quarta-feira, 30 de janeiro de 2019

OITAVA SÉRIE (2018)


A passagem do ensino fundamental para o médio pode ser conturbado pra muita gente. Eu me senti deslocado, deslumbrado e, de certa forma, renovado nessa transição tão curiosa e agitada que acabou me marcando pelo seu inusitado frescor. Conhecer novas pessoas, estar em situações diferentes, estranhamentos e encantamentos, são algumas das coisas que surgem nessa turbulenta fase da adolescência, e a protagonista de Oitava Série, Kayla, experiencia alguns dos mágicos e terríveis desenlaces desse momento, digamos, selado pela infância e pelo amadurecimento tentando compartilhar e integrar o mesmo lugar. A jovem Kayla deseja fazer amizades, mas encontra dificuldades para ser aceita do jeito que é, como ela própria diz no começo do filme, quando fala sobre o quanto é difícil ser você mesmo e ter que ser verdadeiro, sem máscaras. Isso resume um pouco do que o filme abordará: esse sentimento de deslocamento, não pertencimento, quando se vive em sociedade, no meio de tantas convenções e interações, o quanto se torna difícil ser apenas quem você é quando se convive com outras pessoas. Mais tarde veremos como a Kayla reage de forma tão apaixonada e positiva quando começa a ter novos amigos e fica surpresa por isso, como se fosse algo impossível ou complicado demais. E logo vemos o quanto as amizades são inevitavelmente importantes na adolescência, e o quanto elas acabam nos impactando, seja na presença ou na ausência delas. 

Oitava Série, como poucos filmes, consegue driblar com originalidade aqueles clichês coming-of-age para chegar ao cerne do estudo de personagem, que se dedica tanto a entender e desconstruir a sua protagonista, em seus anseios, descobertas e sentimentos, e de uma maneira tão enérgica e deliberadamente honesta, que fica difícil não se sentir como aquela personagem, tentando engatar nas suas relações com as pessoas, e contornar também certas limitações pessoais. Engraçado que, num filme que fala tanto sobre nossos relacionamentos com as pessoas ao nosso redor, digo socialmente, é justamente na família que ele irá se abrir mais, quando vemos a relação de Kayla com o pai convergir num misto de intimidade e restauração, se tornando um dos pontos mais bonitos do filme. Aliás, família também é o lugar onde podemos ter relações tanto tensas e frágeis quanto de proximidade inquebrável, algo que se aplica também às amizades. 

Acompanhar a jornada de autodescoberta dessa personagem acaba trazendo à tona diversos sentimentos, muitos deles em respeito a esse momento da juventude, em que aprendemos, aos poucos, sobre o que é ser parte de uma sociedade e ter que lidar com as nossas relações com os outros, e nem sempre isso se dá de forma fácil ou simples. Kayla também acaba ensinando a sermos mais nós mesmos, deixar um pouco de lado as nossas "versões" e abraçar quem realmente somos e os nossos lados positivos, a não nos importarmos tanto com as opiniões dos outros e, ao mesmo tempo, tentarmos consertar relações que estão se quebrando, a não nos escondermos atrás de nada, sermos mais afeitos a quem se importa realmente com a gente. Por mais difícil que uma fase possa ser, o importante é saber se respeitar e respeitar o espaço dos outros.

Oitava Série figura entre os principais títulos do cinema indie norte-americano em 2018. É a estreia de Bo Burnham na direção, foi esnobado no Oscar, mas merece atenção especial, pois é um dos filmes mais precisos já feitos sobre a adolescência. Tem uma das melhores personagens femininas do ano, pela grande revelação que é a Elsie Fisher (indicada ao Globo de Ouro), e Josh Hamilton, no papel do pai, também é um destaque gigante. É um filme mais delicado e humano do que se pode imaginar, cheio de nuances e acertos que enriquecem tanto a nossa experiência.

Oitava Série
Eighth Grade
dir. Bo Burnham
★★★★

segunda-feira, 28 de janeiro de 2019

SAG 2019


Cinema

MELHOR ELENCO
Pantera Negra

MELHOR ATOR
Rami Malek — Bohemian Rhapsody

MELHOR ATRIZ
Glenn Close — A Esposa

MELHOR ATOR COADJUVANTE
Mahershala Ali — Green Book

MELHOR ATRIZ COADJUVANTE
Emily Blunt — Um Lugar Silencioso

Televisão

MELHOR ELENCO — DRAMA
This Is Us

MELHOR ELENCO — COMÉDIA
The Marvelous Mrs. Maisel

MELHOR ATOR — DRAMA
Jason Bateman — Ozark

MELHOR ATOR — COMÉDIA
Tony Shalhoub — The Marvelous Mrs. Maisel

MELHOR ATRIZ — DRAMA
Sandra Oh — Killing Eve

MELHOR ATRIZ COMÉDIA
Rachel Brosnahan — The Marvelous Mrs. Maisel

MELHOR ATOR — MINISSÉRIE/TELEFILME
Darren Criss — The Assassination of Gianni Versaci

MELHOR ATRIZ — MINISSÉRIE/TELEFILME
Patricia Arquette — Escape at Dannemora

Comentários

Pantera Negra, numa vitória já esperada, se consagra em Melhor Elenco, acentuando uma noite de muita representatividade. 

