Não sei direito como começar esse post. Eu gostei bastante de Dívida de Honra. É um filme belo, novo, brilhante, encantador. Sua história é profundamente cativante e, por mais dolorosa que seja, sensível. Tommy Lee Jones, em sua segunda aventura como diretor, é grandiosamente bom tanto na direção quanto na atuação. Ele soube conduzir o filme de uma forma original e intensamente singular. Apesar de ser apenas a segunda vez na direção (a primeira vez foi no também western Três Enterros), Lee Jones mostrou controle e dedicação nunca vistos. Dívida de Honra ganha o certificado de "obra" com justiça e majestosidade. A construção épica dos EUA-século-19 é tremendamente surreal. Chega a ser mágico ver um conteúdo destes.
Mary Bee é uma mulher afligida pela solidão com a qual convive. Ela é, como ela mesma diz, incomumente solitária. Não é casada, mora sozinha, cuida de seus afazeres sem o menor auxílio masculino (algo realmente raro para a época). Até que então uma pequena igreja oferece à população do vilarejo a tarefa de transportar três mulheres loucas para o estado de Iowa. Mary decide fazê-lo, e parte numa longa viagem, desta vez, não sozinha. Surge no caminho a ajuda de um fugitivo chamado George Briggs, que é salvo por Cuddy da forca. Com um pouco de insegurança e coragem, Cuddy e Briggs seguem pela estrada, a bordo com as três damas, esperando por um destino.
O longa é um tradicional road movie. As situações e o conflito que aparecem são contornados e resolvidos à medida em que os personagens se aproximam de seu destino final. Coisas inesperadas surgem para incitar a turbulência e o desespero. Mas tudo é passageiro. É um drama que, de fato, é muito pesado. Mesmo assim, senti a ausência de sangue no filme. O vermelho ficou em off. O azul, o amarelo, o bege, o branco, o laranja, o amarelo... As cores quentes são meros figurantes neste western que tinha tudo para saciar a sede do espectador por fúria, terror, sangue... Mas esses elementos são coadjuvantes, e quase não aparecem. Eles são vetados pela sensibilidade atenuante da história. Não vejam isso como um mal, por favor. Não estou reclamando de Dívida de Honra. Apenas digo que faltou sangue para o filme encerrar com chave de ouro. Sangue. Tá bom, pelo menos um vermelho. O filme é muito "cores frias".
Mas o elenco é dedicado. Suficientemente pra ninguém botar defeito. No meio da jornada alucinante, há uma troca de papéis. Tommy, que era coadjuvante, vira protagonista, e Hillary, que era protagonista, vira coadjuvante. Uma troca triste, infelizmente (parando por aqui para não ocasionar um spoiler). Mas uma troca que é suntuosamente interessante. Uma troca que, surpreendentemente, não teve problemas, e que, se não fosse conduzida com primor e técnica, não teria o mesmo efeito - suponho. Hillary Swank possui uma performance liderada por pontos altos. Uma boa performance que não me era vista desde, sinceramente, Menina de Ouro. Ou melhor, desculpa, Dália Negra. Não gostei dela em P.S. Eu Te Amo. Em Amelia, foi ela que salvou, porque o filme não me contentou. E em Noite de Ano Novo, nem se fala.
No trio das loucas, todas merecem de suas maneiras destaque e reconhecimento. Mas eu gostaria de enfatizar a participação de Miranda Otto (quem eu vi estonteante em Flores Raras, longa nacional que, apesar de não ter sido tão plausível, teve como protagonistas duas flores esmeradas e lindíssimas) e Sonja Ritcher. E, olha, esse é o que eu acredito ser o primeiro e único longa no qual Meryl Streep, membra do elenco, não merece elogios. Não merece no sentido de, não precisa. Sua participação foi muito pequena, e, por isso, sem necessidade. É, de fato, o único longa onde esse "fenômeno" acontece. E eu, que não sabia nadinha do filme, pensando que ela interpretaria uma das loucas. Há também pequenas participações de James Spader, John Lithgow e Hailee Steinfeld.
Quanto à tecnicidade do filme, não tenho palavras para reclamar, e imaginem então para o quê elogiar. Fiquei puramente maravilhado com a perfeição e a graça com a quais o filme, tecnicamente, foi concebido. Começo elogiando a fotografia de Rodrigo Prieto (O Lobo de Wall Street, Argo, O Segredo de Brokeback Mountain). O cara é "fera" no quesito. Literalmente. A tenacidade e a fúria inusual com a qual a direção de fotografia do filme foi performada por ele chega a ser impecável. A trilha sonora de Marco Beltrami (Pânico, Expresso do Amanhã, Guerra ao Terror) é igualmente sensacional, inteiramente desoladora. A edição de Roberto Silvi (Três Enterros, Closer to the Moon) pode confundir em partes, mas é por demais formidável. Os figurinos e a direção de arte são perpetuamente belíssimas.
Só fiquei um pouco descontente em relação à falta de consideração do circuito nacional por com o filme. Poxa, Dívida de Honra é um filmaço. Uma imensa, incalculável falta de consideração ter o deixado tão pouco tempo em exibição. Muito lamentável. Fora isso, sem mais reclamações. Dívida de Honra acumula elogios e transforma-se em um filme inquietamente ótimo e belíssimo, de um caráter cinematográfico perspicaz e poderoso.
Dívida de Honra (The Homesman)
dir. Tommy Lee Jones - ★★★★
Nenhum comentário:
Postar um comentário