A passagem do ensino fundamental para o médio pode ser conturbado pra muita gente. Eu me senti deslocado, deslumbrado e, de certa forma, renovado nessa transição tão curiosa e agitada que acabou me marcando pelo seu inusitado frescor. Conhecer novas pessoas, estar em situações diferentes, estranhamentos e encantamentos, são algumas das coisas que surgem nessa turbulenta fase da adolescência, e a protagonista de Oitava Série, Kayla, experiencia alguns dos mágicos e terríveis desenlaces desse momento, digamos, selado pela infância e pelo amadurecimento tentando compartilhar e integrar o mesmo lugar. A jovem Kayla deseja fazer amizades, mas encontra dificuldades para ser aceita do jeito que é, como ela própria diz no começo do filme, quando fala sobre o quanto é difícil ser você mesmo e ter que ser verdadeiro, sem máscaras. Isso resume um pouco do que o filme abordará: esse sentimento de deslocamento, não pertencimento, quando se vive em sociedade, no meio de tantas convenções e interações, o quanto se torna difícil ser apenas quem você é quando se convive com outras pessoas. Mais tarde veremos como a Kayla reage de forma tão apaixonada e positiva quando começa a ter novos amigos e fica surpresa por isso, como se fosse algo impossível ou complicado demais. E logo vemos o quanto as amizades são inevitavelmente importantes na adolescência, e o quanto elas acabam nos impactando, seja na presença ou na ausência delas.
Oitava Série, como poucos filmes, consegue driblar com originalidade aqueles clichês coming-of-age para chegar ao cerne do estudo de personagem, que se dedica tanto a entender e desconstruir a sua protagonista, em seus anseios, descobertas e sentimentos, e de uma maneira tão enérgica e deliberadamente honesta, que fica difícil não se sentir como aquela personagem, tentando engatar nas suas relações com as pessoas, e contornar também certas limitações pessoais. Engraçado que, num filme que fala tanto sobre nossos relacionamentos com as pessoas ao nosso redor, digo socialmente, é justamente na família que ele irá se abrir mais, quando vemos a relação de Kayla com o pai convergir num misto de intimidade e restauração, se tornando um dos pontos mais bonitos do filme. Aliás, família também é o lugar onde podemos ter relações tanto tensas e frágeis quanto de proximidade inquebrável, algo que se aplica também às amizades.
Acompanhar a jornada de autodescoberta dessa personagem acaba trazendo à tona diversos sentimentos, muitos deles em respeito a esse momento da juventude, em que aprendemos, aos poucos, sobre o que é ser parte de uma sociedade e ter que lidar com as nossas relações com os outros, e nem sempre isso se dá de forma fácil ou simples. Kayla também acaba ensinando a sermos mais nós mesmos, deixar um pouco de lado as nossas "versões" e abraçar quem realmente somos e os nossos lados positivos, a não nos importarmos tanto com as opiniões dos outros e, ao mesmo tempo, tentarmos consertar relações que estão se quebrando, a não nos escondermos atrás de nada, sermos mais afeitos a quem se importa realmente com a gente. Por mais difícil que uma fase possa ser, o importante é saber se respeitar e respeitar o espaço dos outros.
Oitava Série figura entre os principais títulos do cinema indie norte-americano em 2018. É a estreia de Bo Burnham na direção, foi esnobado no Oscar, mas merece atenção especial, pois é um dos filmes mais precisos já feitos sobre a adolescência. Tem uma das melhores personagens femininas do ano, pela grande revelação que é a Elsie Fisher (indicada ao Globo de Ouro), e Josh Hamilton, no papel do pai, também é um destaque gigante. É um filme mais delicado e humano do que se pode imaginar, cheio de nuances e acertos que enriquecem tanto a nossa experiência.
Oitava Série
Eighth Grade
dir. Bo Burnham
★★★★