Emily Blunt levando atriz coadjuvante foi o prêmio mais surpreendente da noite. Lembrando que ela foi esnobada no Oscar, as coisas ficam um pouquinho mais complicadas lá, embora a Regina King continue fortemente favorita (e ela não foi indicada por aqui).

Rami Malek, que havia descido um degrau depois que o Bale ganhou o Critics' Choice, volta a subir com uma vitória que ainda é bastante contestada, na frente de favoritos como Bradley Cooper, para levar o Oscar. 

Mesmo com seu filme envolvido em uma série de polêmicas, Mahershala Ali (Green Book) se saiu vitorioso novamente, tornando-se portanto um grande favorito para o Oscar. 

The Marvelous Mrs. Maisel, a série que eu preciso assistir urgentemente, venceu todos os prêmios de comédia nas categorias de TV, enquanto Sandra Oh e Jason Bateman ganharam os prêmios de drama. Arquette e Criss reprisaram suas vitórias do Globo de Ouro. 

sexta-feira, 25 de janeiro de 2019

SEM RASTROS (2018)


Muito mais do que um filme sobre pai, filha e o mundo diante deles. Sem Rastros explora os paralelos de como uma mudança afeta um veterano da guerra que não quer ser aprisionado, que não quer abrir mão da liberdade que encontrou e que o acolheu, e a sua filha, a menina que está crescendo, amadurecendo e desenvolvendo sua visão própria do mundo, independência e que, ao contrário do pai, quer criar raízes, é dessa forma que ela se sente livre, é assim que ela quer encontrar seu lugar no mundo. O valor que ambos compartilham é o da simplicidade, a condição, o isolamento, e é essa também a chave do drama que eles atravessam. O drama de quem se isola para para não ter a sua liberdade roubada, pois a vida em sociedade requer imposições e aprisionamentos. Por outro lado, a convivência, a conexão entre pai e filha que ultrapassa quaisquer fronteiras ou limites. "Pelo menos eles não podem mudar nossas opiniões, não é?". Debra Granik fez um dos filmes mais belos dos últimos anos, uma crítica social com um coração enorme que olha com honestidade e compaixão para seus dois protagonistas lutando para simplesmente não serem cerceados, impedidos, limitados, e viverem a vida do jeito que querem. Aquele final é de partir o coração, mas coroa a sensibilidade de uma obra que fala tão bem sobre o que é ser livre.

Com grandes performances de Ben Foster e Thomasin Harcourt McKenzie, Sem Rastros é o melhor trabalho de Granik até hoje, uma pequena pérola do cinema americano que merece ser vista. Uma pena não ter chegado aos cinemas brasileiros, ficando reservado ao lançamento nas telinhas. 

Sem Rastros
Leave No Trace
dir. Debra Granik
★★★★★

quarta-feira, 23 de janeiro de 2019

NOTAS SOBRE TRÊS FILMES


SHIRKERS: O FILME PERDIDO (2018)




O filme é maravilhoso e autêntico a maior parte do tempo, até que, no mesmo momento em que começa a expor o que acontece depois que o "Shirkers" é concluído, algumas coisas começam a se embaralhar, até porque se passa um tempo falando de uma figura que está alheia ao documentário e é, ao mesmo tempo, o ponto de conflito da narrativa. Se o doc sai um pouco do encanto sensacional da história do filme perdido para entrar em méritos que o levam em direções mais confusas, tirando isso, é um trabalho bastante agradável e plausível, com momentos genuínos de nostalgia, paixão pela arte e um sentimento de recordação e reconstrução. Talvez se a história tivesse sido contada de outra maneira (embora essa talvez seja a maneira mais recorrente de contá-la "tradicionalmente") daria pra fazer um documentário suficientemente original e ainda mais bem costurado do que ele já é. Assim, a primeira parte do filme é essencialmente necessária, com todos os sentimentos capturados, e a sua conclusão irregular, embora não menos bela quando acompanha intenções que já vinham sendo desenhadas desde o começo. Shirkers se sai muito bem no registro das lembranças, na preservação de muitas liberdades, os gestos de olhar para trás e recontar, de falar do próprio cinema e da arte em si. Já acho um documentário genial por essa proposta. ★★★½

Shirkers, dir. Sandi Tan, E.U.A.

