domingo, 21 de abril de 2019

EM TRÂNSITO (2018)


Petzold, possivelmente o melhor cineasta em atividade na Alemanha, traz uma proposta diferente em seu novo filme: a reimaginação da segunda guerra nos dias de hoje. Seu filme moderniza e traduz o fascismo para a Europa contemporânea dos refugiados, a trama gira em torno de um alemão em exílio, a mulher de um escritor e toda a conexão que coexiste no hiato entre um e outro, personagens que vivem escondidos, procuram rostos conhecidos na multidão, vidas duplas que se intercalam.

Seu novo filme fala sobre um tipo de dor que só sabe quem já experimentou a distância, o abandono. Isso em especial parece ligar todos os personagens da trama, que são movidos por um certo mistério, uma busca pelo pertencer num cenário de guerra, conflito, caos e medo. Nessa procura por encontrar um lugar a que possam pertencer, essas pessoas encontram uma na outra a raiz de suas dores e felicidades. A distância é observada quando a proximidade entre eles é exposta.

Em Trânsito é uma investigação de sentimentos que nascem do trânsito das mudanças, com um olhar que invoca melancolia ou torpor, mas sempre vê delicadeza nos seus personagens, e coloca isso à frente. É um drama que se abre nos intervalos, se permite o romance e também a dor, porém com uma compaixão rara, certa e tranquila.

Nesse sentido, o final é extremamente decisivo, mas sela uma condição do filme. Uma condição que te convida a enxergar. Personagens que se procuram uns nos outros, que precisam fugir, mas querem ficar. A permanência como salvação. Petzold traz humanidade para temas que carregam um peso, mas a maneira como os toca, com afeto e resiliência, traz um impacto diferente em quem assiste, por ser tão particular e universal, como retrato da dor, do coração partido, do abandono.

Seu filme mais desolador, pungente, é humano, repleto de sensibilidade, do jeito que esse diretor faz de melhor. Atuações gigantes (Rogowski, Beer e Lilien Batman, o Driss, estão excelentes), uma fotografia em sincronia com o ritmo agridoce, e cenas desarmadoras, absurdamente bem concebidas, que coroam a belíssima percepção de Em Trânsito sobre tantos sentimentos, e com tamanha honestidade.

Em Trânsito
Transit
dir. Christian Petzold
★★★★★

sábado, 20 de abril de 2019

GRASS (2018)


Essa fase de Sang-Soo tem gerado resultados interessantemente diferentes de outros filmes da sua filmografia. Mantém-se os hábitos, mas trocam-se os discos. O autor coreano deixa de lado o humor e a graça pelo joie-de-vivre para tratar de temas não exatamente mais sérios do que outros já trabalhados, porém obscuros, amargos, com lirismo e delicadeza intocados, mas voltados para visões e dramas bem mais localizados e aprofundados, que são filtrados pelo mesmo ritmo poético de fazer filmes, planos meticulosos como meditações que se arrastam para costurar resultados firmes, tramas que eventualmente acabam se alinhando.

A leveza que era constantemente associada ao estilo desse diretor dá lugar à contemplação de diálogos repletos dos sentimentos pesados de personagens amargurados, que tem algo a descarregar naquelas mesas de café. O filme vai se estabelecendo como uma peça, se molda em poucos cenários e constrói neles suas direções. Funciona bem porque os personagens é que embasam o desfecho, pura e simplesmente. Observamos suas conversas e gestos como a quem pinta um quadro. Dramas que se interligam, pessoas que parecem procurar coisas parecidas.

Para mais ou menos uma hora de filme, o elenco se sai incrivelmente bem, com atuações que se não tomam muito tempo em tela, pelo menos conseguem dizer o suficiente. Hong deixa as coisas fluírem e seus atores sabem o que fazer.

Num café ou num beco, geralmente duas pessoas desabafam, colocam seus sentimentos pra fora, conversam, recuam, escondem, e finalmente desmascaram suas verdades, liberam a tensão. A personagem de Kim Min-Hee diz que não é escritora, mas registra o desabafo, parece estar conectada com aquilo de alguma forma, embora não fique claro no começo.

Com seu ritmo lento, Grass dá passos grandes para esculpir o tímido desnorteamento daquelas pessoas. Hong não é estranho ao drama, mas se em suas comédias buscava a espiritualidade do banal e se contentava com configurações simples de sentimentos mais espontâneos (com seus estados e rotinas), nessa fase há um interesse maior por um certo peso que defina os personagens, mexendo ainda mais fundo, resultados que não aparecem de primeira, mas se desenvolvem em tela. E, é claro, sempre mantendo o respeito pela naturalidade, uma marca registrada desse cinema que tem seu jeito próprio de captar a beleza por trás do sutil. Consistente e significativo.

Grass
Pul-lip-deul
dir. Hong Sang-Soo
★★★★

GUERRA FRIA (2018)


Guerra Fria é sobre amor, guerra e a turbulenta relação entre os dois. Pawlikowski registra em um preto-e-branco exuberante banhado de romance, mistério e beleza seu retrato apaixonado e distorcido de personagens que se encontram num cenário improvável, que se amam entre países, segredos e conflitos, numa guerra fria que é marcada pelos encontros e desencontros de amantes perdidos e deslocados numa Europa em ruínas.

Algumas cenas são muito bonitas visualmente, com um jeito de realçar o elegante romantismo de uma relação bagunçada. Não fica muito longe daquela beleza meio singular, inconvencional de Ida, com um certo fascínio pela graça inesperada que surge dos sentimentos que são emitidos em tela.

