Faz tempo que não vejo Liv Ullmann atuar. Faz muito tempo. A musa sueca de Bergman apresentou poucos trabalhos ultimamente, tanto no cinema, quanto na literatura, e muito menos no teatro (um de seus últimos nesta área foi uma elogiada adaptação de Um Bonde Chamado Desejo). Este Miss Julie marca a segunda participação na direção da atriz, que estreou em 2000 com Trollosa. Eu conhecia bem de perto o lado atriz de Liv, mas este lado de diretora sempre me foi curioso, um tanto desconhecido ou inesperado, em relação à ela, visto que eu tomava com ela uma enorme expectativa de influência Bergmaniana. Visto Trollosa, mantinha dúvidas sobre o filme. Este Miss Julie pôde sucessivamente responder algumas delas. Vejo aqui Liv dirigindo, sem atuar, uma obra simplesmente sensacional, estupenda, sensível e perceptiva.
E o melhor de tudo em Miss Julie é que, a película, que funciona perfeitamente como um célebre filme-teatro, e que foge da mesmice a qual estava destinado (pelo menos era o que eu temia). Liv usa e abusa colossalmente do ortodoxo, mas sem errar. Em nenhum momento de Miss Julie deixei de estar interessado pelo segmento da trama. O filme te prende. Logicamente, nem todos irão gostar dos intensos segmentos de diálogo, mas é algo que para alguns, como é no meu caso, pode ser fascinante. À este público, destino especialmente Miss Julie. O filme começa sutilmente e termina furioso e endiabrado. Há a conexão de tramas que maravilhosamente são conduzidas sem nenhum erro aparente, que, é claro, influencie na falta de compreensão ou na desvalorização do filme.
Elogio, para começar, o elenco triunfal de Miss Julie. Três nomes talentosos e memorabilíssimos: Jessica Chaisten (a bela sedutora), Colin Farell (o reprimido apaixonado) e Samantha Morton (a inocente empregada). Miss Julie (Jessica Chaisten), filha de um barão aristocrata irlandês, mora numa grande mansão no campo, na companhia de dois empregados: a cozinheira Kathryn (Samantha Morton), e seu noivo, um galante e competente valete chamado John (Colin Farell). Ambos, Kathryn e John, são obrigados a entregar-se à tortura de serem comandados e manipulados, na ausência do barão, pela belíssima e persistente, embora neurótica e louca Miss Julie, uma mulher "estranha" de hábitos peculiares que força os empregados a jogarem seu jogo de sedução, poder e façanha. Determinada a destruir a relação entre Kathryn e John, Miss Julie seduz o valete de seu pai e o força a fazer determinadas tarefas: buscar flores no jardim para ela, beijar seus pés, andar com ela no parque. Enfim, tudo a fim de resultar na tragédia romântica da história.
O filme é de uma beleza incomparável. O filme, pra mim, ganharia cinco estrelas, sem pestanejar, se eu fosse considerar a excelência técnica e visual com a qual ele é conduzido. Cada cenário é triunfalmente recheado de luz, paixão, dor e pecado. Os figurinos são vislumbrantes. A trilha sonora emociona. À medida em que a história vai te aprisionando e te conduzindo ao esperado final contundente, você vê-se cada vez mais maravilhado pelo brilho que a caracterização dela reproduz. É algo que me falta palavras a qualificar. É nessas horas que sinto a comovente emoção de ver o filme. Miss Julie teve a direção de fotografia assumida por ninguém mais e ninguém menos do que Mikhail Krichman, responsável pela maioria dos trabalhos do diretor russo Andrey Zvyagintsev, incluindo o último, Leviatã. E é uma fotografia irreversivelmente invejável. Invejável no sentido de maravilhosa, brilhante, atordoante, desconcertante. É uma fotografia mega ótima. Cores quentes e cores frias, a cada cena, não se misturam. Há um equilíbrio magnífico. É tudo muito organizado, a fim de resultar num trabalho totalmente fantástico. Os ângulos são... perfeitíssimos.
Miss Julie perambula entre um conto encantado de amor e uma narração furiosa sobre a desilusão e sua conexão com a eterna melancolia de viver à beira da catástrofe. Ele fica posicionado exatamente neste local, onde surge um poderoso conto que enfatiza a paixão insistente de um homem por sua dama. Uma paixão secreta que, escondida no passado, revela-se no futuro e causa um desastre inevitável. Tudo à visão de Miss Julie, polêmica dama que não mede conceitos a fim de conseguir o que bem quer, tal como acaba tendo um miserável fim, destino de sua trama na busca da sedução e do prazer. Que belíssima obra! Que dedicados e formidáveis atores! E... Que belíssima Jessica Chaisten. Uma verdadeira dama da beleza, Poesia visual mágica. Não há ninguém que, acredito eu, a superaria em Miss Julie.
Miss Julie
dir. Liv Ullmann - ★★★★
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