My name is Max. My world is fire and blood.
"Para onde iremos? Nós que vagamos nesse deserto à procura do melhor de nós mesmos?". É com essa frase, muito bonita e que padroniza bem um dos objetivos ocultos de Estrada da Fúria, que George Miller encerra a obra-prima de ação da temporada (e já candidata a do século), filme que por si só de mágico e memorável tem de sobra, pelo menos para passar facilmente na frente de outras produções do gênero, até mesmo as mais assemelháveis, mas que nem de perto trilham a mesma qualidade, o mesmo efeito desta. Digo isso seria e tranquilamente. Filmes deste tipo surgem de tempos em tempos. E sabe lá se estou certo ao dizer que já houve algo inteiramente parecido com Mad Max - Estrada da Fúria na história do cinema. É seguramente uma obra deliciosamente furiosa e vibrante, sem igual, que combina ação e drama, epicismo e futurismo, explosões e lágrimas, com maestria. Um trabalho maior, com absoluta e firme certeza.
Com responsabilidade e força, o australiano George Miller, 70 anos, criador da agora série de filmes Mad Max, e diretor de todos os seus filmes, agarra o volante, e nos dirige pelas estradas de um desértico e surreal lugar, onde pobres almas, guiadas pelo sobrenatural instinto de sobrevivência, vão devorando umas às outras, perseguindo a tentação da redenção, beirando a perdição e navegando na insanidade, tudo pela salvação.
No meio desse bando de loucos, existe um que supera a todos os outros (ou não, como ele mesmo define no início - nisso, lembrei de um grande amigo meu, o professor Robson, que leciona história, e uma vez, durante uma conversa, não lembro qual, falou-me que era bem compreensível e normal ser louco nos dias de hoje, ou perturbado psicologicamente, com tanta impunidade e absurdos correndo por nosso conhecimento): o lendário Max Rockatansky, ex-policial que, outrora tentando proliferar a justiça num mundo sem lei exercendo seu espírito de vingador e pacifista, agora tem de encarar as sobras do juízo final, assombrado e perseguido pelos fantasmas de seu passado, aqueles que não pôde salvar, passando por poucas e boas na mão de uma tropa sanguinária formada por jovens soldados, os "garotos de guerra", e controlados por um cruel líder, Immortan Joe, que raciona a água no deserto exercendo um poder absoluto sobre ela e impedindo que a população possa utilizá-la comunalmente, permitindo tal "luxo" às massas pobres de vez em vez (vê-se uma dessas vezes logo no início do filme).
Quando a Imperatriz Furiosa, mulher que serve de escrava e dama ao vilanesco Immortan Joe, foge da Cidadela levando consigo as melhores parteiras dele (mulheres que geram filhos e provém leite materno, outro elemento de "sagrada precisão" na trama), o exército dos garotos de guerra e o Immortan Joe em pessoa, equipados nas suas monstruosas carangas, seguem pela estrada da fúria na cola da Furiosa. Depois de se livrar da trupe do Immortan Joe, onde servia de bolsa de sangue aos chamados "garotos de guerra", quase anêmicos, "no fim da meia-vida", Max, após um encontro um tanto eletrizante com a Furiosa e sua carga, as mulheres parteiras, uma delas grávida, segue o rumo da imperatriz ao misterioso Vale Verde, na esperança de se livrar do seu fardo (uma espécie de máscara de ferro) e escapar da turma do Immortan Joe.
A síntese técnica de Mad Max - Estrada da Fúria, aladas ao grandioso elenco, a história já mesmerizante e a competência do diretor George Miller, fazem deste um longa não só brilhante, mas também imperdível, em todos os sentidos da reunião. Trata-se de um, ao mesmo tempo, filme de autor e superprodução. A rima funciona bem, e como nunca, somos presenteados com uma mercadoria de primeira, fruto da dedicação (as filmagens começaram lá em 2012, e o projeto veio sendo pensado e desenvolvido há um tempão, não à toa a produção anterior a esta chegou aos cinemas há exatos trinta anos atrás - falo de Mad Max - Além da Cúpula do Trovão) e do poder daqueles que tomaram partido de Estrada da Fúria.
Afinal, mais do que gigante, hipnotizante, imbatível e sucessivo, o filme é raro. Raríssimo. É proximamente impossível ser bem-sucedido na tentativa de topar com algo de tamanha altura e potência. Em tempos de adaptações gordas da Marvel, blockbusters inflados e afins (não que eu queira dizer que é tudo porcaria, mas há contáveis exemplares dignos de reconhecimento que figuram neste círculo, muito sinceramente), Mad Max - Estrada da Fúria é uma surpresa prazerosa e riquíssima.
Nas sequências de ação (de peso) aqui presentes, o nosso estado é de devaneio, até mesmo desespero chega a bater, como se estivéssemos ali, no banco de trás do furgão de "combustível" da Furiosa, assistindo àquele espetáculo de explosões, destroços rasgando o ar, sons de máquinas tenebrosas arrancando pra valer, o solo sendo consumido pelas rodas assassinas, o coração a mil, disparando feito metralhadora, pra tudo que é canto. Ninguém fica de fora. Ninguém resiste a Estrada da Fúria. É um desses filmes que agrada a todos. De maneiras extremamente diferentes, mas a impressão quanto à ele, quanto à sua qualidade não muda, ainda mais tratando-se de um show incessável de adrenalina e emoção, chamariz e motor de interesse para qualquer espécie de espectador nesse mundo.
