sexta-feira, 30 de junho de 2017

embalos do primeiro semestre


Parece que 2017 começou ontem – mas já estamos na metade do caminho. E que filmes maravilhosos esse ano já veio nos trazendo, em especial o primeiríssimo lugar, que parece ser a grande obra desse ano e que não foi superado por nenhum outro trabalho, e eu estou firme de que vai continuar assim. Aliás, filme bom é o que não falta nessa lista, e muitos outros ótimos ficaram de fora. Imagina só um ano desses que já pela metade tem só filmaço, pensa só na lista final? É esperar pra ver. 


OS 20 MELHORES (circuito)


1. Toni Erdmann (Maren Ade) 2. Manchester à Beira-Mar (Kenneth Lonergan) 3. Martírio (Vincent Carelli) 4. Paterson (Jim Jarmusch) 5. Personal Shopper (Olivier Assayas) 6. John Wick: Capítulo 2 (Chad Stahelski) 7. A Mulher que se Foi (Lav Diaz) 8. Eu, Daniel Blake (Ken Loach) 9. La La Land – Cantando Estações (Damien Chazelle) 10. Na Vertical (Alain Guiraudie) 11. Moonlight: Sob a Luz do Luar (Barry Jenkins) 12. Silêncio (Martin Scorsese) 13. Logan (James Mangold) 14. O Filho de Joseph (Eugène Green)
15. Fragmentado (M. Night Shyamalan) 16. Melhores Amigos (Ira Sachs)
17. O Ornitólogo (João Pedro Rodrigues) 18. Além das Palavras (Terence Davies) 19. Corra! (Jordan Peele) 20. John From (João Nicolau)

quinta-feira, 29 de junho de 2017

OKJA (2017)


Eu ainda tô um pouco desnorteado, mas com a certeza de que acabei de ver tanto o filme mais lindo e mais cruel de 2017 (até agora). 

É uma história de amor que explora este em todos os seus aspectos mais minuciosos e como este afeta suas personagens, na sua presença, na ausência, na procura, na criação e na destruição. O filme parece estar bastante seguro do que quer passar, e sobretudo expor, neste retrato que consegue transitar entre o lúdico e o sombrio, o humor e a tragédia, o sentimentalismo e a indiferença. 

Interessante observar a satirização de algumas personagens secundárias que surgem na trama, a estranhíssima businesswoman de Swinton (em ambas as suas versões) é obcecada pelo monopólio da indústria alimentícia: o consumismo representa a materialização biológica da capitalização.

O megalomaníaco "amante dos animais" de Jake Gyllenhaal é o exato oposto daquilo que aparenta ser: um monstro transtornado que em sua simpatia e descontração nos momentos iniciais do filme aparenta ser tão inofensivo, digamos, é ele que catalisa a obsessão egomaníaca e o desejo de posse e decorrentemente no longa se torna o mais vil e mentalmente desestabilizado neste arco. 

Bong Joon-Ho se esforça em estabelecer uma atmosfera em constante subversão de expectativas e elementos narrativos, pode-se dizer que há um certo sucesso nisso, à medida em que ele vai conduzindo seu público a uma conclusão dura, mas que em sua denúncia desesperançosa e cruel abre portas para um novo ciclo de esperança, vemos um claro contraste e a metalinguagem que ele substancializa ganha novas camadas, é ao mesmo tempo uma exposição da realidade sensível, quebradiça e de um futuro mais próximo ao ideal de reconstrução, equilíbrio, estabilização. 

A beleza e a inocência da relação entre uma garota e seu mascote rivaliza com a crueldade de um mundo cada vez mais destruído, fodido mesmo. Um dos grandes pontos do filme está justamente nesta exposição de perspectivas e lados opostos, contrastes, sem ser maniqueísta. 

A fotografia de Darius Khondji, de volta à boa forma, é preenchida por sequências extremamente lindas, a câmera parece envolver e se adequar às sequências e seus maneirismos de forma quase imersiva. A noção de espaço, que parece se modificar em determinadas cenas do filme, é outro quesito genialmente bem feito. 

Talvez seja o primeiro grande filme deste ano, so far, nunca pensaria que choraria num longa sobre superporcos geneticamente modificados, mas sempre tem uma primeira vez pra tudo. Me deixou desarmado em sua completa melancolia e ternura. Eu amei, muita gente vai dizer que é "filme pra fazer Tony Ramos virar vegetariano" ou coisas do tipo (misurderstood) mas eu acho que é, além de tudo, uma história de amor, um conto que preza pela beleza e pelo afeto humano de uma simplicidade infantil que surge dessa relação de laços tão fortes entre Okja e Mija. Podem me chamar de crianção, mas esse filme me deixou assim, com um aperto no coração, mas ao mesmo tempo nas nuvens.

Okja
dir. Bong Joon-Ho
★★★★½

terça-feira, 27 de junho de 2017

A MULHER QUE SE FOI (2016)


Lav Diaz possui um olhar bastante estrito sobre as injustiças, e seus filmes geralmente são sobre personagens lidando com as injustiças e/ou que vão em busca de justiça, motivados pela vingança. O diretor parece ter um certo fascínio pelas possibilidades que suas histórias (afinal, ele é um contador) trazem, muito no que diz respeito à abordagem, é tanto que seu cinema parte de um mecanismo aparentemente simples para, depois, se fragmentar em uma possibilidade metódica, concreta, e é justamente aí onde reside a complexidade em seu cinema – e não na duração, embora este seja um fator bastante especial nos filmes do filipino. 

