fille en feu, de Sciamma (concorrendo pela primeira vez), A Hidden Life, de Malick (voltando a Cannes oito anos depois de A Árvore da Vida, que o garantiu a Palma, e com um filme que segundo alguns é bem mais convencional e seguro do que seus últimos filmes de ficção tidos como medianos), Atlantique, de Diop (ela é a primeira mulher africana a concorrer à Palma de Ouro na história do festival, e o filme foi recebido com chuvas de elogios) e, nosso representante nacional, Bacurau, de Mendonça Filho & Dornelles, que teve uma recepção bastante calorosa na semana passada, e já garantiu boatos de que poderia estar no radar dos prêmios. Les Miserábles, do estreante Ladj Ly, e Sorry We Missed You, o filme mais elogiado do veterano Ken Loach em muito tempo, também surgem entre os grandes preferidos de Cannes 2019. Enquanto isso, da competição, títulos que não agradaram muito a crítica, como The Dead Don't Die e Little Joe, foram rebaixados. 

Júri da competição

resumo da primeira metade (14 a 20/05) do Festival de Cannes

VINGADORES: ULTIMATO (2019)


Este comentário contém spoilers. Esperei para poder escrever sobre o novo Vingadores, o fenômeno das bilheterias que todos estavam loucos pra conferir, e que em uma semana após a sua estreia já tinha chegado à segunda colocação na lista das maiores bilheterias de todos os tempos (e está bem perto de passar Avatar), talvez pelo impacto que ele teve em mim, por não esperar que veria um filme tão grande e, ao mesmo tempo, ser tão sensível. 

O filme que encerra belamente uma das franquias mais populares do cinema é uma odisseia repleta de cenas grandiosas, sequências de ação enlouquecedoras com personagens que nos últimos anos, desde o primeiro filme dos Vingadores até as produções mais recentes, cresceram com o público e este aprendeu a acompanhar e gostar de suas histórias e filmes. O legado, mais uma vez, se fortalece a partir desses laços, que foram se estreitando, e que neste filme se confirmam. Em paralelo à grandiosidade épica que o encerramento dessa franquia exigiu, temos a leveza de cenas em que os super-heróis estão em seus momentos mais humanos, descontraídos ou pesados, mas carregados de uma simplicidade bem alegre e bem-resolvida. Ultimato expõe as fraquezas e as feridas, mas parece sempre olhar com amor aqueles personagens que construiu sua história, abraçando a história por trás de cada um deles. Abraçar a relação que o tempo fortaleceu e priorizar um retrato emocionante da fraternidade dos Vingadores e dos super-heróis é um dos pontos altos de Ultimato, que chegou para desestruturar os ranques como um dos melhores filmes de super-herói já feitos. 

A experiência de ver esse filme no cinema foi completamente emocionante, e tudo o que essa palavra pode definir Ultimato foi. A frenesi da ação, ou as lágrimas que eventualmente coloriram os rostos da maioria dos presentes na sessão lotadíssima (e o meu também, em uma sequência decisiva de deixar qualquer um extasiado), a beleza da redenção dos personagens, a amizade, o amor, as escolhas, o passado e o tempo, e o significado de uma família. Ultimato faz sentir tantas emoções, ao abraçar a simplicidade do seu sentimentalismo, que é também fruto da história que o público tem com essa franquia, mas que carrega na sua urgência pela união um significado bem maior, que transcende o mero exibicionismo da sua pilha de cenas grandiosas, mas esconde um afeto, que depois se revela com toda a graça desejada.

Os Irmãos Russo conseguem equilibrar a ação explosiva muito bem calibrada com sequências dramáticas devastadoras, capazes de deixar até quem não é fã em prantos. Os personagens estão nus e crus, em suas versões mais despidas, humanas, atenuantes. Grandes performances (Downey Jr, Renner, Ruffalo, Hemsworth, Evans, Brolin, etc.) coroam a opulência de um elenco que por si só é a própria reunião de família da Marvel, com a presença de atores que fizeram papéis em outros filmes da franquia (Swinton, Boseman, Cumberbatch, Olsen, etc.) que é impossível não pensar neste elenco como, pelo menos, a reunião mais exasperante dos últimos anos, e para os padrões do cinema, é um elenco gigantesco de satisfazer toda e qualquer expectativa.

Com um dos desfechos mais deslumbrantes e próximos da perfeição possíveis, Ultimato encerra belamente uma franquia que apaixonou vários espectadores, cinéfilos e fãs de quadrinhos desde o primeiro filme de 2012, e confirma o legado dos Vingadores. Faz a melhor combinação dos seus elementos para quebrar essa "regra" de que o mainstream não tem espaço para a delicadeza ou complexidade, e aqui são indispensáveis para fechar com chave de ouro uma história que emociona, faz vibrar, gritar, chorar, e conclui Ultimato com a dignidade que seus personagens demandam, desvendando o humano que em todo super-herói existe, e o que de mais heroico há no coração dos humanos. Me emocionou, eu que não sou fã, mas me senti como aqueles personagens, e a emoção tomou conta de mim, continuou vibrando até depois daquela sessão tão especial. Um dos melhores filmes de super-herói dos últimos anos, junto com Logan e Pantera Negra.

