"Dizem que você perde 21 gramas no exato momento da morte". 21 Gramas não se distancia tanto dos outros dois colegas Amores Perros e Babel, já que os três filmes juntos constituem a Trilogia da Morte, mas se destaca por ser o mais dramático e intenso dentre todos eles. Com um elenco arrasador, um roteiro forte e bem-escrito e a direção empenhada de Iñárritu, 21 Gramas reflete sobre os altos custos da culpa, da superação e da esperança que recaem sobre nós em momentos de tensão e conflito. É verdade que é mais semelhante a Amores Perros do que Babel, já que 21 Gramas remonta em sua trama a história do primeiro, que unia um grupo distinto de pessoas a um acidente de carro. Porém, quando digo que se trata de um filme forte, 21 Gramas, por exemplo, não consegue superar a densidade do anterior, Amores Brutos, embora seja um filme mil vezes melhor do que Babel, um trabalho menor do Alejandro.
Comentar a sinopse de 21 Gramas é uma tarefa que de longa já cheira a spoiler, uma vez que o desenvolvimento da narrativa é todo dispersado, desmontado. O filme é basicamente um quebra-cabeça de cem peças pronto para ser arquitetado. A figura só é descoberta perto do final da montagem. Por isso, evitarei abrir qualquer notificação sobre o argumento do filme aqui. Prefiro apenas falar sobre o filme e o quanto profundamente me deixou depressivo e pensativo. E confesso que não sou fã de Alejandro González Iñárritu, nem um pouco, mas 21 Gramas até despertou curiosidade em mim sobre a carreira dele, algo que nunca veio tão disparado como hoje.
O que, de fato, é o mais interessante e inteligente sobre 21 Gramas é sua estrutura narrativa não linear, que na época do lançamento tinha sido merecidamente comparado a filmes como Pulp Fiction, e Amnésia, embora a comparação ao primeiro tenha sido inicialmente atribuída ao também genial Amores Perros, já que essa ausência de ordem cronológica é característica da trilogia inteira. O roteiro é assinado brilhantemente por Guillermo Arriaga, que soube trabalhar com eficiência numa trama complicada cujo nível dramático ultrapassa os limites de um filme normal do gênero, tanto que não tão cedo voltarei a assisti-lo, e olha que ele é um sujeitinho em quem eu não tão facilmente confiaria o roteiro de um filme meu, diríamos, mas que soube criar toda uma teia complexa e cativar o espectador com uma história que, embora já venha rotulada com o típico chamariz dos conflitos dramáticos, é inegavelmente dedicada e esplêndida.
21 Gramas, além de ser um sinal de maturidade e estabilidade cinematográfica para diretor e roteirista Alejandro e Guillermo, também simboliza, junto a outros filmes que se dispõem dessa mesma espécie de narrativa, uma significante evolução na linguagem dos filmes e na construção das tramas. Afinal, este estilo narrativo não é mais novidade para muitos uma vez que nossa indústria celebra vários longas de sucesso que usufruem dessa mesma edição construtiva, embaralhada (a dobradinha Kill Bill), de ângulos multifacetados (Pulp Fiction, Interestelar), time loops (Feitiço do Tempo, Brilho Eterno de uma Mente sem Lembranças), escolha múltipla (Caché, A Origem), simbolismo "easter egg" (Cisne Negro, O Homem Duplicado), e por aí vai, filmes com segredos escondidos em si, e que convidam o público a desvendá-los.
No fundo, o filme é um retrato sobre o horripilante desencadeamento das tragédias em nossas vidas, e a nossa defesa contra elas, seja contraindo mais tragédia ou buscando um novo caminho para seguir, encarar de frente a dor do passado e dos episódios que não podem ser apagados de nossa lembrança, e o quanto esse passado, essas tragédias, nos perseguem até o último momento, mesmo contra vontade, mesmo com a reza mais braba, ou a tentativa mais poderosa possível, o passado sempre estará ali, e ele nunca desaparecerá. É um tumor maligno. E o que fazer quando mais desgraça sucede essa desgraça? Poxa vida, hein. É aí que a gente para e pensa que não tem como ficar pior. O fundo do poço. E tem como cavar mais ainda dentro desse buraco infeliz? Até quantas vezes o ser humano consegue superar as perdas que surgem? É uma visão pessimista das nossas escolhas e do mal, nos aprisionando. Ou é melhor chamar essa praga de azar?
E esse elenco, simplesmente arrebatador e inigualável? Sean Penn encarna um dos melhores personagens de sua carreira numa performance única, mas incrivelmente subestimada. Naomi Watts, que aceitou a proposta de filmar o longa sem ao menos ter tido a oportunidade de ler o próprio roteiro de Arriaga tem uns momentos de tensão pesados, e o talento da atriz é explorado ao máximo, no limite, por Alejandro, e é provável que esse seja mesmo o melhor trabalho dela. Benicio Del Toro, de derrotado a crente, é inteiramente memorável (eu só acho que o personagem dele, incluindo a vida criminal, poderia ter sido melhor explorada, embora eu acredite que esses detalhes foram intencionalmente explicitados por Arriaga na montagem do roteiro), e o mesmo digo da Melissa Leo, em uma das primeiras grandes atuações de sua carreira. E, falando em montagem, só pra concluir o texto, também vale lembrar do Stephen Mirrione, que colaborou Iñárritu em outros filmes, como Babel, e aqui é um contribuinte nato num filme totalmente dependente de uma edição afinada.
21 Gramas (21 Grams)
dir. Alejandro González Iñárritu - ★★★★★
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