É interessante contemplar como a trama explosiva aponta para diversas situações político-sociais e relações de poder existentes no mundo de hoje. Deixando de lado o futurismo pós-apocalíptico que no coração o filme bombeia, há várias complexidades dentro da trama que contextualizam o atual estado global, relatos agravantes da poluição, corrupção, a cobiça se alimentando da discórdia e da revolta entre os povos. Por mais inebriante e delicioso que seja acompanhar o desenfreado correr de Estrada da Fúria, sua ação primorosa, é o medo de que algum dia essa realidade acometa as futuras gerações, que irão incluir os meus, os seus, os nossos descendentes, e da raça humana, que vai nos proporcionando a frenesi, o olhar esbugalhado, o rosto boquiaberto. Em determinados momentos, é doloroso ver os caminhos que a jornada da Furiosa toma, com ela sofrendo demais ao lado das outras mulheres fugitivas, que não pude conter as lágrimas, com meus olhos "suando" freneticamente, à medida em que o filme se aproximava de seu fim.
Mad Max - Estrada da Fúria estampa atração certeiramente divertida e cinema de ação avassalador. Respeita a atual regrada demanda do gênero sem de se esquecer e remeter da antiga e original versão. Satisfaz, emociona e me fez bater os pés de altividade durante a sessão. Uma montanha russa. Tem aqueles momentos mais calmos, mas sempre em seguida o carrinho tem de descer bruscamente, o vento socando o rosto e os olhos automaticamente oscilando entre piscadelas e apertos de estremecimento. É assim que é ver Mad Max - Estrada da Fúria. Estar amarrado a um carrinho de montanha russa por cento e vinte minutos seguidos a um bilhão de km/h. Sem brincar. E, no fim, não tem como não estar emocionado e implorando de joelhos por mais (para a nossa alegria, um quinto filme de Mad Max, com o Tom Hardy, já vem sendo imaginado).
Só de lembrar do filme para escrever sobre o mesmo já começo a tremer e ofegar. Ainda mais agora, quando começo a recordar da fotografia excepcional do Jonh Seale, que trabalhou em várias produções do cinema britânico e veio a se aproximar do grande circuito e de Hollywood só de uns tempos pra cá, se bem que Estrada da Fúria está longe de ser lá um filme hollywoodiano. É financiado pelos ianques, mas seu interior é australiano. Se não temos aqui Mel Gibson no papel de Max, a responsabilidade fica nas mãos do Tom Hardy, que está aquém do Mel, mas não desaponta em nada no seu personagem de poucas palavras e emergido em insanidade e doentia perseguição pelo pretérito bastante imperfeito. A trilha sonora (Junkie XL) é lindamente bem conduzida. Uma curiosidade que faço questão de por aqui é a de que a guitarra de um personagem que vive aparecendo em rápidos closes durante o filme é de verdade, pesa uma porrada de quilos e realmente é flamejante. Só de passagem mesmo.
E Tom Hardy nem é o protagonista aqui. Muito possivelmente lá pela primeira metade do filme. Mas quem é que toma conta da tela e da nossa atenção é a personagem da Charlize Theron, ainda belíssima, a Imperatriz Furiosa, destemida e corajosa. Todas as mulheres em Mad Max - Estradas da Fúria, de fato, são nutridas pela coragem, pela rebeldia, pela vontade de mudar, sem medo algum de dar cara a tapa. Essa representação demonstra o poder das mulheres cada vez mais tomando lugar no nosso mundo doentio. Estou bastante esperançoso quanto à essa colocação.
É bem provável que as mulheres é quem farão a transformação no nosso mundo e colocarão a justiça pra trabalhar em vez dos homens. Afinal, não são as mulheres mais humanas do que essa cambada de macho aí, com a grande maioria sem fazer absolutamente nada de bom, num todo, no mundo - falando em política e em questões de resolução sócio-econômica? É bem assim que George Miller trabalha Estrada da Fúria. A mulher no poder = a recuperação de um mundo aos pedaços. Quem sabe quem apostar não vai se desapontar? Chamem isto de idealismo feminista ou o que for mesmo, mas é o que eu quero. Tá na hora de mudar de ares, minha gente. Eu digo sim pra igualdade!
Voltando ao assunto, a Charlize Theron é mesmo talentosíssima, e sabe escolher projetos, e é uma beleza de mulher, só pra lembrar. Mistura de beleza e engenhosidade. Querer mais do que isso é impossível, não acham? O Nicholas Hoult, que faz o menino de guerra Nux, na melhor performance da carreira dele. Não tem como reclamar de nada. Estrada da Fúria é um trabalho hostil e impactante. De uma só vez. Assim que os créditos aparecem, me levanto da cadeira, e uma frase me ataca sem piedade: "Who killed the world?". Vos pergunto-a. E os obrigo a "testemunhar" um dos bradares mais retumbantes desse ano e dos tempos: Mad Max - Estrada da Fúria! Vejam, meus amigos! Mas podem se viciar, de boa. Afinal, quem não?
Mad Max - Estrada da Fúria (Mad Max: Fury Road)
dir. George Miller - ★★★★★