Vingadores: Ultimato
Avengers: Endgame
dir. Anthony & Joe Russo
★★★★

quinta-feira, 16 de maio de 2019

GAROTOS DE PROGRAMA (1991)


Garotos de Programa é Gus Van Sant antes da fama, antes de Hollywood, entregue às idiossincrasias do então cinema independente, experimentando linguagens e tentando coisas novas a cada partezinha do seu filme que fala sobre, entre outras coisas, o pertencer, o estar, as angústias de pessoas que vivem às margens, o abandono, e a todo instante, tenta-se encontrar, ou pelo menos alcançar, a beleza no meio daquela bagunça, enxergar o sublime em pessoas caóticas, perdidas.

A originalidade do estilo de Van Sant está livre, respirando sem amálgamas, ele tenta de tudo e consegue resultados espontâneos com o inconvencional. O elenco também aproveita da mesma liberdade pra moldar atuações inesquecíveis (River Phoenix, Keanu Reeves e William Richert estão brilhantes).

Num ritmo de road movie, o filme avança à medida em que descasca seus personagens, exibe suas fragilidades, expõe fraquezas, as perseguições, marcas da vida, e constrói um retrato melancólico, doloroso, de traços líricos, que projeta naquelas vidas marginais um senso de sentimento, comiseração sem forçar a barra, tudo para se alinhar com a beleza da procura que o personagem de Phoenix mantém pela mãe e que é o fio condutor da narrativa. Os caminhos dessa busca levam à contundência, com um desfecho forte, nunca exigente, mas que reflete a distorção daquelas vidas desencontradas e suas dores. Garotos de Programa provavelmente é o melhor exemplo daquilo que um drama homossexual deveria ser. Forte, mas sem apelos. E honesto, com delicadeza.

Garotos de Programa
My Own Private Idaho
dir. Gus Van Sant
★★★★½

O AMOR É CEGO (2005)


Provavelmente o melhor filme dos Irmãos Farrelly, empareado com O Amor é Cego. Diferentemente desse, aqui temos um casal cujo amor é testado pela devoção de um torcedor fanático do Red Sox ao time que é muito importante na sua vida, algo que no começo até surpreende a namorada por ela achar bonito o comprometimento e a dedicação com algo que se gosta, como um símbolo do amor, mas que aos poucos (e o filme vai desvendando isso de forma bem sutil e genial) vai mostrando seu lado, digamos, tóxico para a relação entre os dois.

Drew Barrymore talvez seja para as romcoms dos anos 2000 o que Sandra Bullock foi para os anos 90, e o charme dela entra numa sintonia tão deliciosa com o carisma do Jimmy Fallon que apenas observar a química entre os dois já deixa o filme encantador. Inclusive o que não falta são cenas românticas, sejam elas cômicas ou mais dramáticas, protagonizadas entre os dois, que funcionam belamente, dentro da simplicidade da proposta. Aos poucos percebo que os filmes do Farrelly tem essa vibe meio feel-good, até quando eles fazem comédias mais escrachadas, que mexem com um humor que surge do lado físico, mas que até nisso podem ser abordadas com certo sentimentalismo (como é o caso do Amor é Cego e de Ligado em Você também). Aqui isso fica de lado, em segundo plano, e o romance e o lado emocional são mais valorizados.

E importante notar que, sendo uma comédia que tem um protagonista tipicamente loser, até nisso há uma certa esperança, um "lado bom" para um personagem que busca a vitória no amor e no esporte, e o filme costura uma visão bastante positiva sobre esses dois campos e o significado deles para o Ben.

O Amor é Cego
Fever Pitch
dir. Bobby & Peter Farrelly
★★★★

terça-feira, 14 de maio de 2019

Festival de Cannes 2019: lista de desejos


Festival de Cannes começa hoje e a lista da seleção oficial veio recheada de promessas apetitosas para o ano cinematográfico de 2019. O poster dessa edição homenageia a querida cineasta francesa Agnès Varda, que nos deixou em março, fotografada durante as filmagens de seu longa de estreia, La Pointe-Courte. Segue aqui a reunião de alguns dos títulos que mais me interessaram dessa edição, acompanhando os que tiveram o prestígio de serem incluídos na competição pela Palma de Ouro. No júri, Iñárritu preside, e nomes do cinema como Reichardt, Lanthimos, Campillo, Pawlikowski e Rohrwacher irão escolher e entregar os prêmios com Elle Fanning, Enki Bilal e Maimouna N'Diaye. O festival segue de 14 a 25 de maio. 