Muito se diz a respeito das longas durações dos filmes de Lav Diaz, que nada mais é do que um veículo pelo qual ele estuda essas personagens e redesenha suas histórias, traça seus planos contemplativos e estabelece uma narrativa de semblante imersivo que visa, entre outras coisas, não só uma experiência quase meditativa para o espectador sobre a ação do tempo e a idiossincrasia do formalismo cronológico e da configuração estilística na linguagem cinematográfica mas sobretudo sobre essa liberdade de abordagem, de expressar-se em uma variação ilimitada, e é isso que esse cinema representa no que diz respeito à duração – que é compreendida por muitos como uma "inovação" e por outros essa ideia é rejeitada – talvez mais do que uma inovação propriamente dita essa continuidade é puramente uma explicitação estilística de Lav em sua forma de fazer cinema. O que realmente importa é o que ele faz com essas quatro, cinco, seis, oito, seja-lá-quantas-for horas e o que elas representam e, além do mais, a experiência em sua inteira composição e aspectos, e não o porquê dele fazer filmes tão longos como um artifício ressignificativo da diegese ou, pasme, uma coleção de maneirismos.

Se Lav fizesse filmes menores, talvez eles não teriam o mesmo significado, ou a experiência de vê-los, especialmente no cinema, não seria a mesma, não teríamos a mesma impressão, ou provavelmente, quem sabe, o mesmo impacto. É tanto uma característica própria, natural de seu estilo, e que deve ser encarada desta forma, antes de mais outras interpretações que busquem ler a sua utilização ou procurar algum sentido na "inclusão" de tempos mortos, e tentar explicar tal coisa é a mais falível das pretensões, cada um deve produzir a sua própria interpretação, logicamente, acerca do que é mostrado.

Ao que me parece, A Mulher que se Foi (e que ganhou o Leão de Ouro em Veneza no passado, muito merecidamente) é um dos melhores filmes de Diaz, gosto bastante de pensar do filme como uma "odisseia marginal", com a personagem de Charo Santos (em uma performance esplêndida) deflagrada em sua trajetória de vingança após a sua saída da cadeia (onde ela ficou presa por 30 anos acusada de um crime que não cometeu) e seu encontro com diversas figuras que peregrinam pelos cantos bucólicos da paisagem urbana das periferias filipinas, vivendo na sombra de seus passados e às margens da sociedade, até interessante observar esse ponto em que o Lav se dedica a humanizar as personagens tão sofridas e rejeitadas pela sociedade que cruzam o caminho da personagem Horacia.

Diaz transita com enorme naturalidade entre estas pessoas comuns, humanas, e a miséria de seus destinos, que desperta em Horacia um sentimento de simpatia e compaixão. Ela sempre está tentando melhorar suas vidas, bondosíssima que ela é, oferecendo ajuda e dinheiro a quem necessita. Lav, neste filme, aparenta estar bem mais dedicado à textura das personagens do que em estabelecer uma "crítica social foda", embora ele o faça, mesmo que numa levada bem mais dramática do que seus filmes anteriores, mas com dignidade – nenhum desses dois pontos jamais foi problema para Diaz.

A fotografia, em tons de preto em branco muito bem definidos, paira sob um espectro de tenebrosidade, que cobre o filme do começo ao fim, estabelecendo uma atmosfera de tensão, visto que boa parte das sequências são noturnas. É nesse retrato imperfeito, quebrado de um universo tão marginal que Lav encontra a afirmação de seu cinema da realidade, da imperfeição – nua e crua – em mais uma história sobre injustiças que nunca começa ou acaba bem, com algum personagem sempre sofrendo as consequências da ação de outro, a triste ironia do final é a miséria que culmina o encontro da travesti e da ex-detenta.

Diaz conclui mais um filme pesado, no sentido de ser tão carregado de sentimentos fortes e uma sensação de instabilidade e obscuridade que percorre pelo filme todo, dessas personagens que sofrem tanto, e que nunca parecem ter um momento de felicidade, fugindo do passado, ou regressando à ele, o inevitável é o que acontece no momento presente está ligado estritamente a uma ação do pretérito, o fator determinante dos caminhos desses seres marginais, trilhando o desespero e o silêncio da redenção, é sempre distante, inatingível – é a chama flamejante em uma infindável escuridão que, aos poucos, vai se apagando.

A Mulher que se Foi (Ang Babaeng Humayo)
dir. Lav Diaz
★★★★½

domingo, 25 de junho de 2017

ALÉM DAS PALAVRAS (2016)


Muito interessante essa oportunidade de assistir a uma cinebiografia da poetisa americana Emily Dickinson, ainda mais quando o filme em questão leva a assinatura de um dos diretores britânicos mais conceituados, embora subestimado, dos nossos tempos: o brilhante Terence Davies, que realiza mais uma obra carregada de delicadeza, sensibilidade, um dos melhores trabalhos desse cineasta com certeza, e o público brasileiro teve o privilégio de receber esse trabalho nos cinemas este ano.

O andamento do filme exala uma certa neutralidade, em suas duas horas, de peregrinar por momentos tão marcantes da vida de Emily Dickinson, uma das poetisas americanas mais aclamadas, embora seja tão pouco conhecida aqui no Brasil, e é sempre bom assistir a um filme que nos faça reviver a jornada dessa artista e conhecer melhor a sua arte, a sua poesia, bem como sua personalidade bastante determinada, de difícil domação, visto que ela, uma mulher tão independente, tinha perspectivas tão fortes e próprias sobre o mundo ao seu redor, tentando abordá-lo através da poesia, das palavras.

