terça-feira, 27 de outubro de 2015

Crítica: "SR. HOLMES" (2015) - ★★★★


O fato é que eu não vi nenhum dos filmes dirigidos pelo Bill Condon. E olha que eu tenho o DVD de Kinsey Dreamgirls, duas de suas mais aclamadas produções. Gostei bastante de Chicago, que ele escreveu. Fora esse e o seriado The Big C (conferi um ou dois episódios), nem mesmo sobrou pra saga Crepúsculo, que teve seus dois últimos filmes (Amanhecer parte 1 e 2) dirigidos por ele. Quer dizer, até hoje não tinha visto um trabalho como diretor do Condon. Sr. Holmes, adaptação do romance A Slight Trick of the Mind (acho que o título em português, por conta do filme, também  é Sr. Holmes, escrito por Mitch Cullin), pode desapontar a quem buscar nele minuciosamente o espírito de aventura e suspense sempre presentes nos escritos de Arthur Conan Doyle, mas é inegavelmente uma pérola. 

O conceito principal de Sr. Holmes gira em torno de um retrato exposto da velhice do mais famoso detetive de todos os tempos, e certamente da literatura, Sherlock Holmes. Morando em uma casa beira-mar numa região camponesa, Holmes vive na companhia de uma gentil e caridosa arrumadeira, a Sra. Munro, e seu jovem filho, Roger Munro. Desprezada pelo detetive quase o filme inteiro, a governanta anseia por deixar a vida que carrega ao lado de Roger, grande amigo de Sherlock, e ir trabalhar com a irmã num pequeno hotel, apesar de quase sempre ser cruelmente repreendida pelo próprio garoto, que não aceita o comportamento da mãe e demonstra, a certo ponto, repulsa pelo trabalho que ela leva e sua baixa escolaridade. As coisas desandam quando o menino começa a cultivar em si os amargos e solitários hábitos do já ancião xangô de Baker Street, rebelionando-se contra as vontades da matriarca, que se vê obrigada a engolir em seco as instruções e discussões de Roger. É aí que Sherlock o ataca com "faça o que eu digo, mas não faça o que eu faço", isso já no meio do filme, o que demonstra claramente a presença de humanidade no personagem, pouco explorada pelo Conan Doyle em seus intrigantes e memoráveis contos policiais. 

O que principalmente diferencia o Sherlock Holmes daqui do original é a prevalência do lado humano, que faz com que o mesmo passe a elucidar com outros olhos o mundo ao redor, as mudanças, as situações e os sentimentos. Para poder encaixar essa versão humana do Holmes numa maneira compreensível e realista, de forma com que a versão original não seja espalhafatadamente retraída, o trabalho propõe a mudança de idade do detetive para a velhice, que alia-se com perfeição ao requerimento citado. O resultado é formidável. É claro, isso contando que essa ideia poderia ser melhor desenvolvida, mas sinceramente eu não consigo ver outra maneira de organizá-la no papel depois dessa, uma vez que abusar em características e rodeios sem criatividade só traria questionamentos ao objetivo do filme como retrato. 

O idoso Holmes, apesar da idade e de um problema que lhe acomete, continua lúcido e mantém seu intelecto íntegro e enriquecido. Porém, ele sofre modificações. Sua personalidade oscila em transes de fúria e sensibilidade, enquanto ele é atormentado por lembranças de um antigo caso e o medo da doença que vai, aos poucos, minimizando sua imprescindível técnica de dedução. A busca por um herdeiro é subconsciente. Isso vagamente me lembra de um filme do Holmes que eu gostei bastante, e um dos mais recentes, a mega produção Sherlock Holmes (que, por acaso, tá passando agorinha no TBS). Antes ágil, sempre acompanhado do caro Watson, loquaz e extremamente elétrico, em Sr. Holmes encarna um molde diferente. O Sherlock da velhice já não mais sai à caça de brutais psicopatas e criminosos na obscura Londres do século 19. Lhe restou investigar, ao lado do rapazinho, a razão da redução populacional de um enxame durante sua saída em virtude de uma viagem ao Japão, e o grave temor às vespas. E refletir sobre sua solidão, e o que o levou à esse estado. E as memórias da maior chance que ele teve de estar ao lado de alguém, ida pra sempre. A participação da viúva empregada e deu seu garoto ameniza essa ausência, e a última relação, embora possa ser melhor definida como vô-neto, funciona com uma exatidão no padrão de pai-filho, um completando a falta do outro, uma conexão muito bela. 

Ian McKellan, que já havia trabalho com Bill em Deuses e Monstros, consegue captar o personagem e as condições em que ele se encontra de maneira estupenda, beirando um realismo dramático sensacional. O mesmo digo da Laura Linney, que sofre na mão dos dois Sherlocks, e consigo mesma, devido à tragédia que acometeu o marido na guerra. Por isso ela se mostra tão firme e tradicional quanto aos métodos e à educação que Holmes rege nele. A atuação dela é tão boa quanto a de Kinsey. A versão teorizada sobre a real autoria dos contos ser de John Watson, e que na realidade Sherlock tratava de casos menos fantásticos dos que abordados na ficção, como um marido preocupado com a lucidez de sua mulher, e que consulta Holmes para garantir a segurança dela e seguir seus passos para desvendar o enigma, me deixou com um nó na cabeça, mas caso contrário da existência desse atributo a história não faria sentido algum mesmo. Grande filme. Só não entendi duas coisas: o sotaque da Laura que não muda e as distribuidoras brasileiras terem adiado a estreia do filme, que seria lançado nesse mês, por tempo indeterminado. Que burrice. Sr. Holmes foi exibido como hors concours no Festival de Berlim deste ano, e foi selecionado para o recente Festival do Rio, que terminou faz pouquíssimo tempo. Se meu bolso não vivesse mais vazio que estômago de modelo... 

Sr. Holmes (Mr. Holmes)
dir. Bill Condon - ★★★★

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