CUSTÓDIA (2017)


Incrível como um dos filmes mais tensos e impactantes feitos recentemente (no sentido de deixar o espectador vidrado, desnorteado, se sentindo na pele dos personagens) não é nenhum filme de ação não, mas sim um drama bem intenso sobre relações tóxicas marcadas pelo abuso e pela violência. No começo, o filme de Xavier Legrand não deixa muito claro porque o personagem do marido é tão obcecado ou porque ele age daquela forma tão intimidadora com o filho e a mulher. Tudo o que sabemos é que o sujeito tem um temperamento bem desequilibrado, autor de abusos e episódios de agressão contra a mulher e os filhos. A distância e o intimidamento são registrados com tamanha força que até o menor contato entre os personagens dá origem a uma tensão latente, que vai se intensificando, em especial quando passamos a observar a frenesi daquele comportamento de descontrole. Legrand, em seu filme de estreia, prova pelo menos três grandes méritos: a construção dos personagens (com uma trama arquitetada de forma irreparável), a direção dos atores (temos pelo menos quatro performances excelentes dentro de um filme de 90 minutos) e o domínio narrativo (o controle dramático de cada cena, a tensão absurda, o trabalho com os enquadramentos e a montagem, a condução impecável). ★★★★

Jusqu'à la garde, dir. Xavier Legrand, França 

TULLY (2018)


Charlize Theron gigante. Um filme que fica maravilhoso lá pela metade, e tem um desfecho que, além de surpreendente, também acaba se distanciando um pouco daquela metade tão vigorosa, mas sem perder a força: abre portas tanto quanto fecha outras. Como um todo, o filme é sensível e tocante demais pra ser ignorado, com uma valorização honesta dos dramas de seus personagens, bem como da resolução deles. Um filme sobre crescer, ser adulto, amadurecer. Reitman de volta à boa forma, com um filme melhor que sua média recente, mais próximo de Juno do que do fraco Homens, Mulheres e Filhos★★★½

dir. Jason Reitman, E.U.A.

terça-feira, 22 de janeiro de 2019

OSCAR 2019 — COMENTÁRIOS SOBRE OS INDICADOS


1 — Como todo Oscar, sempre tem esnobações, como também temos justiças. Não foi nada diferente com o Oscar 2019, que até era apontado como uma edição que tinha chances de ser diferente por causa da diversidade no comitê de votantes da Academia (todo ano, entram novas pessoas para votar no prêmio, e 2018 foi um ano recorde nessa seleção). Por isso, a lista dos indicados veio estranhamente recheada de escolhas e presenças inusuais, ou no mínimo bem inesperadas. Isso acabou tirando da jogada concorrentes fortes em categorias importantes, e revelou uma Academia mais diversificada e, portanto, eclética. 

2 — Roma (o grande favorito) lidera a lista com 10 indicações, ao lado de A Favorita, que conseguiu emplacar indicações em todas as grandes categorias, se consolidando como um concorrente potente. 

3 — Apesar de terem conseguido espaço bem vantajoso de concorrência dentro da lista, filmes como Green Book e Nasce uma Estrela tiveram baixa por estarem ausentes em categorias como direção e montagem. Pantera Negra, que tornou-se o primeiro filme de super-heróis a ser indicado para Melhor Filme, não foi indicado em direção, roteiro e montagem. Crescem, entretanto, Infiltrado na Klan, de Spike Lee (pela primeira vez indicado em melhor diretor) e Vice, com vantagem de sobra ao aparecerem nas categorias principais.

4 — Surgiram surpresas em todas as quatro categorias de atuação. A mais notável delas é a indicação de Marina de Tavira, de Roma, em atriz coadjuvante. Tavira até tinha aparecido em algumas apostas, mas muitos tinham a categoria como fechada e ela não ganhou tanta força a ponto de ficar entre as concorrentes mais favoritadas. Yalitza Aparicio, que contracena com ela, foi indicada em Melhor Atriz, outra grande surpresa, levando em consideração ser o filme de estreia da mulher. Ela, entretanto, já vinha crescendo bastante, especialmente com a indicação ao Critics' Choice. 

5 — Nos atores, Willem Dafoe ganhou mais uma indicação com No Portal da Eternidade, muito inesperadamente, tomando um lugar que era disputado por John David Washington e Ethan Hawke, ambos esnobados, na corrida de ator principal. Lembrando que Dafoe foi um dos primeiros nomes a surgir na corrida, ganhou o Volpi Cup em Veneza e indicação ao Globo de Ouro, mas por algum motivo já era considerado um esnobado. Na corrida de coadjuvante, o lugar que já era praticamente do Timothée Chalamet foi tomado, e Sam Rockwell, vencedor da categoria ano passado, emplacou uma indicação por Vice.

