O que falar de um filme que tanto me impactou em duas rápidas sessões? Essa revisão de Embriagado de Amor, um dos trabalhos mais geniais do Paul Thomas Anderson, fez muito bem pra mim, ainda mais quando da primeira vez tinha terminado encucado, com muitas dúvidas na cabeça. Alguns textos e recomendações aliviaram a pressão dessa confusão, e me ajudaram muito a compreender a proposta do simples Embriagado do Amor, um filme que dialoga sobre os efeitos insanos do amor em nosso ser, com direito a um roteiro bem construído e a mais talentosa performance de Adam Sandler (talvez a única também, levando em consideração o número de porcarias que ele fez), na pele de um tímido pequeno empresário que fica perdidamente apaixonado por uma colega da irmã, e faz absolutamente de tudo para protegê-la e ficar ao seu lado, sendo capaz de qualquer coisa para dominar esse amor.
Muito provavelmente é meu trabalho favorito do Paul, ainda que eu idolatre Sangue Negro e Magnólia. Embora tenha me deixado um pouco zonzo na primeira vez visto, é o filme menos complicado de Paul. O falso clima de comédia romântica pode decepcionar quem esperava por algo maior. É um tremendo erro rotular Embriagado de Amor com esse gênero tão diverso, extenso e poluído (por natureza). No máximo, trata-se de uma comédia. É apenas um filme. Dá pra rir e dá pra chorar em certos momentos, mas ao certo não é nem comédia nem drama. Afinal, amor é amor independente de tais exigências, e parece que é isso que ele quer deixar inicialmente claro. É uma maneira de purificar a história, na precisa ausência dos abusivos clichês e os julgamentos inofensivos que aniquilariam o poder da narração.
O cara de terno azul todo desajeitado a quem somos introduzidos logo na estranha cena inicial do filme é Barry Egan, tímido e pouco sociável empresário que trabalha com desentupidores e realiza suas vendas num galpão, onde se localiza o escritório dele e de seus colegas. Aparentemente sem sucesso no que faz, e também não dando a mínima para o desenvolvimento desse trabalho, Barry é atormentado por suas sete irmãs, que o traumatizaram na difícil infância que ele enfrentou, que agora estão loucas para arrumar uma pretendente para o irmão, que está farto da vida que leva e, todo reprimido, vive à beira de um ataque de nervos, e não raramente Barry tem problemáticas crises nervosas, onde ele literalmente quebra tudo, desde a cena do jantar no aniversário, onde ele arrebenta uma janela de vidro numa cozinha depois de ser insultado pelas irmãs, até a do jantar com a Lena, onde ele pede para ir ao banheiro e quebra todo o local depois de ouvir a amada falando que as irmãs comentaram com ela sobre o comportamento dele.
Minha gente, esse é o amor. Nós achamos um pouco desconcertante e estranho o comportamento do Barry, mas, diante da paixão, quem não automaticamente vira ele? A cena inicial do acidente de carro exemplifica nossa falta de interesse no mundo ao redor enquanto apaixonados. As cenas que mostram o Adam revoltado com os insultos da irmã ou destruindo a trupe do mafioso de Utah demonstram a nossa força enquanto apaixonados. A viagem dele para o Havaí é símbolo da devoção. E a duradoura conversação dele com a mulher do sexo via telefone metaforiza nossa vontade de relatar o nosso amor para os outros. Quem não é louco, tímido, perdido, espontâneo e neurótico diante do amor? O retrato desse sentimento tão inexplicavelmente bonito e eufórico vindo de Paul Thomas Anderson, embora exale um ar meio incomodado em partes, é acalentador e belíssimo. O romance nu e cru.
Sem esquecer da performance estrondosa de Adam Sandler, certamente a melhor já feita pelo ator no cinema, até o momento. Quem diria que um sujeitinho do porte de Adam teria talento o suficiente para trabalhar ao lado de Paul Thomas Anderson em um personagem tão complicado como o Barry. Quem mesmo sonharia que Adam ingressaria a tão rica lista de protagonistas masculinos da carreira de Anderson, ao lado de Mark Wahlberg, Daniel Day-Lewis e Joaquin Phoenix? Fica até difícil reconhecer Sandler num papel tão estrondoso como esse. É raridade, pessoal. A presença da (ainda) tocante Emily Watson, torna essa jornada amorosa ainda mais deliciosa. Philip Seymour Hoffman, perto dos minutos finais, rouba a cena, de leve. A fotografia de Robert Elswit, que no início soa um pouco nervosa devido aos excessivos contrastes, capta a particularidade da nossa loucura em prol do amor, e a instabilidade de Barry, à mercê do desastre e do sucesso em sua missão. Ser apaixonado exige demais da conta. Mas, em compensação, o resultado vem como num sonho perfeito. Embriagado de Amor talvez não seja a mais completa, mas é uma experiência única e lindíssima. Está aí: a "porrada-bêbada de amor"!
Embriagado de Amor (Punch-Drunk Love)
dir. Paul Thomas Anderson - ★★★★★
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