"Nosferatu. Essa palavra não parece com o som do canto do pássaro da morte da meia noite? Não ouse dizer esta palavra, pois seus pensamentos entrarão na escuridão das sombras. Sonhos fantasmagóricos emergirão dos vossos corações, e alimentar-se-ão do vosso sangue". É assim que inicia Nosferatu, com um prólogo que já prevê o horrendo espírito de terror que nos possuirá através dos próximos 90 minutos, e que o conduzirão ao elevado status de obra-prima, e uma das produções mais provocantes e amedrontadoras da história. E muito provavelmente uma das primeiras. Àquela época, é difícil contestar a comoção do espectador diante de Nosferatu. O envolvimento de artifícios visuais é escasso, sendo a maior parte destes destinados para as cenas protagonizadas pela criatura do título, onde há diversos fades e pequenos efeitos. Nosferatu tem esse privilégio de ser nomeado a primeira grande obra do horror do cinema, quando o gênero ainda era um pintinho rompendo a casca do ovo.
Inspirado no clássico romance de Bram Stoker, Drácula, Nosferatu remonta uma das narrações literárias mais obscuras de todos os tempos num filme tão bizarro e aterrorizante quanto, que, além da preciosa adaptação, ainda conta com um elenco magistral e a onipresente trilha sonora, que controla a atmosfera do filme com primor. Mas, falemos primeiro de Nosferatu como um todo. Há quem defenda e supervalorize as cópias remasterizadas e/ou restaurações, e com certeza algumas transformações técnicas e repaginadas fazem toda a diferença em determinados filmes, mais precisamente clássicos. Mas, tem alguns longas em que, mesmo que a restauração seja de um valor altíssimo quanto à qualidade, não se pode negar que vê-lo quando em seu lançamento seria uma experiência pra lá de melhor. Tive a sorte de conseguir uma cópia HD do filme (Blu-Ray), novinha em folha, que é, de fato, um tanto prestável. A grande, e única - creio - desvantagem de tal cópia se dá justamente por conta da restauração, uma das últimas do filme. Alguns takes estão exageradamente difundidos e em outros segmentos o clima é demolido por essa interconexão sem graça de cores. Uma sorte maior ainda foi eu ter baixado, faz um tempo, o filme no meu PC, que também é uma restauração, mil vezes melhor da que eu tive a chance de pegar, e acredito que é a mais semelhante à original devido a alguns favoráveis fatores envolvendo fotografia, e edição também, embora essa cópia não seja, infelizmente, HD.
Uma coisa extraordinária em Nosferatu é que é um épico dentro de outro. Há uma confusão de épocas por conta da próprias passagens que elaboram um cenário outrora similar ao antigo, e ao mesmo tempo ligado à época da realização deste, 1922. Desencontros, melhor falando. Nosferatu também exibe a competência do mestre F.W. Murnau, considerado um dos maiores promissores do gênero terror e um cineasta sem igual, tendo sido um dos mais importantes das décadas de 20 e 30. Muita gente diz que tem preferência pela versão do Werner Herzog, com a desculpa de uma certa evolução do primeiro. Como eu nunca vi Nosferatu - O Vampiro da Noite, não posso contestar que este mesmo seja melhor do que este que vos critico. A garantia da excepcionalidade do primeiro de F.W. Murnau é certeira.
A história gira em torno de um casalzinho num pequeno vilarejo alemão, sendo o jovem rapaz um consultor imobiliário, que é mandado por seu estranho patrão à região da Transilvânia, onde mora um homem que está interessado numa casa que dá de frente à casa do jovem. Pelo curso até a montanhosa região onde habita o "mestre", Knock passa por certas bizarras situações. Um dos momentos mais sombrios do filme é quando ele chega aos portões da mansão do conde, e se depara com sua medonha figura, que chega a dar um frio lascado na espinha. A altura e magreza vitais do próprio Max Schreck (intérprete do Conde Orlok) já são de uma peculiar excentricidade. Somados à assombrosa maquiagem de seu personagem, o maldito vampiro do título, é impossível não ficar devidamente comovido com as expressões estremecedoras, com a bizarra face cheia de defeitos e ambas as mãos, decoradas por uma fileira de unhas quilométricas. As sombras dão um efeito ainda mais chocante à essa persona já marcada pelo incessante horror. Isso sem falar na conspiração que gira em torno do sr. Schreck, ator que encarnou o monstro Conde Orlok, quase literalmente, já que há histórias que dizem que Max era um vampiro de verdade, uma vez que ele nunca foi visto nas filmagens ausente das máscaras de seu personagem. Pra quem quiser aprofundar o conhecimento nesse relato urbano, A Sombra do Vampiro, com Willem Dafoe, é o melhor caminho.
Nosferatu, embebido de uma sombria natureza repleta de simbolismos e credos, já proveniente da grande obra de Bram Stoker, é uma obra sem igual, um marco cinematográfico reluzente e sensacional. É tocante. É horrível e belo simultaneamente. É extremamente delicado e intenso. É tenebroso, mesmo depois de quase um século desde seu lançamento. Compreende o absurdo senso dos horrores de uma criatura emergida das trevas, e que demora para ser inteiramente digerido. Esqueçam as tediosas produções dos dias de hoje. A fonte de todas elas é Nosferatu, o autêntico terror que deu vida a todas essas produções intituladas com o impactante sentimento que geram.
Nosferatu (Nosferatu, eine Symphonie des Grauens)
dir. F.W. Murnau - ★★★★★