Sem sombra de dúvidas, foi um grande ícone, mas também o filme busca abordar alguns dos problemas da vida pessoal de Emily, sua dificuldade em lidar com a vida amorosa, sua melancolia em ver a vida, a tristeza... O que a alegra são as amizades, os momentos em família, mas ao mesmo tempo ela não deixa de ser irônica, sarcástica, ácida quando é necessário (ou às vezes não), características de seu humor quase intrépido, corrosivo.

Ao longo de duas horas, Terence consegue falar mais do que algumas das cinebiografias recentes e já por isso merece ser relevado. Da vida até a morte, dos momentos mais complicados de sua vida, da difícil relação com o universo religioso e as imposições da família quanto à religião, à qual ela tentava manter certa distância em relação à compactuação.

A performance de Cynthia Nixon, que vive Emily Dickinson na maior parte do filme, é realmente admirável, já que conheço muito pouco do trabalho de Nixon, embora ela seja bastante famosa por ter atuado na série Sex and the City, e essa chance de melhor vê-la em cena é muito única, até porque a interpretação dela é um espetáculo. Entre os destaques desse elenco tão prestigioso, estão Jennifer Ehle, que vive a irmã de Emily e uma de suas principais companheiras ao longo de sua vida, e Catherine Bailey, que vive uma amiga intelectual muito próxima da poetisa.

A trilha sonora é dotada de uma beleza extrema, que consegue definir e tonalizar muito bem alguns dos melhores momentos deste filme, cuja delicadeza dramática abraça uma força totalmente instigante, maravilhosa, até. A fotografia também acaba por ter reservado algumas das sequências mais visualmente exuberantes e belas do longa.

Além das Palavras (A Quiet Passion)
dir. Terence Davies
★★★★

quinta-feira, 22 de junho de 2017

INVASÃO DE DOMICÍLIO (2006)


A segunda metade do filme conseguiu me tocar mais do que a primeira, nisso percebi o quanto começa fraquinho e vai crescendo, nos fazendo entender cada personagem neste círculo. Incrível aproveitamento do elenco, destaque para as atuações memoráveis de Juliette Binoche e Jude Law. A forma como o filme lida com os dramas individuais e conjuntos desses personagens é realmente admirável, a força dramática que impulsiona essa reflexão metafórica sobre as tensões nas relações humanas é revitalizada pelo desempenho fenomenal desse mesmo elenco. Talvez as resoluções sejam muito simples para questões complexas demais, o que afeta na conclusão fragilizada. O filme final de Anthony Minghella possui um certo equilíbrio dramático, um controle balançeado sobre o desenvolvimento dos personagens, uma narrativa fluível, se por um lado não é um grande filme, é bom o suficiente para nos cativar durante suas duas horas (entretanto senti que poderia ser um pouco menos longo) e impactar (de certa forma).

Invasão de Domicílio (Breaking and Entering)
dir. Anthony Minghella
★★★

ROMANCE À FRANCESA (2015)


A doçura de filmes como Romance à Francesa, este belo conto de Emmanuel Mouret, remete a um cinema cuja leveza acaba influindo em um astral bastante suave, requintado, e que adocica as histórias de amor e a vida dos personagens, mesmo diante de alguns eventos desastrosos que acabam por surgir, mas que nunca deixam de ser regados a emoção e sentimento. Ainda mais na presença de duas das maiores revelações do cinema francês recente, as talentosas beldades Virginie Efira e Anaïs Demoustier, simplesmente não dá pra resistir um filme com ares tão inspirados, e de uma índole tão romântica e vivaz. 

Mouret parece emular Woody Allen, à seu próprio modo, é claro, com seu estilo autoral de realizar filmes carregados pela leveza e com foco em aventuras e desventuras amorosas de seus personagens. É também uma constante na filmografia do diretor os personagens masculinos meio atrapalhados e que acabam se envergonhando, mesmo que tão infantilmente, frente ao amor, o que acaba por gerar um certo clima de benevolência e amabilidade no espectador, tão inocente e tão honesto. 

As personagens femininas geralmente são mulheres fortes e determinadas que, em distintas relações, acabam dando mais amor do que recebem, e em outras situações acabam recebendo mais do que dão, como é o caso deste filme, em que o personagem de Mouret, um homem divorciado, é fã de uma atriz de teatro (Efira) de quem ele não perde uma apresentação. Os dois se aproximam quando ela decide ir à escola em que ele trabalha procurando um professor para seu sobrinho. Eles acabam marcando um encontro, e repentinamente se apaixonam. 

E, quando tudo parece estar funcionando, Mouret, que ama profundamente a atriz, acaba por ser o grande amor de uma outra mulher, também atriz (Demoustier) mas nem tão reconhecida quanto, que o encontrara repetidas vezes no teatro em várias apresentações, como se fosse uma sina do destino que eles dois se encontrassem. Ele não está interessado nela, por mais amável, gentil e graciosa que ela seja com ele e demonstre sentimentos tão verdadeiros quanto os que ele sente pela outra mulher. 

O desfecho certamente é de cortar o coração, Mouret faz uma história focada dualmente no amor sob diferentes perspectivas, o amor que é correspondido e o amor que não é correspondido, quase como se fossem duas histórias independentes se entrecruzando, gerando essa trama de amor tão contundente, devastadora em seu final tão emocionante, mas linda como um todo.

Mouret, Efira e Demoustier estão excepcionais. Não haveriam melhores atores para este triângulo amoroso e para tais personagens. Emmanuel confirma seu status de Woody Allen do cinema francês recente com mais um conto apaixonante sobre desilusões amorosas e sentimentos que se concretizam, e não se concretizam ao mesmo tempo. 