OUTRAS SURPRESAS

A Balada de Buster Scruggs, dos Irmãos Coen, com três indicações, inclusive uma pra lá de inesperada em roteiro adaptado.
Never Look Away indicado em filme estrangeiro e, vejam só, fotografia.
First Reformed lembrado em roteiro original.

ESNOBAÇÕES

Se a Rua Beale Falasse em melhor filme.
Won't You Be My Neighbor?, o então favorito a melhor documentário.
Sem Rastros, de Debra Granik, a única mulher que conseguiu chegar bem perto da indicação a direção, e que tinha chances altas em roteiro adaptado. 
— Emily Blunt, tida como uma favorita tanto a atriz como atriz coadjuvante. 
— Toni Collette, a atriz que mais ganhou prêmios da crítica ano passado por Hereditário
Oitava Série em roteiro original.
Em Chamas em filme estrangeiro (se tornaria o primeiro filme da Coreia do Sul a ganhar uma indicação).
— O Primeiro Homem em trilha, categoria para a qual muitos consideravam ser o favorito. Claire Foy em atriz coadjuvante. Sandgren em fotografia. 
 Dolly Parton, que compôs "Girl in the Movies" para o filme Dumplin'. Dolly foi indicada antes com as marcantes composições "9 to 5" e "Travelin' Thru", mas não ganhou. 
— Regina Hall em Support the Girls

segunda-feira, 21 de janeiro de 2019

PODRES DE RICOS (2018)


Qualquer filme que me lembra de Casamento Grego, uma das minhas comédias românticas favoritas (até por ter sido um dos primeiros filmes que eu assisti durante o momento em que eu estava me tornando um cinéfilo, e ainda que muitos digam que é irregular, eu tenho um carinho bastante especial pelo filme) já merece atenção. E muito se elogiou a respeito desse longa que é uma co-produção E.U.A. e China, e que se tornou a comédia romântica mais bem falada e premiada do ano: com todos os motivos para sê-lo. A comparação com o filme de 2002 se concentra na premissa de Podres de Ricos: colocar lado a lado as divergências culturais entre a cultura oriental e a ocidental (em relação a valorização da família, casamento, tradição, dinheiro e valores em países orientais, que é tratado de forma muito mais forte e séria do que na cultura de cá), e também apalpar as semelhanças que surgem com a aproximação entre um polo e outro. Como em Casamento Grego, a influência de um olhar mais "americanizado" é sobreposto na relação entre um e outro. 

Facilmente o melhor filme do gênero lançado em 2018, Podres de Ricos tem também um dos maiores elencos do ano, com atores inspiradíssimos e em uma sintonia que não se encontra em muitos filmes por aí, mesmo os que não são do gênero. Michelle Yeoh, quem poderia ter se tornado uma favorita ao Oscar de atriz coadjuvante, tem um desempenho marcante aqui, na pele da mãe de um rapaz ricaço que leva a namorada americana pra visitar os pais em Singapura, seu país de origem (sem a namorada estar ciente do quão rico ele é). 

O filme é ainda mais delicioso do que se pode esperar, e tem muitos momentos que são leves, descontraídos, tão típicos do seu gênero. Ao mesmo tempo, se trabalha para expor a tensão das relações familiares e o que a chegada daquela moça tão simples provoca, uma "plebeia", no seio de uma família tão abastada, que reage tanto com desprezo como preconceito, fazendo com que a moça se sinta excluída e tenha que passar por bocados para provar o seu valor e o amor que sente pelo namorado, que se tornará o herdeiro da fortuna da família (daí se tornou o mais cobiçado pelas outras mulheres, loucas para "suceder o trono"). 

É bom ver que o cinema oriental ainda está firme e forte, e pérolas como Podres de Ricos acabam ganhando o devido reconhecimento de tempos em tempos. Tá aí um filme que merece ser lembrado pelos seus méritos, e que sobressai num gênero subestimado e criticado, que de vez em quando traz filmes assim, que conseguem ser bastante celebrados e reconhecidos. É um filme leve, a maior parte do tempo descontraído, mas que toca em questões pertinentes e traz à tona esse importante quesito da valorização e do choque de culturas, com o equilíbrio perfeito entre humor e sobriedade. O resultado é delicioso.

