quarta-feira, 21 de outubro de 2015

Crítica: "UMA RELAÇÃO DELICADA" (2013) - ★★★


Ano passado, vi na internet uma entrevista da Isabelle Huppert com o Jô Soares, entrevista que gostei muito e, apesar de ter procurado incessantemente o vídeo da primeira entrevista da francesa com o apresentador do talk-show, que tinha acontecido em 2003, na época quando Isabelle veio apresentar a peça 4.48 Psychosis, de Sarah Kane, não encontrei quaisquer vestígios da existência desse arquivo, nem mesmo fotos (também acho extraordinário esse domínio poliglota do Jô, que tem um sotaque francês bem treinado). Essa entrevista foi bastante revigorante pra mim, que não era tão chegado à atriz quanto sou agora, e me introduziu a dois recentes trabalhos dela: Um Amor em Paris (não achei em nenhum lugar) e este belo Uma Relação Delicada, que marca um dos trabalhos mais interessantes de Catherine Breillat, que é mais famosa pelos seus livros do que pelo cinema, apesar de ser diretora de filmes ótimos como Romance e A Última Amante, além de sua pequena participação no clássico Último Tango em Paris.

O filme, na verdade, é meramente baseado nessa experiência de Breillat, que a deixou seriamente debilitada em 2004, quando a diretora foi vítima de um acidente vascular cerebral. Seguindo esse trágico episódio da vida de Breillat, que no mesmo ano do sofrido tinha acabado de lançar Anatomia do Inferno nos cinemas, ela conheceu um golpista de nome Christophe Rocancourt, a quem ela oferece um papel no longa e uma renda para a produção. O caso aqui relatado é, incrivelmente, verídico ao que aconteceu, já que, na minha mente, até então, Catherine teria cristalizado um pouco a história, acrescentando toques de ficção, o que se prova totalmente o contrário. Breillat, numa rara observação autobiográfica, remonta momentos de tensão, fúria e perigo numa trama que, embora clichê e pouco progressiva, consegue captar a exatidão de cada momento vivido pela diretora. 

E não poderia ser ruim de jeito algum. Afinal, quem faz o papel de Maud Shainberg (a.k.a. Catherine Breillat) é a maravilhosa Isabelle Huppert, numa das mais preciosas atuações dos últimos tempos de sua carreira, que infelizmente não teve o devido reconhecimento em sua curta passagem pelos cinemas, tanto nacionais, quanto franceses e internacionais. O filme, inegavelmente, é sustentado por sua brilhante performance, na pele de uma mulher que, vendo-se obrigada a carregar o fardo de uma tenebrosa reviravolta em sua vida, não resiste à tentação de se entregar à perdição nos braços de um gentil e carinhoso, porém brutalmente maquiavélico, trapaceador, que rapidamente ganha o coração dela. E quando esta vê o erro cometido, já é tarde demais. A vulnerabilidade a traiu, e jogou sua confiança e boa vontade no lixo. É como o título descreve: abuso de vulnerável. 

O filme analisa essa relação de Maud com o tal canalha por quem ela tem uma definitiva queda, de forma com a qual a inocência de Maud quanto ao perigo e às possibilidades deste relacionamento dizimarem as suas esperanças seja diretamente exposta ao público. O sofrimento da personagem, encarnado com força por Huppert, rende segmentos pesados e tristes ao longo dos noventa minutos de exibição. É um filme que dá dó, não por conta do fim que leva a cineasta, mas sim pelo tamanho de seu sofrimento, e como ela busca a distração nesse misterioso homem. A Isabelle não só tem de incorporá-la psicologicamente como também fisicamente, devido às deformidades e às sequelas do acidente. 

Embora esteja defendendo a recusa do filme à sensibilidade vendida e seu destruidor poder dramático, não nego que fiquei um tantinho decepcionado com o resultado, por que eu esperava algo maior, aquilo que tanta gente elogiou nele. Não vi tanta coisa assim não, mas o filme é certamente íntegro e responsável, e cumpre seu dever. Incrível como a Breillat, mesmo após o acidente, que ocorreu há onze anos atrás, ainda continua produzindo, como o Jô Soares disse na entrevista, firme e forte, tendo, desde lá, somado mais quatro filmes à sua filmografia, incluindo este aqui e um filme feito para a TV. Há quem estranhe a ausência da tão liberal e exposta pornografia reservada aos longas de Breillat. Mesmo assim, numa trama onde a ingressão pornográfica faria um bem danado ao desenvolvimento do roteiro, mas por outro lado faria com este caísse na mesmice, faz bem ver Breillat numa versão mais contida e visualmente retraída, ainda que tal ausência (evidentemente incômoda) seja marca registrada de seu estilo.

Uma Relação Delicada (Abus de Faiblesse)
dir. Catherine Breillat - ★★★

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