Romance à Francesa (Caprice)
dir. Emmanuel Mouret
★★★★

quarta-feira, 21 de junho de 2017

NA VERTICAL (2016)


Alain Guiraudie já tinha provado, com Um Estranho no Lago, ser um dos mais promissores cineastas da França, e ele volta a provar a força de seu cinema tido como promissor há alguns anos em seu mais novo trabalho, um pouco menos instigante e tenso do que o anterior, mas que volta a trabalhar com temáticas semelhantes seguindo à risca um estilo bastante próprio de filmar, e as marcas do diretor, seu trabalho com um linha espinhosa, temas de difícil abordagem e personagens em situações pouco convencionais, até fantásticas, como chegam a ser algumas das sequências deste filme que beiram a fantasia, fora da lucidez, embora seus personagens sejam pessoas comuns, do cotidiano.

A provocação é uma constante no cinema de Guiraudie, e ele volta a trabalhá-la de maneira excepcional neste Na Vertical, com traços parecidíssimos ao de Um Estranho no Lago, seu thriller hitchcockiano/homoerótico que já era um primor. Aqui, há um cuidado bem maior nesta questão da provocação, embora o resultado não seja necessariamente tão satisfatório e magnífico como o do anterior. São dois filmes que se encontram em perspectivas semelhantes, e o erotismo homoerótico passa a ser uma espécie de marca registrada na filmografia deste diretor.

Se no suspense de 2013 o diretor ousava inserindo uma tensão sexual bastante explícita, até mesmo na imaginação dos personagens que permeiam uma praia nudista frequentada assiduamente por homossexuais, com direito a muita nudez, neste aqui Alain vai além, inserindo ao menos duas sequências ainda mais ousadas e provocativas que certamente ficarão gravadas na memória do espectador: a cena do parto e a cena de sexo gay, pra mim duas sequências extremamente bem concebidas e realizadas, que estão entre as melhores do filme, que por si só já é bastante memorável por uma série de fatores. 

A lástima é o filme ter tido uma recepção tão breve e pouco calorosa após sua estreia em Cannes, onde foi tido como controverso e polêmico, mas depois do festival quase não se comentou sobre o filme e nem chegou a ter, digamos, uma recepção internacional tão famigerada, ainda que tenha aparecido na conceituada lista de fim de ano da revista Cahiers du Cinema. Por isso, a estreia deste filme tão provocador e único aqui no Brasil já é de uma grandeza única. 

As performances de Damien Bonnard (excelente), India Hair e Raphael Thierry merecem ser relevadas. O filme dialoga com temáticas bastante interessantes, inclusive na questão da paternidade, que parece ser o cerne da trama, e também da tensão sexual que é evocada em diversas cenas, de forma direta (ou indireta). O que importa é que o filme, em todo o seu significado e sua austeridade, utiliza toda uma cultura erótica a seu favor, e na construção de temáticas e conclusões que, mesmo nem tão tangíveis, estão bastante próximas da subjetividade. Alain Guiraudie é definitivamente um diretor a ser acompanhado, um dos nomes de peso do cinema francês recente.

Na Vertical (Rester Vertical)
dir. Alain Guiraudie
★★★★

FRANTZ (2016)


Confesso que esperava mais do novo filme de François Ozon. Não, não é um filme ruim. Muito pelo contrário, se trata de um trabalho bastante plausível, com muitos pontos relevantes, mas não me pegou da forma que eu esperava, talvez por ser um dos filmes menos provocativos de Ozon, um diretor que sempre soube trabalhar muito bem a provocação em seus filmes, este aqui tem um tom dramático mais elevado, centrado em uma personagem dividida entre dois amores. O interessante deste filme é como a história trata de eventos passados e a influência destes no presente, e até mesmo o personagem que já morreu é um dos principais cernes da trama, estando até mais presente, digamos, do que as personagens principais viventes. 

O cuidado técnico é invejável, a fotografia, belíssima. Os momentos que alternam entre o P&B e o colorido são realmente fantásticos, funcionam até mais que a própria ideia, o realce quase modesto que essas sequências propulsionam é de uma delicadeza notável. Entre os grandes destaques do filme, está Paula Beer, em uma grande interpretação, talvez a maior da atriz até hoje, com momentos dramáticos bem pesados e tensos neste filme.

Pierre Niney, que interpreta Adrien, o ex-soldado de guerra, é outro grande destaque, dono de uma performance inspirada. Seu personagem vive um dilema extremamente delicado ao estar apaixonado pela mulher do soldado inimigo que ele assassinou em tempos de guerra. O desfecho é ainda mais carregado, vale frisar cenas magníficas que surgem dele, como a cena do assassinato, que ao meu ver é uma das mais impactantes do filme (não acho que seja possível manter segredo a respeito dessa parte, já que desde o começo essa informação nos é introduzida, então...). 

Ozon está em boa forma, Frantz está longe de ficar entre seus melhores filmes, mas com certeza trata-se de um exemplar seguro de seu cinema arrebatador, com uma influência dos tempos de outrora do expressionismo alemão, e, é claro, o cinema de Ernst Lubitsch, mais especificamente, do qual este filme parece beber da fonte. 

