Com o auge da animação computadorizada, é incrível ver o gigante número de animações que nostalgizam o antigo modelo de produção, da técnica manual, dominada pelos Studio Ghibli (Vidas ao Vento, O Conto da Princesa Kaguya, Ponyo - Uma Amizade que Veio do Mar), Django Films (companhia do Sylvain Chomet, diretor dos ótimos O Mágico e As Bicicletas de Belleville), entre vários outros (Chico & Rita, Um Gato em Paris, Persépolis, Valsa com Bashir), assim como a técnica slow-motion, com o estúdio Aardman sendo o mais bem sucedido no ramo, com bonitas obras no currículo, como Wallace & Gromit - A Batalha dos Vegetais, A Fuga das Galinhas, Piratas Pirados!, Por Água Abaixo, e o recente Shaun, o Carneiro. Um outro exemplar precioso dessa leva é o belíssimo Ernest e Célestine, uma das animações mais bonitas e bem-feitas dos últimos tempos, realmente de qualidade, que não chegou no Brasil por falta de patrocínio, e que representa bem o ressurgimento das técnicas primárias de animação atualmente.
O desenho acompanha os dois personagens-títulos: um rude, mas bondoso urso (Ernest) e uma corajosa e determinada ratinha (Célestine), que é ignorada por todos em seu mundo por ser diferente e ter uma visão única das coisas ao seu redor. Enquanto os ratinhos habitam o subterrâneo, os ursos vivem no cenário térreo, onde Célestine, ao lado de outros ratos, fazem uma espécie de "intercâmbio" por conta do trabalho de dentista, onde os dentes dos ursos servem de implantes aos ratos, que não conseguem viver sem seus dentes. Certa noite, após capturar o dente de um garoto-urso, Célestine vai parar no lixo, sendo encontrada no dia seguinte por Ernest, que, após não conseguir nada nas ruas, tocando instrumentos, sai vasculhando caçambas à procura de alimento, até que se depara com a ratinha, dormindo dentro de uma.
A história, muito possivelmente, pode soar um tanto infantil e fadigosa, mas é impossível não celebrar a minuciosidade e precisão com a qual é regida a técnica, recheada com uma astronômica beleza. O filme, apesar da concepção de uma mensagem profunda, é totalmente recomendável para crianças, uma vez que o show de cores e a narrativa fabulosa, entre outros artifícios, chamam muito a atenção da meninada, que ficará encantada com a historinha cheia de apelos e os dois fofos protagonistas que dão nome à película.
Se por um lado as crianças recebem a mensagem de que é preciso respeitar as diferenças e comemorá-las, fugir do tradicional, do que é politicamente correto, no intuito de intencionar a criançada a desenvolver gostos e habilidades próprias, há também uma maior responsabilidade adulta por trás de todo esse contexto educacional. A relação de Ernest com Célestine pode traduzir um relacionamento permeado pela diferença de idade ou até mesmo homossexualismo, em nosso mundo, muito condenado e polemizado, já que Célestine vive sendo repreendida por insinuar que ratos e ursos podem muito bem ser amigos, o que é muito contestado por todos que ficam cientes dessa falta de crença dela na maldade dessa espécie.
O filme é adaptação de uma série de livros da ilustradora belga Gabrielle Vincent, que, na época em que o filme foi indicado ao Oscar de Melhor Animação, há quase dois anos atrás, estava sendo vendido pela Livraria Cultura. Eu, de bobeira, não comprei a coleção que hoje talvez nem mais esteja disponível no site, mas depois procurarei conferir. Gargalhei muito em várias cenas do filme, como aquela em que a ratinha é flagrada pela família de ursos na missão de conseguir o dente, ou a qual a do dentista, onde um rato é examinado para a troca de dente, e percebi, nessas e em vários outros cômicos segmentos, o grandioso pedaço de criança que ainda existe dentro de mim.
Ernest e Célestine (Ernest et Célestine)
dir. Benjamin Renner, Stéphane Aubler, Vincent Patar - ★★★★
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