Num dia fatídico para o cinema, nos deixaram duas figuras de peso do cinema mundial, o grande ícone do cinema francês Jeanne Moreau e o ator/roteirista/diretor/dramaturgo americano Sam Shepard, duas das perdas mais tristes desse ano no meio cinematográfico. Moreau fará muita falta, especialmente a seus admiradores, estive pensando nela ontem mesmo, assistindo a uma entrevista em que ela fora mencionada, e é impossível não ficar no mínimo estonteado com os feitos dessa intérprete maior do cinema. Aliás, assisti Jules e Jim: Uma Mulher para Dois há relativamente pouco tempo, questão de semanas, em que nota-se Moreau no auge de sua beleza e riqueza dramática.
Atuara em aproximadamente 150 filmes, em uma das carreiras mais sólidas que uma atriz já teve na história do cinema, que descende há mais de 60 anos, desde a década de 50, e desde então foram muitos os trabalhos e com uma gama variadíssima de diretores conceituados e de primeira classe, tais como: Manoel de Oliveira, Jean-Luc Godard, François Truffaut, Orson Welles, Jacques Demy, Michelangelo Antonioni, Cacá Diegues (que a dirigiu em Joanna Francesa, que marca a passagem de Jeanne em solo nacional), Louis Malle, Elia Kazan, Rainer Weiner Fassbinder, Jean Renoir, Luis Buñuel entre muitos outros, inclusive (mais recentemente) com o diretor israelense Amos Gitai, que trabalhou com Moreau em alguns de seus últimos títulos do cinema, incluindo este Mais Tarde, Você Vai Entender..., em que ela interpreta uma senhora que testemunhou o horror do nazismo e que parece viver um dilema familiar ao lado de seus filhos.
Trata-se de um dos filmes mais bem-feitos e construídos de Gitai, com um andamento bastante calmo, tranquilo, mas definitivamente interessantíssimo, pode exigir um pouco mais de paciência de um espectador apressado, mas garante uma sessão repleta de pontos altos, e Moreau está em uma boa performance nesse filme (a cena da sinagoga, por exemplo, é capaz de emocionar bastante) embora apareça mais como coadjuvante. Seus filhos, interpretados por Hippolyte Girardot e Emmanuelle Devos, acabam aparecendo mais. Porém, o plano da personagem dela é dos mais curiosos.
O tema da religião está de volta, Gitai mostra, à medida em que se vê seus filmes, que recorrentemente aborda a religião e a política coladinhos, no mesmo plano, referenciando e casando temáticas da maneira mais cinematográfica possível, e isso só tende a fortalecer a mise-en-scene poderosíssima evocada por seus filmes (vá lá, Aproximação e Free Zone são exemplares grandiosos). Amos é um dos diretores mais interessantes em atividade, e a cada filme essa impressão é reforçada, com um cinema cada vez mais delicioso de se acompanhar e de se assistir, com uma construção repleta de delicadeza.
Aliás, é notável que Jeanne Moreau ainda continuasse a atuar firmemente mesmo de idade avançada, tendo trabalhado em muitos filmes antes de seu triste adeus, aos 89 anos. O legado dessa gigante, a lenda do cinema francês, é imbatível por si só, um legado que só uma intérprete do porte de Moreau, e com o seu talento, poderia gerar, e eternizar. Aqui fica o meu tributo a esta atriz que marcou o cinema pra sempre, como um de seus maiores mitos e ícones e que muito dificilmente sucumbirá ao nosso esquecimento. Vá em paz, Jeanne!!!
Mais Tarde, Você Vai Entender... (Plus Tard)
dir. Amos Gitai
★★★★