Podres de Ricos
Crazy Rich Asians
dir. Jon M. Chu
★★★★

segunda-feira, 14 de janeiro de 2019

ROMA (2018)


Escrever sobre Roma é uma tarefa complicada, porque se trata de um daqueles filmes, e eu realmente quero dizer isso, que a gente não consegue colocar nas palavras, se é que vocês me entendem. Cuarón fez algo muito belo aqui, algo que não se encontra todos os dias, daí o motivo dele estar conquistando tanto prestígio por parte dos críticos e atenção nas premiações. É um registro bem particular de um momento da infância do cineasta através do olhar de Cleo (personagem que foi inspirada na babá do diretor) numa época em que o México se encontrava em um estado politicamente crítico. É dentro da proximidade entre a empregada humilde e a família de classe média alta que Cuarón contorna seu mosaico de lembranças da infância, misturado com um retrato tenso, ácido e agitado das divergências dentro daquela sociedade. O que surpreende é o quanto o filme consegue bastante equilibrado ao andar nessa corda bamba entre registro e retrato, sem deixar de ser humano o suficiente para fazer jus às memórias que ali estão impressas, com aquela humanidade que apenas diretores como o Alfonso Cuarón conseguem evocar. A história está na pele de Cleo, um anjo no meio daquele caos todo, a mulher que está presente mesmo quando não está à vista e que participa, involuntariamente, da vida daquela família, da desordem que contamina as relações e da emoção que contagia cada personagem. Quando eu digo que Roma é um filme belo, eu não quero dizer apenas ou principalmente de aspectos estéticos, embora ele seja bastante especial nisso também, com um trabalho de câmera e fotografia não poucas vezes desnorteante, o scope preto-e-branco maravilhoso, um cuidado a mais com a imagem que valoriza muito mais suas intenções nostálgicas; além disso, há também uma beleza maior, que vai do gesto de reconstruir e de esculpir lembranças (que é do que o cinema é feito) até a compaixão e ternura de sua essência, que é inevitavelmente mais lindo do que qualquer coisa. Repleto de afeto, costurado com um amor que, contidamente, vai se abrindo aos poucos a cada cena, quebrando ou enchendo os corações de quem assiste, até a sequência da praia, que é de uma comoção enorme (catalisando a força do filme todo), e que confirma aquilo que Roma é: um carrossel de emoções, memórias e sentimentos, de um tempo, uma família, uma infância, da vida. 

Roma
dir. Alfonso Cuarón
★★★★★

Critics Choice Awards 2019: os vencedores


FILME
Roma

DIREÇÃO
Alfonso Cuarón, Roma

ATOR
Christian Bale, Vice

ATRIZ
(empate)
Glenn Close, A Esposa
Lady Gaga, Nasce uma Estrela

ATOR COADJUVANTE
Mahershala Ali, Green Book

ATRIZ COADJUVANTE
Regina King, Se a Rua Beale Falasse

FILME ESTRANGEIRO
Roma (México)

FILME DE ANIMAÇÃO
Homem-Aranha no Aranhaverso

ELENCO
A Favorita

ROTEIRO ORIGINAL
First Reformed, Paul Schrader

ROTEIRO ADAPTADO
Se a Rua Beale Falasse, Barry Jenkins

FOTOGRAFIA
Roma

DESIGN DE PRODUÇÃO
Pantera Negra

EDIÇÃO
Primeiro Homem

FIGURINO
Pantera Negra

MAQUIAGEM/PENTEADOS
Vice

EFEITOS VISUAIS
Pantera Negra

TRILHA SONORA
Primeiro Homem

CANÇÃO
"Shallow", do filme Nasce uma Estrela

Nenhuma surpresa em Roma levar prêmios importantes como melhor filme e direção, e isso deve se repetir no Oscar visto que o favoritismo do filme está nas alturas. As surpresas ficaram justamente nas categorias de atuação: Christian Bale ficou um pouquinho mais bem colocado depois de ganhar Melhor Ator por Vice, enquanto a categoria de Melhor Atriz teve um empate estrondoso entre Glenn Close e Lady Gaga, que devem enfrentar uma disputa daquelas no Oscar. Não tivemos surpresas quanto às categorias coadjuvantes, já que Mahershala Ali e Regina King repetiram suas vitórias, que já havíamos visto no Globo de Ouro. As categorias de roteiro tiveram dois resultados inusitados: First Reformed foi como original, embora não tenha aparecido entre os indicados ao WGA (sindicato dos roteiristas, importante termômetro pro Oscar) enquanto Se a Rua Beale Falasse, que tinha um certo favoritismo entre os críticos, mas caiu um pouco, volta a crescer com essa lembrança, e se confirmará caso ganhe o WGA. Roma segue sendo favorito disparado com a confirmação da crítica, e as premiações que o filme recebeu colocam ele à frente na corrida para o Oscar.