Frantz
dir. François Ozon
★★★

terça-feira, 20 de junho de 2017

CALA A BOCA, PHILIP (2014)


Uma comédia de desajustes, em que o inaturável personagem-título acaba sendo o alvo de um estudo meio desacertado, intangível, que se confunde entre perspectivas que não se justificam, por outro lado atinge um humor sólido, com extrema naturalidade e fluidez. Chega a ser engraçado o quanto ele é insuportável e irritante, e mesmo que as pessoas ao seu redor se esforcem para não dar muita bola, sua lembrança funde sentimentos contraditórios e sua presença é motivo de desconforto, no fim das contas ele é a causa de toda a sua insatisfação. É claro, a construção do personagem é irregular, exagerada, até nesse ponto de ser egocêntrico, há uma relevância desnecessária, quase arbitrária. Na questão da narrativa, deve ser o mais simbólico dos filmes do Alex Ross Perry, inevitavelmente lembrando Woody Allen, principalmente na trilha sonora jazzística e nos personagens meio perdidos, desencontrados.

Cala a Boca, Philip (Listen Up, Philip)
dir. Alex Ross Perry
★★★

AMANTES (2008)


Sei que essas palavras não são suficientes para um filmaço desses, não consigo realmente expressar o quanto eu o adoro, embora tentei, neste curto comentário, dizer o que eu senti assistindo essa obra maravilhosa, da segunda vez que eu a vi. Belíssima. 

Como poucos filmes, Amantes consegue evocar tamanha beleza e fazê-la emergir de momentos tão inesperados e simples que não há como não se sentir, no mínimo, gratificado por estar assistindo a um filme tão bonito, de personagens tão humanas, tão ricas. É uma história de amor de James Gray, linda em todos os aspectos, gigante em sua concepção. Embebido de uma suavidade elegante e tenra, traz à tona sentimentos dos mais diversos e faz o espectador senti-los como se estivesse na pele dos personagens, cada fala, cada gesto acaba tendo um impacto desconcertante. É nessa imensidão que Gray costura seu maravilhoso conto romântico, um dos exemplares mais belos do cinema recente e de sua filmografia. O cara é porreta, a cada filme se renova, e nos faz ter a certeza de que é um mestre. Nos convida a sentir o cinema em sua forma mais plena e segura, num conto apaixonado, preenchido por sentimentos entrelaçados, que parecem nunca estar no lugar certo, aos poucos se alinham, dando origem a um sentimento de paz e conforto, aquele amor que nos faz reviver, querer vivê-lo. 

Amantes (Two Lovers)
dir. James Gray
★★★★★

sábado, 10 de junho de 2017

MULHER MARAVILHA (2017)


Os filmes centrados no empoderamento feminino estão em alta. E Mulher Maravilha torna-se mais um exemplar precioso dessa safra de filmes que se fazem precisos em tempos onde as mulheres estão lutando por igualdade, reconhecimento e poder com todas as suas forças e como nunca lutaram tão intensamente na história da humanidade. Afinal, é sobre isso que é Mulher Maravilha, sobre o poder feminino, sobre uma heroína de verdade. E quem está representando o empoderamento das mulheres é a Gal Gadot, a fenomenal estrela deste que é o filme da temporada. 

Gadot é uma das melhores versões da heroína – sua beleza, sua formosidade, sua determinação e sobretudo sua crença na personagem que está carregando constroem uma das mais bem-feitas versões da personagem em muito, muito tempo – ela é a alma deste filme, a estrela, a mulher maravilhosa. 

A sessão do filme não será tão fácil esquecida, e por muitos motivos. O filme, é claro, já é suficiente para deixar em nossas memórias uma gentil lembrança de sua abordagem feminista justa e bem intencionada e de seu uso assustadoramente bem coordenado de efeitos visuais e a direção de arte gloriosa. Gadot também é uma boa razão para não se esquecer de Mulher Maravilha tão facilmente. Mas, dentre outras coisas foi a sessão em si, e não o filme, que guardam alguns momentos mais memoráveis ainda.

A sala não estava cheia, no começo do filme, antes mesmo dos trailers, ficamos uns cinco, seis minutos esperando. Então, a tela do nada ficou verde – os espectadores inquietos, alguns se virando para ver se era algum problema de manutenção na projeção – e então os trailers começaram. Até que parou, e tudo ficou verde novamente. Ouvimos um coro "aaaaaah". Em questão de segundos, os trailers começaram a ser exibidos na mesma normalidade. Depois, um cara, funcionário do cinema, entrou na sala para ajustar o ar condicionado que estava desligado, e ficou um bom tempo, pra terminar a sala estava fria pra cacete, acho que ele desregulou a temperatura. 

A coisa mais irônica que aconteceu nesta sessão: repetidas vezes, um cara que estava sentado na fileira à frente da minha assobiava "fiu fiu" quando a Gal Gadot aparecia em tela, seja nas cenas de ação ou em alguma cena mais sugestiva. Me pergunto se o homem estava fazendo isso só pra irritar as feministas na sala. 

Voltando ao filme – ele peca pela duração desacertada, achei duas horas e 20 muito tempo para o que foi contado, mesmo que eu não ache que seja um filme chato, ou que tenham cenas desnecessárias, mas dá pra perceber que erraram no recorte da trama e isso afeta a duração; Provavelmente é o melhor e mais bem-feito exemplar da safra de filmes de super-heroínas. É destaque a participação de David Thewlis, Elena Anaya (confesso que tive que olhar várias vezes para ter certeza que era ela), Robin Wright, Chris Pine e Danny Huston. 

O desfecho é irregular, embora o filme às vezes também tenha algumas passagens irregulares entre sequências grandiosas. Mas deixa a desejar, principalmente a revelação do vilão no final. Mas, se tem um bom motivo para você ir conferir este filme, deixe-me dizer: GAL GADOT. Assistam!