E é até surpreendente ver um filme que consegue conciliar tão bem a sensação amarga de uma guerra e a conexão arrebatadora de um romance que atravessa todos os conflitos que se colocam em seu caminho, com aquela confissão de sentimentos que todos os amantes conhecem. É um filme bonito nesse sentido, pode não ser o filme perfeito pra explorar a sensibilidade de um romance que sobrevive ao tempo, até pela questão de ser mais sobre a resistência e o amor como força redentora. As atuações de Kulig (lindíssima) e Kot são essenciais pra compor a fragilidade amorosa dos seus personagens, e à exposição que os cerca. Tanto a musicalidade quanto o apuro visual ajudam a filtrar sentimentos de preciosidade e precisão. Gosto principalmente das cenas em que eles se encontram em Paris, e também do começo do longa, mas em geral tem conjuntos de cenas que vão do belo ao melancólico, do quebradiço à glória, da guerra ao amor com um charme irresistível.

Guerra Fria
Zimna wojna
dir. Pawel Pawlikowski
★★★★

sábado, 13 de abril de 2019

A TURBA (1928)


Uma dessas pérolas únicas do cinema mudo, "A Turba" exala simplicidade e, porque não, inocência, com a mesma energia que celebra um e outro, nessa sensível ode ao homem comum americano, equilibrando tristeza e alegria com os dramas da história de um amor, casamento, família, trabalho e as atribulações da vida de gente comum, como eu e você.

O que mais comove aqui é a forma como o filme (e essa é uma herança do cinema daquela época) se sente, e se torna completo com a sua própria sutileza, com leveza e charme (aquela cena da primeira noite juntos no trem consegue ser expressiva com tão pouco, e com tamanha honestidade, que é impossível não ficar comovido com a timidez, o humor dela).

Mais bonito é observar as tensões que vão surgindo e como elas são delineadas, de maneira que sempre tenha um equilíbrio muito evidente entre drama e romance. As performances são essenciais pra reforçar essa simplicidade, a ideia de que o filme é construído em cima da beleza do ordinário, o particular que vem do geral.

É interessante que essa seja uma essência muito própria do cinema mudo, de encontrar valor cinematográfico em gestos puros, em premissas bem inocentes, mas que são felizes nesse formato, sem precisar de reforços para deixar seu recado (e que, de certa forma, é uma das maiores influências deixadas por esse cinema, que não se perdeu com o tempo).

É um filme feliz pela sua natureza, contente em filmar seus personagens e as situações aparentemente banais em que se envolvem, mas o jeito como ele se desenlaça, e extrai dessa banalidade beleza, afirmação e encantamento, é comovente demais pra passar em branco. "A Turba" me surpreendeu. É delicado ao retratar dor e amor, sempre falando sobre o que une todos nós, como retirar alguém aleatório de uma multidão e fazer uma história com que possamos nos identificar, plena e humana.

A Turba
The Crowd
dir. King Vidor
★★★★★

WON'T YOU BE MY NEIGHBOR? (2018)


Um belíssimo documentário, necessário pra gente lembrar que amor, bondade e generosidade fazem toda a diferença num mundo cheio de doenças. Inspirador também, porque faz comentário social/político ao mesmo tempo em que enaltece valores humanos e tão profundos, e que precisam sempre ser relembrados: o afeto que pode salvar uma pessoa, respeito, tolerância, a essência inerente do carinho, compreensão, igualdade, e, é claro, aceitarmos e amarmos uns aos outros como somos, e nos cuidarmos, nos protegermos em todos os momentos. 

Gosto das cenas em que o Fred está interagindo com as crianças, uma das coisas que mais me tocou foi perceber que crescer também é carregar dentro de si a infância, a beleza de ser e permanecer uma criança. E que o amor existe de todas as formas, e que ser amado é também um ato de humanidade. Talvez isso seja pessoal demais, eu só espero que as pessoas não fiquem cegas à relevância desse filme, saber que tem pessoas no mundo que ainda se importam com a gentileza é no mínimo gratificante. Uma lição de empatia, de positividade. Fiquei arrepiado com aquela sequência dos entrevistados pensando nas pessoas especiais em suas vidas.

Won't You Be My Neighbor?
dir. Morgan Neville
★★★★★

segunda-feira, 8 de abril de 2019

VICE (2018)


O menos querido dos indicados a Melhor Filme no Oscar desse ano, Vice é a (super) pretensiosa cinebio sobre o ex-vice-presidente dos EUA Dick Cheney (Christian Bale, em performance de caracterização deveras impressionante), que ocupou o cargo por oito anos durante a gestão de George W. Bush (Sam Rockwell, que foi indicado como ator coad. por este papel). O filme é dirigido por Adam McKay, que traz novamente os cortes rápidos e a edição fragmentada presentes no seu trabalho anterior, o frenético A Grande Aposta, usando sátira política repleta de exageros e inconsistências para costurar seu estranho retrato da política norte-americana. O resultado é decepcionante. Não há o tom político que tanto se almeja, as intenções nunca ficam claras, as críticas são lançadas mas o filme sempre encontra um jeito de recuar delas, focando no humor da situação e na caricatura dos personagens, sem nunca acertar o ponto, sem ter uma direção. Na falta de profundidade, Vice pretende a inovação (com uma boa dose de brincadeiras) sem nunca dar passos largos. Apela para reafirmações de seu projeto de humor e, grotescamente, é o mesmo humor que sabota qualquer proposta ou intenção louvável, qualquer chance de ser relevante. Curioso que um filme tão perdido assim tenha conseguido um número tão grande de indicações em diversos prêmios influentes. O elenco até encontra um equilíbrio, mas não consegue jogar a patifaria pra debaixo do tapete. Esses americanos precisam parar de querer ser engraçadinhos falando de política porque não tá funcionando muito. 

Vice
dir. Adam McKay
★★