UMA MULHER EXEMPLAR (2017)


Que bela surpresa é este Uma Mulher Exemplar (talvez mais lembrado pelo título americano Woman Walks Ahead), filme que tive o prazer de conferir nesse final de semana, não esperando que iria se tratar de um trabalho encantador e cheio de surpresas. Comecemos falando de Jessica Chastain, que foi a pessoa cuja presença me fez conhecer o filme, e que está magnífica nele, no papel de uma artista nova-iorquina chamada Catherine Weldon que viaja até o estado de Dakota para pintar o retrato de um líder indígena, o Touro Sentado. Sua chegada ao lugar acaba atraindo atenções indesejadas de figuras de muito poder que querem impedi-la de entrar em contato com os indígenas. Seu envolvimento com o Touro Sentado a leva a testemunhar o conflito de interesses entre os latifundiários e os chefes das tribos locais que querem proteger as suas terras e suas culturas.

A surpresa está justamente na sensibilidade com que o filme é feito, o olhar de humanidade e afeto para uma história de tamanha importância como essa, sem falar nas muitas cenas e cenários marcados por um trabalho de fotografia delicado e que valoriza as belíssimas paisagens do ambiente onde o filme se passa. Não é apenas Chastain que está em ótima forma no elenco: Sam Rockwell e Michael Greyeyes, este último no papel de Touro Sentado, estão incríveis. 

É bom relembrar, ainda mais em tempos como esses, que a América foi um país moldado e pavimentado pelos conflitos entre os colonizadores e os indígenas, esses últimos tiveram a sua cultura dizimada e foi com o sangue deles que o país como o conhecemos hoje se ergueu, graças aos genocídios de diversos povos e nações indígenas. O retrato histórico de Susanna White traz à tona a reconstrução e a lembrança dessa cultura muitas vezes esquecida e da forma como os americanos a desrespeitaram para arquitetar uma nação civilizada e "próspera". 

O poder dessa história como poucos a conhecem é impressa justamente no encontro entre uma mulher branca da alta sociedade nova-iorquina com uma figura indígena imponente e de muito respeito que lutou para preservar sua cultura e as terras que estavam sendo tomadas. Várias cenas belíssimas entre os personagens de Chastain e Greyeyes costuram a beleza dessa obra ímpar, que consegue ser poética, dolorosa, tocante, importante e muito necessária ao cinema americano atual. Que não seja mais um filme a passar em branco, já que está sendo tão pouco falado, sendo ele um exemplar que merece ser visto e lembrado pela sua potência.

Uma Mulher Exemplar
Woman Walks Ahead
dir. Susanna White
★★★½

segunda-feira, 7 de janeiro de 2019

GLOBO DE OURO 2019


Foi a edição mais estranha do Globo de Ouro em muito tempo — o que é bastante inusual, porque esse prêmio costuma ser uma das festas mais e badaladas lá em Hollywood, e nem sempre pode-se dizer que decepciona, seja na qualidade do evento ou na entrega dos prêmios. Dessa vez foi diferente. A decisão de mudar o padrão dos apresentadores, que até então eram quase sempre comediantes, e colocar Sandra Oh e Andy Samberg, resultou numa noite de muitos esforços dos dois para tirar risos da plateia e tentar fazer piadas e comentários sem entrar no mérito político — outro ponto muito curioso, visto que a apresentação desse evento tem sempre algum deboche político e muitos comentários, e ontem as coisas foram bem mais contidas nesse aspecto, justamente no contrário do que muitos apresentadores costumavam fazer (e eles já tinham avisado que foram "proibidos" de comentar sobre política). Apesar de tudo, um momento e outro se salvava, e nós tivemos uma dupla no mínimo interessante, que soube se esforçar bem pra manter o ritmo da cerimônia. 

Não foi só nesse ponto que tivemos um Globo de Ouro esquisito. A entrega dos prêmios também foi pra lá de estranha. Pelo menos pra mim, que não esperava que eles iriam dar para Bohemian Rhapsody os prêmios principais pelos quais eu achei que havia sido indicado só pra encher a categoria. A surpresa de Rami Malek sair na frente de Bradley Cooper só não foi maior que a surpresa do filme passar na frente de grandes produções e conquistar Melhor Filme, prêmio que era esperado para Nasce uma Estrela ou Pantera Negra, e ainda tinha os filmes Infiltrado na Klan e Se a Rua Beale Falasse como concorrentes fortes. Bem, vai saber o que foi que resultou nisso.

Em comédia, os prêmios foram mais equilibrados, e talvez previsíveis também. Green Book, filme de Peter Farrelly, foi o grande vencedor de Melhor Filme, e também levou pra casa os prêmios de Ator Coadjuvante (Mahershala Ali, esnobado em 2017 por Moonlight) e Roteiro. Não era de se estranhar, pois o filme realmente cresceu bastante e está até mais cotado para o Oscar como uma aposta mais forte para o prêmio principal. 