Mulher Maravilha (Wonder Woman)
dir. Patty Jenkins
★★★

quinta-feira, 8 de junho de 2017

ANIMAIS FANTÁSTICOS E ONDE HABITAM (2016)


Spin-off da franquia Harry Potter, Animais Fantásticos e Onde Habitam traz o mesmo cara que dirigiu a maioria dos filmes da série em questão, David Yates, e roteiro que é assinado pela própria J.K. Rowling, a escritora inglesa que deu vida aos personagens de uma das franquias literárias mais vendidas e famosas de todos os tempos. Como resultado deste trabalho, cinemas lotaram de fãs e seguidores da franquia e do trabalho de Rowling, e pode-se dizer que o filme foi feito para estes – assim como muitos filmes da franquia do Harry Potter também se dirigiam a um certo público-alvo – serão feitas cobranças em relação à obra original, mas pouco realmente se releva diante destes filmes, cinematograficamente falando.

Por outro lado, embora seja cansativo e muitas vezes tedioso, Animais Fantásticos e Onde Habitam tem um cuidado bastante satisfatório com seus aspectos técnicos, transformando cenários e locações em verdadeiros monumentos, problematizados pela séria artificialização, e talvez esse seja outro motivo pelo qual é tão difícil seguir a substância que este filme evoca. A fotografia – excessivamente artificial, fake, computadorizada – reflete o mais incômodo dos deslizes deste filme. A criação reverbera um cuidado magnânimo, mas desnecessariamente excessivo e artificializado. 

Eddie Redmayne nunca esteve tão bem em um filme antes, por mais que ele seja um intérprete mediano, limitado, ele se saiu muito bem, até mais do que nos seus dois outros papéis pelos quais foi indicado ao Oscar. Pra mim ele não é nada convincente, mas o personagem lhe caiu como uma luva. Quem merece destaque é Katherine Waterson, que mesmo coadjuvante, consegue surpreender, e Dan Fogler. Aparecem pouco, mas merecem ser relevados: Samantha Morton e Colin Farrell. 

Animais Fantásticos e Onde Habitam (Fantastic Beasts and Where to Find Them)
dir. David Yates
★★★

segunda-feira, 5 de junho de 2017

A CRIADA (2016)


Um dos filmes mais falados e adorados de 2016 só chegou aos cinemas brasileiros esse ano, trata-se de um controverso romance de época de aproximadamente duas horas e meia de duração que foca em duas mulheres que mantém uma relação amorosa, mesmo diante de uma relação de dominação e submissão de empregada-patroa em que, durante a trama, invertem-se os "papéis" das duas mulheres, estabelecendo um jogo fatal de manipulação e dominação entre elas e os homens que estão envolvidos nessa relação. 

Sem dúvida é um dos filmes mais audazes, tecnicamente exuberantes e complexos (bem complexos) que o ano passado nos trouxe. E seu diretor, quando o assunto é complexidade, sabe bem o que faz: Park Chan-wook, o mesmo que outrora dirigiu o sucesso do cinema sul-coreano Oldboy. O plot twist é, mais uma vez, uma constante neste novo filme de Chan-wook que brinca com a questão da perspectiva em torno das personagens centrais da trama quando manipula suas intenções e tateia possibilidades inexploradas, reservando mistério, tensão e um pouco de caos para o espectador.

Lá para os últimos quarenta, trinta minutos de filme, a trama sofre uma reversão quase desesperada. E se o filme fica um pouco suspenso entre o que diz uma hora e o que diz depois, há uma intervenção quase maluca de sequências bizarras e metaforicamente ricas que preenchem o quê de complexidade do longa, filme este que prova a potência do cinema sul-coreano em uma de suas melhores fases.

O elenco, magistral, está sob a regência atenciosa de Park Chan-wook, que consegue estabelecer ligações esplêndidas entre os momentos de tensão e a crise de seus personagens. A dupla de protagonistas, as ótimas Kim Min-Hee (musa do diretor Hong Sang-Soo, hoje um dos mais aclamados cineastas da Coreia do Sul) e Kim Tae-Ri, dão um show de interpretação. Difícil esquecer o desempenho dessas duas intérpretes excelentes, que dão vida e costuram a trama principal deste filme sensual, visualmente exuberante, vibrante e tensamente erótico, um dos melhores suspenses dos últimos anos.

A Criada (Ah-ga-ssi)
dir. Park Chan-wook
★★★★½

domingo, 4 de junho de 2017

ARMAS NA MESA (2016)


Jessica Chastain já provou, diversas vezes, em tela, que é uma atriz fenomenal – e ainda assim a cada filme novo a atriz nos surpreende mais, entregando personagens excepcionalmente bem delineadas e costurando suas nuances com uma incrível naturalidade, seus gestos e suas faces sempre acabam nos fazendo pedir por mais, sua sensualidade provocativa também ajuda a compor mulheres fortes e determinadas – ela é justamente o grande potencial do novo filme do cineasta John Madden, e provavelmente a única razão pela qual este realmente merece ser visto, pois o filme em si não faz jus à brilhante performance que ela aqui nos apresenta.

O roteiro é de Jonathan Perera – seu trabalho de estreia no cinema e seu único roteiro até então, um ato raríssimo na indústria cinematográfica – que exagera bastante em diálogos que parecem lutar para serem no mínimo desconcertantes e coerentes, talvez encobrindo uma ligeira falta de inspiração para algumas sequências um pouco desajustadas, que acabam se perdendo nesta falta de fluidez, mesmo aquelas de duração mínima, passando por algumas mais significantes e tensas que sofrem com essa abordagem meio evasiva, indireta.