Competição

Atlantique (Mati Diop)
Bacurau (Kleber Mendonça Filho & Juliano Dornelles)
The Dead Don't Die (Jim Jarmusch)
Frankie (Ira Sachs)
A Hidden Life (Terrence Malick)
It Must Be Heaven (Elia Suleiman)
Little Joe (Jessica Hausner)
Matthias & Maxime (Xavier Dolan)
Les Misérables (Ladj Ly)
Mektoub, My Love: Intermezzo (Abdellatif Kechiche)
Roubaix, une lumière (Arnaud Desplechin)
Once Upon a Time in Hollywood (Quentin Tarantino)
Dolor y Gloria (Pedro Almodóvar)
Parasite (Bong Joon-Ho)
Portrait de la jeune fille en feu (Céline Sciamma)
Sibyl (Justine Triet)
Sorry We Missed You (Ken Loach)
Il traditore (Marco Bellocchio)
Gomera (Corneliu Porumboiu)
The Wild Goose Lake (Diao Yinan)
Le Jeune Ahmed (Irmãos Dardenne)

OUTRAS PROMESSAS DA SELEÇÃO OFICIAL

Un Certain Regard

Freedom (Albert Serra)
A vida invisível de Eurídice Gusmão (Karim Ainouz)
Chambre 212 (Christophe Honoré)

Hors Concours

Rocketman (Dexter Fletcher)
Diego Maradona (Asif Kapadia)
Too Old to Die Young (Nicolas Winding Refn)
The Specials (Olivier Nakache & Éric Toledano)
Tommaso (Abel Ferrara)
Chicuarotes (Gael García Bernal)
Lux Æterna (Gaspar Noé)

Quinzena dos Realizadores

Deerskin (Quentin Dupieux)
First Love (Takashi Miike)
The Halt (Lav Diaz)
The Lighthouse (Robert Eggers)
Sem seu sangue (Alice Furtado)
Wounds (Babak Anvari)
Zombi Child (Bertrand Bonello)

domingo, 5 de maio de 2019

SE A RUA BEALE FALASSE (2018)


Se Moonlight era também sobre, de certa forma, o amor como forma de libertar-se de um mundo que te aprisiona, Se a Rua Beale Falasse inverte o jogo e retrata viver o amor diante dos cerceamentos do mundo, através de suas barreiras. Nesses filmes de Barry Jenkins, somos moldados pelos sentimentos ao mundo que nos cerca, pelas suas prisões, dores e aflições, para depois sermos resgatados pela graça, completude e maravilha do amor. É o que reafirma esse novo filme, que traz uma visão lírica e dolorosa da relação entre uma moça de 19 anos grávida de um rapaz que está preso, acusado de um crime que não cometeu.

Há todo um charme, uma dinâmica na paleta de cores, uma sutileza sublime nos enquadramentos e nos close-ups, magníficos. Obra de James Laxton, a fotografia não desaponta sequer um momento, continua evocando quem inspirou Jenkins (Kar-Wai, Denis) ao mesmo tempo em que cria para esse diretor sua estética própria, com cores que exprimem delicadamente os desdobramentos da trama, as sensações dos retratados e que também se conecta a quem está atrás da tela.

Diferentemente de Moonlight, esse aqui não tem o foco em apenas um personagem para depois conectá-lo ao elenco, mas divide sua atenção entre a Tish e o Fonny, e com os outros personagens, criando uma ponte entre os sentimentos de injustiça, glória e compaixão compartilhado por eles.

Num elenco inspirado, para as melhores atuações ficaram com a responsabilidade Regina King (excelente mesmo em poucas cenas), Stephan James e Kiki Layne, e até mesmo quem tem atuações menores, como Brian Tyree Henry, Aunjanue Ellis e Colman Domingo, conseguem se destacar.

A trilha de Nicholas Britell é desconcertante, tão desconcertante quanto a de Moonlight. Ajudando a compor a atmosfera romântica do filme, e com a sensibilidade de Barry Jenkins, esses detalhes ajudam a enriquecer a adaptação do romance de James Baldwin com um senso de ternura, paixão e força bastante precisos. O filme sabe da força que carrega e canaliza ela para o que ele tem de mais particular: sua compreensão tocante do amor. Com um retrato densamente pungente do negro na sociedade americana e das barreiras que a ele são impostas, Se a Rua Beale Falasse entende com a tristeza de um blues a marginalização, o aprisionamento, mas prefere costurar as vidas de seus personagens com o que de mais belo poderia acontecer a elas. É essa beleza, essa força incontida que, afinal de contas, permite que a esperança respire, e a liberdade fale, e enfim viva.

Se a Rua Beale Falasse
If Beale Street Could Talk
dir. Barry Jenkins
★★★★