Numa parceria memorável ao lado do diretor sul-coreano Hong Sang-Soo, Isabelle Huppert exibe em tela, mais uma vez, seu talento e beleza formidáveis numa trama excepcionalmente bem-feita, inteligente e voraz, que desafia o espectador a romper os limites impostos pelo rotineiro calendário cinematográfico moderno num filme que posa de complexo mas no fundo é constituído de uma ideia muito simples, mas não fácil o suficiente para enganar e perplexar seu público com uma estrutura atípica e brilhantemente trabalhada. Hong, o cara por trás de A Visitante Francesa, é dono de um cinema pouco conhecido dentro do Brasil, fronteirado por sua natureza inusual e pouco comercial, que em nada traria lucro para alguma distribuidora. Mas, considerando que o filme chegou em nossos cinemas em abril de 2013, em menos de um ano depois de sua estreia oficial, até que não estamos tão ruins, embora distribuição no Brasil ainda seja um assunto bem complicado de se discutir.
Atravessando algumas dificuldades com a família, uma mulher decide escrever uma ideia para um filme, tomando como inspiração uma estrangeira que viu num festival de cinema, montando, nessa ideia, três distintas histórias envolvendo, cada uma delas, diferentes turistas francesas (a primeira uma cineasta, a segunda uma dona de casa bem-sucedida e a terceira uma divorciada) de mesmo nome, Anne (todas interpretadas com perspicácia e enorme talento pela Huppert), sendo as três histórias todas passadas no mesmo lugar, uma cidadezinha pequena costeira, e com os mesmos personagens. O que diferencia um segmento do outro é o trabalho da narrativa em cena e o propósito de Hong com essa edição.
A Visitante Francesa é (ou melhor, seria) praticamente uma série de esquetes sobre os multi hábitos relacionados ao estrangeirismo, de todos os ângulos possíveis, mas bem simplificado. A confusão é vinda dos treinamentos irregulares originado de um estilo narrativo constante e invariável, um "modelo a ser seguido" que acaba por limitar opções e causar tanto barulho por nada em situações onde tal afobação é de uma total desnecessidade, e só tende a também complicar nosso entendimento a partir da película. O filme faz de três capítulos um vasto e riquíssimo guia, que nos introduz a um nem tão desconhecido olhar acima das manias que rondam a visita de uma mulher francesa a outra nação, mas que não deixa de ser um olhar upgrade por certas evoluções, que muitas vezes são enfrentadas até por nós mesmos quando recebemos a comunal visita de um amigo, parente distante vindo do próprio país ou no trabalho, e em outros mais lugares.
O caloroso acolhimento sempre executado com uma irritante perfeição pela recepcionista do local onde Anne fica hospedada, e cujo se repete exatamente da mesma forma pelos outros três capítulos, sem mudanças. O interesse volátil de Anne no misterioso farol, que ela supostamente não consegue encontrar. O efeito da chegada de uma estrangeira para os homens, e as consequências dessa visita afetando a relação deles com suas mulheres e os outros ao redor, e como sempre essa relação tende a ser vista da mesma maneira, ainda mais quando ela se repete com frequência num ciclo inteiro, tratando-se de uma senhora francesa visitando uma terra oriental. As presentes e notórias falhas na comunicação, visíveis a todo tempo conforme o filme anda, o que torna os diálogos mais "travados" e introvertidos, mas que também contribui para discussões internas, como o casal que abriga Anne, com a mulher sempre argumentando na língua materna com o marido, preenchida por uma onde de ciúmes inacabável. Ou então o "perigo" dos homens coreanos para a visitante, numa intenção mais carnal do que afetiva. E também como em vezes essa rodada inverte, com a mulher buscando no homem atrativos que lhe satisfaçam, como no penúltimo e último episódios, onde Anne incita verbalmente e espiritualmente seu amor pelo salva-vidas, e sua atração pela juventude e porte físico do rapaz.
A Visitante Francesa também protesta contra o popular estereótipo de que a vida no estrangeiro é mais sofisticada e vantajosa, já que a influência ocidental (principalmente) nos países da Ásia é de uma avançada extensão, e nisso Sang-Soo toma a chance de valorizar a cultura nativa da Coréia do Sul num extenuante contraste com os rótulos periodicamente atribuídos de que a vida lá fora é melhor do que a de dentro, e que tudo aqui está perdido. Assim como a Coréia do Sul tem uma forte ligação com a Europa nesse ponto, e aqui isso é bem exemplificado, a situação é o consumado reflexo de como aqui está para os Estados Unidos, já que nós, maldizendo a política nacional e todas as imperfeições presentes na nossa atual economia e afins, também polarizamos a imagem de que a vida, o trabalho, a família e tudo o mais que vier (contando regularmente até mesmo a própria magnificente e desenvolvida indústria cinematográfica) é melhor nos "states", a "terra dos sonhos", concepção que divide nosso patriotismo ao meio e, consequentemente, o reconhecimento da grandeza e diversificação da nossa cultura.
Numa habilidosa trama que não deixa nenhum elemento escapar, e que elabora num plano esperto um jogo que propõe ao público uma experiência avassaladora, o que conta é como o filme consegue levar o espectador até o fim, e alimentá-lo com fascínio e simpatia, adentro uma jornada que corria um sério risco de ser cansativa. Não devemos esquecer sob nenhuma desculpa a performance exuberante da Isabelle, mais uma vez belíssima e irrealmente conservada (na casa dos sessenta, só pra constar). O que fervora o filme é seu apelo para a nossa identificação, com traços que abraçam os frequentes costumes que atacam, numa crítica ora cômica ora banal, a falsa autoridade da recepção e da visita, que conta com seus prós e seus contras, sendo na Coréia do Sul, aqui no Brasil ou em qualquer lugar. Hong faz dessa original dramatização uma peça de valor inestimável, excelente e precisa, única e singular.
A Visitante Francesa (Da-reun na-ra-e-suh)
dir. Hong Sang-Soo - ★★★★★
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