sexta-feira, 30 de outubro de 2015

Crítica: "ALL THAT JAZZ - O SHOW DEVE CONTINUAR" (1979) - ★★★★★


Auto-biográfico, clássico, essencial, perplexo e sem dúvida alguma belíssimo, All That Jazz - O Show Deve Continuar é um marco dentre as produções musicais e uma obra de valor inestimável, que faz bem ao ser relembrada pela Film Foundation numa sessão ainda mais contundente, que se repetirá semana que vem, se eu não me engano, no MIS (informações no site http://39.mostra.org/br/home/). Quero dizer, o filme, que aborda algo tão ligado à frenesi do nosso dia-a-dia e o corriqueiro existencialismo que nos leva a reformular nosso hábitos e questionar os limites da vida, é extremamente conectado aos tempos atuais e, além de ser uma forma de comemorar tanto o talento do incrível Bob Fosse e toda a sua galera reunida, é também a pura caracterização do ser humano entrando numa absoluta onda de perdição e problemas, e a sua reação à esses transtornos, que vai se aprofundando em diferentes níveis. 

Livremente inspirado na experiência vivenciada pelo próprio Bob Fosse, All That Jazz apresenta um rígido, inalterável e sempre sério coreógrafo e diretor de cinema, Joe Gideon, que está passando por uma má fase, já que está terminando de editar uma comédia enquanto, ao mesmo tempo, está trabalhando em seu novo musical, que não apresenta nenhum resultado e não agradou tanto os produtores, que acham que a produção não atrairá público devido a seu conteúdo. Porém, a confusão na vida de Joe não acaba por aí não... Além de toda essa complicação, ele tem que aturar o fato de ser um nato mulherengo e já ter uma situação agravada quanto às mulheres presentes na sua vida. O divórcio, a ex, a atual, a amante com que trai a atual. 

A descontraída velocidade do filme, e por conta da inclusão dos elementos biográficos, é fácil lembrar-se da memorável obra-prima Felliniana Oito e Meio, que também tinha como protagonista um canalha acabadão, sem inspiração, dividido pelas mulheres de sua vida e questionando com um imenso pesar a sua existência, interpretado com força por um extraordinário Marcelo Mastroianni. Se aqui em All That Jazz não temos em cena nem Marcelo e nem Bob Fosse, há Roy Scheider, que é tão formoso quanto ambos. A performance do lendário ator não é tão fácil de se esquecer, ainda mais quando ele rima drama e musical magicamente, com uma convicção divina. 

All That Jazz em certos pontos, pela questão do Oito e Meio, da presença do teatro e do personagem principal falido, lembra bastante o recente Birdman. A competência do elenco, as magistrais sequências que envolvem toda uma icônica astronomia. Falando em elenco, que elenco este o de All That Jazz, a grande parte com pouquíssima experiência cinematográfica, tendo trabalhado mais na área teatral, e convidados pelo Fosse para esse espetáculo, que é um filme inteiramente dependente dessa influência teatral, já que a grande parte da nossa comoção se dá às bem ensaiadas cenas de dança, principalmente alguns ensaios, como o da Aerótica, uma das melhores, mas que perde (por pouco) para a fantástica sequência final, o ponto forte desta película.

O irônico é que Bob Fosse veio a falecer um considerável pouco tempo depois da estreia de All That Jazz, mais precisamente oito anos depois, em 1987. Durante todo esse tempo, ele só dirigiu um filme, que foi o pouco falado Star 80, com a Mariel Hemingway. Falando nela, o clima do filme lembra muito o mesmo de um filme de Woody Allen, tanto que arrisco dizer que All That Jazz é mais ou menos como um musical do Woody seria, se o diretor resolvesse então fazê-lo, ou enquadrá-lo a um enredo diferente, porém biográfico. Se bem que Allen já dirigiu Todos Dizem Eu Te Amo em 1997, filme cujo eu nunca tive a oportunidade de ver. Isso me lembra de que devo pagar a Netflix. 

Enfim, tenho pouco a dizer, mas caso não seja o suficiente, "culpo" a grandeza dessa obra, capaz de comover e causar a maior inexpressividade devido a seu poderio. Pensei que All That Jazz seria um filme mais simpático, e não sei se é por conta de seu título, que nos remete à famosa canção homônima. É totalmente ao contrário. Até se trata de uma visão pessimista, dura, da morte e das fases que o fim e a perda nos exigem. Obscura, pra falar melhor. É aquela velha teoria das cinco obstruções do luto, da morte (modelo de Kübler-Ross), que são:

a negação: Joe não consegue encarar seu fracasso e o rumo das suas relações
a raiva: Ele começa a descontar suas falhas na ex-mulher e na amante, e passa a cobrar de todo mundo, inclusive na sua produção teatral, um preço altíssimo a favor da reestruturação do seu ego
a negociação: É a fase mais existencialista, quando o personagem questiona as múltiplas possibilidades de tal coisa dar certo ou errado, se dá pra fugir dela, se há um caminho para escapar do pesaroso destino
a depressão: É a mais torturante. Joe, derrubado pela razão, começa a se culpar e então enxergar seus defeitos, a gravidade dos problemas que o guiaram até este, e é aí que passa a debater a verdade e, então, ver de perto as proporções da antes distorcida realidade.
a aceitação: O fim. Joe faz a sua conclusão final, a de que a única saída é a única saída, nada mais e nada menos do que isso. É quando ele percebe que tem contas para pagar, e dali não sai, ou melhor, daqui não sai, sem finalizar primeiro esse dever, e acabar de vez com seu sofrimento.

[39ª mostra internacional de cinema de SP]
All That Jazz - O Show Deve Continuar (All That Jazz)
dir. Bob Fosse - 

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