Lav Diaz possui um olhar bastante estrito sobre as injustiças, e seus filmes geralmente são sobre personagens lidando com as injustiças e/ou que vão em busca de justiça, motivados pela vingança. O diretor parece ter um certo fascínio pelas possibilidades que suas histórias (afinal, ele é um contador) trazem, muito no que diz respeito à abordagem, é tanto que seu cinema parte de um mecanismo aparentemente simples para, depois, se fragmentar em uma possibilidade metódica, concreta, e é justamente aí onde reside a complexidade em seu cinema – e não na duração, embora este seja um fator bastante especial nos filmes do filipino.
Muito se diz a respeito das longas durações dos filmes de Lav Diaz, que nada mais é do que um veículo pelo qual ele estuda essas personagens e redesenha suas histórias, traça seus planos contemplativos e estabelece uma narrativa de semblante imersivo que visa, entre outras coisas, não só uma experiência quase meditativa para o espectador sobre a ação do tempo e a idiossincrasia do formalismo cronológico e da configuração estilística na linguagem cinematográfica mas sobretudo sobre essa liberdade de abordagem, de expressar-se em uma variação ilimitada, e é isso que esse cinema representa no que diz respeito à duração – que é compreendida por muitos como uma "inovação" e por outros essa ideia é rejeitada – talvez mais do que uma inovação propriamente dita essa continuidade é puramente uma explicitação estilística de Lav em sua forma de fazer cinema. O que realmente importa é o que ele faz com essas quatro, cinco, seis, oito, seja-lá-quantas-for horas e o que elas representam e, além do mais, a experiência em sua inteira composição e aspectos, e não o porquê dele fazer filmes tão longos como um artifício ressignificativo da diegese ou, pasme, uma coleção de maneirismos.
Se Lav fizesse filmes menores, talvez eles não teriam o mesmo significado, ou a experiência de vê-los, especialmente no cinema, não seria a mesma, não teríamos a mesma impressão, ou provavelmente, quem sabe, o mesmo impacto. É tanto uma característica própria, natural de seu estilo, e que deve ser encarada desta forma, antes de mais outras interpretações que busquem ler a sua utilização ou procurar algum sentido na "inclusão" de tempos mortos, e tentar explicar tal coisa é a mais falível das pretensões, cada um deve produzir a sua própria interpretação, logicamente, acerca do que é mostrado.
Ao que me parece, A Mulher que se Foi (e que ganhou o Leão de Ouro em Veneza no passado, muito merecidamente) é um dos melhores filmes de Diaz, gosto bastante de pensar do filme como uma "odisseia marginal", com a personagem de Charo Santos (em uma performance esplêndida) deflagrada em sua trajetória de vingança após a sua saída da cadeia (onde ela ficou presa por 30 anos acusada de um crime que não cometeu) e seu encontro com diversas figuras que peregrinam pelos cantos bucólicos da paisagem urbana das periferias filipinas, vivendo na sombra de seus passados e às margens da sociedade, até interessante observar esse ponto em que o Lav se dedica a humanizar as personagens tão sofridas e rejeitadas pela sociedade que cruzam o caminho da personagem Horacia.
Diaz transita com enorme naturalidade entre estas pessoas comuns, humanas, e a miséria de seus destinos, que desperta em Horacia um sentimento de simpatia e compaixão. Ela sempre está tentando melhorar suas vidas, bondosíssima que ela é, oferecendo ajuda e dinheiro a quem necessita. Lav, neste filme, aparenta estar bem mais dedicado à textura das personagens do que em estabelecer uma "crítica social foda", embora ele o faça, mesmo que numa levada bem mais dramática do que seus filmes anteriores, mas com dignidade – nenhum desses dois pontos jamais foi problema para Diaz.
A fotografia, em tons de preto em branco muito bem definidos, paira sob um espectro de tenebrosidade, que cobre o filme do começo ao fim, estabelecendo uma atmosfera de tensão, visto que boa parte das sequências são noturnas. É nesse retrato imperfeito, quebrado de um universo tão marginal que Lav encontra a afirmação de seu cinema da realidade, da imperfeição – nua e crua – em mais uma história sobre injustiças que nunca começa ou acaba bem, com algum personagem sempre sofrendo as consequências da ação de outro, a triste ironia do final é a miséria que culmina o encontro da travesti e da ex-detenta.
Diaz conclui mais um filme pesado, no sentido de ser tão carregado de sentimentos fortes e uma sensação de instabilidade e obscuridade que percorre pelo filme todo, dessas personagens que sofrem tanto, e que nunca parecem ter um momento de felicidade, fugindo do passado, ou regressando à ele, o inevitável é o que acontece no momento presente está ligado estritamente a uma ação do pretérito, o fator determinante dos caminhos desses seres marginais, trilhando o desespero e o silêncio da redenção, é sempre distante, inatingível – é a chama flamejante em uma infindável escuridão que, aos poucos, vai se apagando.
A Mulher que se Foi (Ang Babaeng Humayo)
dir. Lav Diaz
★★★★½