O que salva o filme mesmo é o charme de Chastain, cuja personagem é uma mulher cuja função está estritamente ligada ao poder, e como o próprio título sugere ela está lidando com questões de cunho delicado relacionadas ao armamento. Elizabeth, que é contra o idealismo pró-armas, é intimidada pelos que apoiam e sua profissão é posta em risco, afetando drasticamente sua vida profissional e seus ideais políticos. 

A atriz foi indicada (merecidamente) ao Globo de Ouro por sua atuação neste longa que, apesar de fraquinho, ostenta uma das melhores interpretações da carreira da atriz, provando que sabe emergir em uma outra pessoa e ainda sim captar cada movimento e cada retoque que surge desta criação. Pena mesmo é que sua personagem seja tão mal escrita e desenvolvida, e sofra tanto com diálogos irregulares e um roteiro com muitos furos e a forte evidência maniqueísta presente no desfecho bagunçado que estraga o clima que Madden cautelosamente elabora para a trama. 

Jess é a atriz perfeita para os papéis envolvendo política e diplomacia (A Hora Mais Escura deixa isso bem claro) mas quando ela está em um filme que não sabe o que quer dizer e ainda por cima trata muito mal da sua personagem principal, o resultado é desinteressante, irrelevante e maçante. Armas na Mesa é desastroso, não justifica a presença de uma atriz do naipe de Chastain em um longa tão descaradamente mal feito. 

Armas na Mesa (Miss Sloane)
dir. John Madden 
★★½

sábado, 3 de junho de 2017

WAR MACHINE (2017)


O filme que estava tão cotado para entrar na awards season acabou arredando e ficou para a Netflix mesmo, talvez poderia até trazer, quem sabe, uma indicação ao Oscar para Brad Pitt, que está ótimo, até melhor que alguns dos candidatos desse ano, mas infelizmente seu personagem é bem fraco e o filme não ajuda muito. Aliás, a aposta da Netflix em War Machine foi tamanha que não faz um pingo de jus ao que a produção de fato é: uma comédia mediana que desperdiça a maior parte de seu tempo com uma narrativa lenta, inconsequente e falha que vislumbra a trajetória de uma tropa no Afeganistão.

A história é completamente desinteressante, a maneira como os eventos são descritos acaba transformando a intenção em se tornar um filme de guerra "leve", "cômico" em uma completa bagunça. Duas horas pra quê? Duas cansativas e intermináveis horas para descrever uma série de fatos que não se conciliam e ainda mais fazer uma abordagem política totalmente rasa. Talvez, penso eu, War Machine funcionaria mais como uma série, afinal, os propósitos deste estão certos e, se melhor dispostos e construídos, deixariam o filme mil vezes melhor do que ele não é, mas talvez a fórmula televisiva se encaixaria mais nesse viés de esquematizar cada cena do filme, com uma trilha sonora que nunca parece combinar com a cena, criando um efeito indesejado e exacerbado. 

O papo todo do patriotismo americano, da invasão, das justificativas da entrada no Afeganistão, tudo aqui está descrito de forma tão óbvia e unilateral. A tentativa de humorizar algumas cenas de teor mais sério e contido acaba funcionando perfeitamente, pena que o resto do filme acaba caindo no esquecimento, na mesmice, no desinteresse.

War Machine
dir. David Michôd
★★

sexta-feira, 2 de junho de 2017

KONG: A ILHA DA CAVEIRA (2017)


Quem conta um conto, aumenta um ponto. A nova adaptação de uma das maiores fábulas da história do cinema, uma história da qual os espectadores nunca se cansam, e que a cada versão melhora e continua a eletrizar o público, sempre trazendo muita emoção: Kong: A Ilha da Caverna tem o gostinho hollywoodiano de superprodução, é interessantemente bem formulado, e inclusive a forma como a história é trabalhada, e conciliada com o contexto do militarismo, só tende a tornar ainda mais tangível o longa. 

Jordan Vogt-Roberts (diretor de Os Reis do Verão) traz sua versão do King Kong, e consigo um elenco admiravelmente excelente desbrava uma pequena misteriosa ilha escondida no oceano. E vocês sabem o que acontece, né? Uma monstruosa criatura que abriga o local desafia a invasão do exército, mas seu coração aquece diante da presença de uma jovem fotógrafa (Brie Larson).

Minha versão favorita ainda é a versão do Peter Jackson, de 2005, e poder ver uma espécie de continuação/adaptação no cinema, a sala cheia vibrando com a aparição do gorila na tela, é prazeroso demais. E já é suficiente para poder considerar este um filme um grande acerto. E que bom poder ver, que mesmo após muitos anos, o conto do King Kong ainda continua a assombrar a vislumbrar os espectadores no mundo todo. O sentimento é de que o cinema está mais vivo do que nunca.

Os efeitos visuais são administrados com maestria, compondo sequências inesquecíveis, como a cena dos esqueletos gigantes (foto) que é maravilhosamente bem-feita e conduzida. Tom Hiddleston e John Goodman também estão no filme, John C. Reilly aparece pouco, mas seu personagem é de extrema importância para a trama. Mas quem brilha mesmo é Brie Larson, uma das grandes revelações femininas do cinema americano recente, cujo talento e beleza tornam a sessão ainda mais memorável e tenra. 

– Então, nós vencemos a guerra?
– Qual delas?
– Faz sentido.

