sábado, 23 de maio de 2015

Crítica: "ENSAIO SOBRE A CEGUEIRA" (2008) - ★★★★


Atipicamente, Ensaio sobre a Cegueira é um filme que surpreende, apesar de não ser tão grande a ponto de poder ser titulado de "obra", por exemplo, e nem ser tão ruim a fim de ser classificado um "fracasso". Ele é um filme excentricamente mediano, que emociona e desaponta em determinados momentos. Fernando Meirelles usufrui de uma técnica que não me é desconhecida de seus filmes, desde Cidade de Deus e O Jardineiro Fiel. No entanto, ele faz uma restauração dessa técnica a fim de poder adaptar uma obra literária tecnicamente inadaptável de José Saramago, do mesmo título do filme. Quem conhece até mesmo o gênero que o autor português escreve ou já leu o livro sabe que é algo que não dá para adaptar. O conteúdo é simplesmente inadaptável. No entanto, no que se diz respeito à adaptação, o longa acerta o gol, medianamente, também. O roteirista Don McKellar consegue reger o roteiro com tamanha precisão e sensibilidade, mesmo que ainda deixe o romance de Saramago "inadaptável". No entanto, depois de vista a sessão, não me estranha José Saramago ter chorado, de emoção. Por esse motivo, leiam o livro para entenderem todo o processo que constrói a trama de Ensaio sobre a Cegueira.

O filme é muito demorado. Duas horas é demais para contar algo em que em uma hora e vinte, dez minutos já seria de bom tamanho. E essa demora cansa. Esperar demais por um final que, muitas vezes pode ser incompreensível ou insignificante dentre os outros detalhes abordados pela história pode ser muito chato. Aliás, é. Não sei se a demora foi proposta a fim de dar dimensão ou amplitude à gravidade do caso da doença "cegueira branca", mas cansa e atrapalha demais. O elenco é muito supervalorizado. A cegueira dos personagens é explorada de maneira superficial, a ponto de que a performance dos portadores da "cegueira branca" sejam totalmente invisíveis, de um plano bem limitado. Se não fosse por essa vontade de querer exibir a imensidão do problema gerado pelo distúrbio, essa parte poderia ter sido bem melhor analisada, a fim de afastar todas as dúvidas em relação a esse conceito.

Ensaio sobre a Cegueira exagera na fotografia e na edição. Certo que os trabalhos do uruguaio César Charlone e do brasileiro Daniel Rezende são muito bons, mas nem sempre o exagero/excesso é sinônimo de exagero/excesso de aclamação e boa recepção. Há muito para pouco. Posso incluir esse erro de excesso dentro da cansativa longevidade do filme. É outra coisa que dá nos nervos. A fotografia em tons de branco até que se salva em certas partes, por que consegue criar um clima bem     acomodado. Mas o excesso a transforma em paralela, substituível. Charlone, autor da fotografia de Cidade de Deus, comete graves erros ao assinar a direção de fotografia de Ensaio sobre a Cegueira. Mas é algo compreensível. Nem sempre é fácil trabalhar em produções de tamanha necessidade e especialidade, quase inacomodáveis ou inexistentes. Os padrões de filmagens nem sempre podem estar à disposição de filmes assim. Mais peculiar ainda é imaginar que raio aconteceu na bosta da sala de edição? Cento e vinte e um minutos? É muito desaforo! Eu acho que esse deve ser o tempo em que você lê Ensaio sobre a Cegueira. A tradução do tempo do livro para o tempo do filme saiu totalmente errada. Com certeza, não houve inspiração alguma durante a sessão de edição de Ensaio sobre a Cegueira. E mais curioso ainda é pensar: "se o filme tem duas horas, editado, imagine se não fosse?". Essa questão é tão assombrosa que nem vale responder.

No entanto, nem tudo é perdição: vale lembrar que o filme, na tentativa mediamente sucedida de ser fiel à adaptação, fez um bolado bem consequente ao estilo de escrever de Saramago, que, aos conhecidos, é de fato tremendamente peculiar, o que faz com o que o filme seja tremendamente peculiar, apesar de exagerado e demasiado. Ensaio sobre a Cegueira, no entanto, pode ser visto apenas na experiência de ver a grande obra de Saramago adaptada para o cinema de uma forma revigorante e reverenciável, no ponto de vista da adaptação. Fora isso, é bem considerável descartá-lo da lista. Ah... Mais um lembrete, terrivelmente importante: não cometam o imperdoável erro de ver Ensaio sobre a Cegueira em português. Para alguns, ver filmes legendados pode ser um grande sacrifício, mas é preciso. A dublagem é uma desgraça, resumindo de vez.

Ensaio sobre a Cegueira, enfim, emociona, como eu disse. E por que? Não sei ao certo o que mais me cativou. Não sei se foi a intensidade do retrato distópico feito no livro e diretamente mostrado no filme, ou a caracterização, que inclui cenas feitas aqui em São Paulo (as gravações iniciaram-se em 2007), ou até mesmo a força e o impacto da história sobre nós. Não há moral, e sim apenas a possibilidade. Será que chegará um dia onde teremos que suportar tamanho pânico e dor enfrentados pelos personagens miseráveis de Ensaio sobre a Cegueira? Chegaremos a brigar por comida, um dia? Chegaremos a vender nossos corpos a fim de um jantar? É muito assustador, e interessante. Pense nisso. Vale a pena.

Ensaio sobre a Cegueira (Blindness)
dir. Fernando Meirelles - 

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