Uma pequena cidadezinha. O corpo de uma jovem adolescente enrolado em plástico à beira de um rio. Um detetive idiossincrático do FBI. Uma pergunta que não cala: "quem matou Laura Palmer?". Eis que surge aquela que é (justamente) considerada por muitos a maior série de TV dos anos 90 e a mais revolucionária produção da televisão americana: Twin Peaks. A televisão nunca mais foi a mesma depois que David Lynch e Mark Frost criaram esta maravilhosa série, que já em seus primeiros episódios é capaz de fazer o espectador vibrar, se emocionar e ao mesmo tempo questionar e também ser pego de surpresa (ou talvez não, para os admiradores do diretor) pelos elementos surrealistas inseridos na obra por Lynch. É um trabalho muito único tanto dentro da filmografia de David quanto na própria TV em si. Foi Lynch que deu traços de arte à TV americana tão fadigada e regurgitada de reinserir os mesmos padrões e as mesmas técnicas que não davam muita relevação para a sua arte. E o mais genial é que em Twin Peaks vemos o encontro magnífico (a ressaltação, a lembrança de que TV também é um conteúdo artístico) entre estes dois picos: a TV e a arte.
A primeira temporada resume-se a 8 episódios especialíssimos que acompanham os acontecimentos seguintes à morte de uma jovem popular e conhecida por praticamente todos os habitantes de Twin Peaks chamada Laura Palmer, e a chegada de um simpático detetive do FBI encarregado de investigar o seu assassinato e encontrar o autor, Dale Cooper. Vemos estes dois personagens e o desenrolar das situações nesta estranha e aparentemente pacata região, como também acompanhamos os enlaces amorosos de outros personagens da trama e os triângulos que se instalam.
Nem todos os episódios são dirigidos por David Lynch (e alguns nem são escritos por ele também) mas nota-se uma qualidade e um empenho extraordinários por parte do talentoso time de diretores e roteiristas por trás da produção da 1ª temporada além de Lynch e Frost. Interessante como alguns episódios flertam com o horror, e outros que são mais românticos e suaves, mas sempre sob um clima de tensão, e às vezes até cômico.
O primeiro episódio é fascinante, comovente, acompanhar a dor e o sofrimento dos pais e daqueles próximos e conhecidos e Laura Palmer, como amigos e também de outras pessoas que conviviam com ela rotineiramente, é um clima misto de tragédia, tensão e tristeza que toma conta do episódio, deixando o espectador com um ar de melancolia.
Entre os ótimos episódios desta bem-sucedida temporada, que conseguiu atrair uma legião de seguidores e admiradores e até mesmo pôde ser exibida com muito sucesso aqui no Brasil, na década de 90, na TV aberta (primeira vez na Globo, com uma exibição cheia de cortes e, enfim, depreciativa do material original, e posteriormente pela Record), acho que devo ressaltar alguns que me tocaram de maneira muito especial, que são, além do já mencionado episódio-piloto de 90 minutos: Zen, or the Skill to Catch a Killer, dirigido pelo próprio Lynch, e que temos a "aparição" de um dos grandes momentos surrealistas e pivôs desta temporada, Rest in Pain, o episódio em que acompanhamos o velório de Laura Palmer, e The Last Evening, o episódio maravilhoso que encerra esta temporada e abre um caminho para a segunda temporada ainda mais enigmática e repleta de suspense.
Muito interessante poder ser introduzido a uma lista tão rica de personagens e subtramas que dão vida a esta pacata cidadezinha de Twin Peaks chocada pelo assassinato brutal de uma jovem que todos tinham tanto respeito e admiração, mas que, a partir da segunda temporada, passa a ter um retrato ainda mais duvidoso quando estamos cientes de que a jovem não era completamente quem aparentava ser. O filme dela, que viria dois anos após, Fire Walk With Me, é ainda mais assustador nesta questão do retrato do lado obscuro da personagens e de sua personalidade perturbada.
Twin Peaks
1ª Temporada
★★★★★
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