Olivia Colman levou sua segunda estatueta pra casa por A Favorita, e fez um discurso tão empolgado que dá até mais vontade de conferir o longa, que foi reconhecido só nessa categoria. O mesmo se diz de Vice, o mais indicado da noite, que teve Christian Bale ganhando Melhor Ator por interpretar Dick Cheney. 

Regina King fez o discurso mais empoderado da noite, falando que qualquer trabalho em que ela estivesse envolvida teria 50% de sua equipe composta por mulheres, e convidou pessoas de todas as indústrias, não só a cinematográfica ou televisiva, a se desafiarem a fazer o mesmo. 

A categoria de Melhor Atriz, uma das mais imprevisíveis, decidiu fazer justiça, e abraçou a vitória da tão prestigiada Glenn Close, agora mais perto do seu primeiro Oscar, pelo drama A Esposa. Close estava muito surpresa em receber o prêmio, e foi aplaudida de pé em diversos momentos do seu discurso, inclusive quando falou que as mulheres deveriam seguir os seus sonhos e buscar suas realizações pessoais. Alfonso Cuarón subiu ao palco duas vezes para receber os prêmios de Roma, que manteve o favoritismo mesmo esnobado na categoria principal (e que bom né?).

Nos prêmios de televisão, muitos trabalhos foram reconhecidos, e as escolhas foram bastante diversas, dando reconhecimento para projetos diferentes e outros nem tão reconhecidos ou famosos assim. Pelas críticas que eu li no Twitter durante a apresentação (e para quem já tinha acompanhado os vencedores) muitos resultados desapontaram, mas nós tivemos a série de Ryan Murphy vitoriosa de novo como em outros anos, a apresentadora Sandra Oh ganhou um segundo Globo de Ouro e agradeceu aos pais, que estavam presentes na cerimônia.

Rachel Brosnahan ganhou mais um prêmio na mesma categoria pelo 2º ano consecutivo, a minissérie inglesa A Very English Scandal (que eu já comecei a baixar ontem à noite) teve Ben Whishaw vitorioso em ator coadjuvante, e Hugh Grant esnobado. A lista de vencedores também teve Michael Douglas e Patricia Arquette, enquanto uma das vitórias mais celebradas por mim foi a de Patricia Clarkson, uma atriz que parece sempre estar sendo subestimada nos trabalhos que faz, ganhando seu primeiro prêmio pela minissérie Sharp Objects (e apenas a segunda indicação). Merecido!

Entre os homenageados da noite, estavam o ator Jeff Bridges, lembrado pelo conjunto da obra como um dos mais prolíficos e respeitados intérpretes do cinema norte-americano, e com uma carreira recheada de filmes memoráveis e parcerias com os maiores dos cineastas. E, do outro lado, tivemos o prêmio honorário inaugural para figuras da televisão, entregue para a lenda da TV americana Carol Burnett e batizado com o nome da atriz. Foram dois momentos bastante agradáveis da cerimônia, com uma demonstração de respeito para duas estrelas queridíssimas em Hollywood. 

Enfim... filmes como Infiltrado na Klan, Pantera NegraPodres de Ricos e O Retorno de Mary Poppins não levaram sequer um prêmio pra casa. Foi uma cerimônia esquisita, mas não por isso esquecível. Teve seus momentos de prestígio e outros nem tão dignos assim, mas faz parte do prêmio. Alguns concorrentes saem mais fortalecidos para disputar outros prêmios? Provável que sim, mas esperamos que outros possam ser reconhecidos também. Nesse ano, até a estatueta do prêmio foi transformada: agora é toda dourada, e também mudou de tamanho, pela primeira vez em anos. Apesar de ter perdido um pouco do brilho do outro troféu, o design é bonito e há algum charme também, e felizmente o prêmio ficou maiorzinho. Com tantas vitórias disparadas, vamos ver como alguns candidatos vão chegar lá no Oscar...


CINEMA

MELHOR FILME — DRAMA
Bohemian Rhapsody

MELHOR FILME — COMÉDIA OU MUSICAL
Green Book

MELHOR DIRETOR
Alfonso Cuarón — Roma

MELHOR ATOR — DRAMA
Rami Malek — Bohemian Rhapsody

MELHOR ATRIZ — DRAMA
Glenn Close — A Esposa

MELHOR ATOR — COMÉDIA OU MUSICAL
Christian Bale — Vice

MELHOR ATRIZ  COMÉDIA OU MUSICAL
Olivia Colman A Favorita

MELHOR ATOR COADJUVANTE
Mahershala Ali — Green Book

MELHOR ATRIZ COADJUVANTE
Regina King — Se a Rua Beale Falasse

MELHOR ROTEIRO
Green Book

MELHOR FILME ESTRANGEIRO
Roma (México) — Alfonso Cuarón

MELHOR ANIMAÇÃO
Homem-Aranha no Aranhaverso

MELHOR TRILHA SONORA
O Primeiro Homem — Justin Hurwitz

MELHOR CANÇÃO ORIGINAL
"Shallow", do filme Nasce uma Estrela

TELEVISÃO

MELHOR SÉRIE — Drama
The Americans

MELHOR SÉRIE — Comédia ou Musical
O Método Kominsky

MELHOR MINISSÉRIE OU TELEFILME
 The Assassination of Gianni Versace: American Crime Story

