sexta-feira, 29 de maio de 2015

Crítica: "CASA GRANDE" (2014) - ★★★★


Singular e tocante, profundamente inteligente e necessário, o longa nacional Casa Grande é um dos filmes mais íntegros e particularmente originais feitos ultimamente dentro de nosso circuito de uns tempos pra cá, e é mais outro que começa a fazer parte de uma grande lista que tem O Som ao Redor, Tabu, O Céu de Suely, O Ano Em Que Meus Pais Saíram de Férias e Jogo de Cena como estrelas. Mais uma plausível prova de que o cinema nacional não está morto, como muitos ditam por aí. É uma obra inteiramente complexa em seu todo no intuito de retratar o embate entre as classes sociais e o conflito que aflige à família de Jean, um jovem de dezessete anos que se vê obrigado a atravessar uma difícil fase encarada por sua família de classe alta entrando numa passível decadência. 

É nesse ponto onde se encontra o mais interessante de Casa Grande: a enorme narrativa que se estende por dentro da situação da família e o contraste dessa situação com a vida social de Jean. Esse "close", foco nas diferentes emergências das classes sociais, como eu mesmo comecei falando, é maravilhosamente excelente e notório. As questões do racismo, preconceito e valores econômicos são discutidos aqui abertamente, livremente sem nenhum pretexto que interfira no tratamento que essa reflexão recebe. O filme, de forma ampla e retrativa, abraça esse conteúdo com identidade e força. Casa Grande, nesse debate, é único à seu modo. 

O filme resgata a mensagem que há tempos tenta ser enterrada em razão do anseio de se excluir a impotência do mérito sócio-econômico da sociedade. Uma mensagem que não necessita de moral para ser objetiva e definitiva. O filme, nesse quesito, indubitavelmente acerta. Seu diretor, o jovem Fellipe Barbosa, mostra maturidade e competência nas áreas que assume, aqui direção e roteiro. Em sua estreia na direção de um longa (em 2011, dirigiu o curta Laura), Barbosa mostra que tem habilidade exímia ao manejar a técnica e ainda sim demonstra que tem valor e que, futuramente, trará bons filmes caso eles sigam o mesmo trajeto deste aqui.

Em busca da reflexão e do retrato, vai e vem o filme exibe empenhadas cenas inesquecíveis, que traduzem em seu conteúdo toda a matéria oferecida pela película. O que dizer da cena em que Jean retorna à casa sorrateiramente pela noite e tem uma discussão feia com o pai, Hugo. Boa mesmo é aquela onde Jean briga com o filho de um dos colegas "emprestadores" de seu pai, no vestiário. Ou então, a cena na qual Jean ameaça contar para o pai que ela vem roubando dinheiro dele, mas é desencorajado quando a mesma o ameaça dizendo que irá revelar sua relação com a empregada da casa, Rita. Há um contraponto bem forte quando o filme amplifica esse contexto da relação patrão-empregado, algo que pode ser muito bem comparado à época da escravidão, como o próprio título do filme envergonhadamente propõe. Mas é um contexto livre e bem explorado, que merece certo destaque na interpretação do sucesso de Casa Grande. Em busca da tão querida e perigosa liberdade, os personagens da trama, constantemente controlados pela força do medo e do moralismo, se veem rejeitados, presos ao nada, descontes por ausência de opção.

Quanto mais se intensifica a decadência, mais nos vemos conectados a um triunfal destino que promete (e cumpre) atribuir e exemplificar a identificação dos padrões que o personagem principal opta seguir. E é tremendamente inesperada essa escolha, mas que em partes conforta o espectador, porque, ao mesmo tempo, ele consegue criar em si uma visão dos prós e contras que essa escolha oferece a Jean. Vendo que os prós são bem mais favoráveis do que a negatividade dos contras, o final torna-se "meio" feliz, justo pela questão de que o filme termina dividido, "quebrado". Nessa parte, da decadência familiar e a abertura dos hábitos que a economia passada sustentava me lembrou ligeiramente de Blue Jasmine, que retratou, na fase em a personagem Jasmine (Cate Blanchett) era casada com Hal (Alec Baldwin), trapaceiro investidor que teve um nada contente fim na trama do longa. Apesar do filme de Woody Allen ter tratado de forma menos ambiciosa e focada o assunto, é bem curioso achar essa semelhança.

Em campo, um elenco furiosamente perfeito. Thales Cavalcanti, Suzana Pires, Bruna Amaya, Marcelo Novaes, todos estão perfeitamente ótimos encenando Casa Grande. Fotografia desoladora de Pedro Sotero (o mesmo de O Som ao Redor) Fellipe mostrou o melhor filme até o momento de sua carreira e promete conquistar uma porrada de prêmios com este longa que bem mesmo parece ter conquistado facilmente o público e a crítica de maneira totalmente satisfatória e bem-vinda. Afinal, Casa Grande merece. Além de ser muito bem-feito, é um longa que explora belamente as opções e as promoções adotadas por seu talentoso e excêntrico retrato.

Casa Grande
dir. Fellipe Barbosa - 

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