Kong: A Ilha da Caveira (Kong: Skull Island)
dir. Jordan Vogt-Roberts
★★★

quinta-feira, 1 de junho de 2017

O FILHO DE JOSEPH (2016)



JOHN WICK: UM NOVO DIA PARA MATAR (2017)


O melhor filme de 2017 até agora. A frenesi provocada pelas maravilhosas sequências de ação tão bem coordenadas e executadas que, aliadas à fotografia que esbanja beleza e um prazer visual imensurável, são capazes de levar o espectador ao extremo de seu deleite e entretenimento imagético. Não houve um filme, até agora, que bailasse com a câmera de forma tão inventiva, que seguisse seus personagens com uma admiração tão rica, e que abrigasse consigo simbolismos de uma arte que incansavelmente se reproduz ou melhor, imita a si própria e ao que a cerca numa reflexão multidimensional dos espaços, das naturezas e das sensações que evoca. 

Chad Stahelski, após ter co-dirigido John Wick em 2014, regressa na direção, agora sozinho, desta maravilhosa obra de arte que é John Wick: Um Novo Dia Para Matar, que não é apenas um filme mas sim uma coleção de cenas extraordinariamente bem conduzidas e que merecem o status – a honra – de serem apelidadas de icônicas. A câmera dança em torno dos atores, registra seus atos de fúria e de violência, com uma magnanimidade austera e perfeccionista, causando prazer e liberando qualidade cinematográfica. As cores preenchem os cenários, dão vida aos monumentos – e aos momentos, em si – costuram um clima de fascínio, beleza e agressividade, selam o majestoso coordenação quase inaudita de socos, pontapés, gritos, tiros, sangue e suor. 

Não é ironia que Stahelski fora um dublê em seus áureos anos de serviço à indústria cinematográfica, inclusive tendo sido comparado a Keanu Reeves, semelhança esta que uniu ele ao ator neste projeto. O espírito de vingança, seu passado tenebroso e seu legado – o ator redesenha seu personagem com a mesma plenitude em que lhe confere a textura precisa – Jonh Wick é um homem com feridas a cicatrizar, sem medo de, em sua jornada de revanche, conseguir mais um bocado delas. Ele usa a dor para reproduzi-la – uma metáfora quase metalinguística a respeito do propósito cinematográfico desta obra – seus braços não se cansam, suas mãos sentem a sede da vingança, e ele está pronto para a briga. Cabe ao espectador sentar na poltrona e observar essa linda obra de arte que é o cinema de ação.

O roteiro, competente e multifacetado, é por si só uma façanha de arte, é o que dá ao filme esse contexto de metalinguagem – no começo do filme, há uma brilhante cena-enigma em que um filme mudo é projetado à face de um edifício moderno na caótica Nova York, um retrato do contraste entre o passado e o futuro, o novo e o velho, o agora e o antes, a tecnologia a serviço de configurações antecessoras.

Por mais, é a primeira grande obra do ano de 2017. Um filme capaz de gerar os mais diversos sentimentos em quem o vê, e ainda mais, inevitavelmente, o prazer e a complexidade da arte e das camadas em que o cinema vai se desdobrando, seus temas e suas abordagens, seus mecanismos, seus simbolismos e – sobretudo – o poder da linguagem cinematográfica. 

John Wick: Um Novo Dia Para Matar (John Wick: Chapter 2)
dir. Chad Stahelski
★★★★

A GAROTA DESCONHECIDA (2016)


Novo filme da dupla de cineastas belgas Jean-Pierre Dardenne e Luc Dardenne, aclamados pelo estilo autoral e neo-realista que traz uma abordagem seca dos problemas sociais da Europa contemporânea. Quanto ao anterior dos cineastas, o pungente e magnífico Dois Dias, Uma Noite, trazia Marion Cotillard na pele de uma mulher sofrendo de depressão e à beira de perder um emprego. Neste caso, não temos Cotillard, mas sim Adèle Haenel como uma médica abalada pela morte de uma mulher perto do seu consultório e que decide ir atrás e investigar o que de fato aconteceu. 

Não mais excepcional que o de 2014, este novo trabalho da dupla remete ao gênero do suspense, que já fora trabalhado de forma bastante satisfatória em O Silêncio de Lorna, filme ao qual este aqui é bastante semelhante em muitos sentidos, seja na criação de uma personagem feminina forte dividida entre situações intrigantes e incisivas, ou no roteiro inteligente, que elabora momentos de tensão e de mistério com uma sutiliza fantástica, e ao mesmo tempo inconvencional e envolta em um manto de complexidade.

E se este filme é o primeiro em muitos anos a ser menosprezado pela crítica especializada que outrora tinha tanto apreço imensurável pelos propósitos fílmicos da dupla, vale mencionar que tal desprezo nem tanto justifica-se, é certo que este é um filme menor da carreira dos Dardenne, mas que possui valor e importância, e merece ser reconhecido desta forma. Se o suspense deixa a desejar em alguns momentos em que, há de se reconhecer, há uma clara falha na tentativa de reproduzir uma pretensão quanto ao clímax. 

Os Dardenne estão em plena forma, fazendo filmes no mesmo modus operandi, com a mesma assinatura, a câmera trêmula, os diálogos intensos, ausência de trilha sonora, personagens complexos e uma trama absurda, difícil. Uma mistura de filme policial com denúncia social, em algum lugar entre um drama à la Grey's Anatomy e um thriller tradicional.

A Garota Desconhecida (La Fille Inconnue)
dir. Jean-Pierre Dardenne & Luc Dardenne
★★★