MELHOR ATRIZ EM SÉRIE — Drama
Sandra Oh — Killing Eve

MELHOR ATOR EM SÉRIE — Drama
Richard Madden — Segurança em Jogo

MELHOR ATRIZ EM SÉRIE — Comédia ou Musical
Rachel Brosnahan — Maravilhosa Sra. Maisel

MELHOR ATOR EM SÉRIE — Comédia ou Musical
Michael Douglas — O Método Kominsky

MELHOR ATRIZ — Minissérie ou Telefilme
Patricia Arquette — Escape at Dannemora

MELHOR ATOR — Minissérie ou Telefilme
Darren Criss — The Assassination of Gianni Versace: American Crime Story

MELHOR ATRIZ COADJUVANTE EM TELEVISÃO
Patricia Clarkson — Sharp Objects

MELHOR ATOR COADJUVANTE EM TELEVISÃO
Ben Whishaw — A Very English Scandal


domingo, 6 de janeiro de 2019

Apostas ao Globo de Ouro 2019


FILME — Drama

favorito: Nasce uma Estrela
possível: Infiltrado na Klan
surpresa: Pantera Negra

FILME — Comédia ou Musical

favorito: Green Book
possível: A Favorita
surpresa: Vice

DIRETOR

favorito: Alfonso Cuarón, Roma
possível: Spike Lee, Infiltrado na Klan
surpresa: Bradley Cooper, Nasce uma Estrela

ATRIZ — Drama

favorito: Glenn Close, A Esposa
possível: Lady Gaga, Nasce uma Estrela
surpresa: Melissa McCarthy, Poderia Me Perdoar?

ATOR — Drama

favorito: Bradley Cooper, Nasce uma Estrela
possível: John David Washington, Infiltrado na Klan
surpresa: Rami Malek, Bohemian Rhapsody

ATRIZ — Comédia ou Musical

favorito: Emily Blunt, O Retorno de Mary Poppins
possível: Olivia Colman, A Favorita
surpresa: Elsie Fisher, Oitava Série

ATOR — Comédia ou Musical

favorito: Viggo Mortensen, Green Book
possível: Christian Bale, Vice
surpresa: Lin Manuel-Miranda, O Retorno de Mary Poppins

ATRIZ COADJUVANTE

favorito: Regina King, Se a Rua Beale Falasse
possível: Amy Adams, Vice
surpresa: Rachel Weisz, A Favorita

ATOR COADJUVANTE

favorito: Mahershala Ali, Green Book
possível: Adam Driver, Infiltrado na Klan
surpresa: Richard E. Grant, Poderia Me Perdoar?

MELHOR FILME ESTRANGEIRO

favorito: Roma
possível: Assunto de Família
surpresa: qualquer um dos outros 4 indicados ganhar de Roma

MELHOR ANIMAÇÃO

favorito: Incríveis 2
possível: Homem-Aranha e o Aranhaverso
surpresa: Ilha dos Cachorros

MELHOR ROTEIRO

favorito: A Favorita (do jeito que essa categoria é, todos os indicados são favoritos)
possível: Se a Rua Beale Falasse
surpresa: Roma

MELHOR TRILHA SONORA

favorito: Marc Shaiman, O Retorno de Mary Poppins
possível: Justin Hurwitz, O Primeiro Homem
surpresa: Marco Beltrami, Um Lugar Silencioso

MELHOR CANÇÃO ORIGINAL

favorito: "Shallow", do filme Nasce uma Estrela
possível: "All the Stars", do filme Pantera Negra
surpresa: "Girl in the Movies", do filme Dumplin'

meus votos para o GLOBO DE OURO 2019


Como eu vi pouca coisa dos indicados desse ano até agora (e a cerimônia veio bem mais cedo), não tenho muito a dizer sobre os indicados ou quem eu gostaria que levasse. Eu sei que tenho torcidas para Melissa McCarthy em melhor atriz, Roma e Infiltrado na Klan ganharem pelo menos um prêmio, Regina King em atriz coadjuvante e Bradley Cooper em ator.