Hoje é meu último dia de férias. Agora é definitivo. Amanhã é dia de voltar à mesma rotina de sempre, os mesmos horários, as mesmas tarefas... Mas não posso reclamar de nada. Até porque, como sempre foi, tenho uma porrada de filmes pra ver. E quando a gente termina de ver essa porrada de filmes, chega mais outra porrada de filmes, lançamentos, clássicos, recomendações, inéditos que a gente vai descobrindo na internet, e por aí vai. O número cresce a cada dia. Bem, vamos lá. Estou aqui para falar de Meu Rei, o mais novo filme da cineasta francesa Maïwenn (diretora de Políssia), que estreou ano passado em Cannes e lá levou o prêmio de Melhor Atriz, entregue a Emmanuelle Bercot, a protagonista do longa, que por sinal está impecável.
Em Meu Rei, Bercot interpreta uma advogada chamada Tony, que se apaixona por Georgio, um charmoso e engraçado que logo se revela um completo cafajeste. O filme se divide em dois planos: o acidente de esqui sofrido por Tony e sua estadia num spa fisioterapêutico, e as lembranças de sua relação tempestuosa cheia de altos e baixos com Georgio. A forma com a qual o filme trata desse relacionamento, explorando-o minuciosamente e expondo as fraquezas e os desafios do casal, focando no ponto de vista da personagem Tony, abalada e sufocada pelos problemas conjugais e pela instabilidade da relação, é potente e interessantíssima.
As performances de Emmanuelle Bercot e Vincent Cassel (ambos estão excelentes, em especial a Bercot) intensificam a consistência do retrato que o filme se dispõe a mostrar do desgaste da relação de seus personagens com o passar do tempo, isso levando em conta que os dois estão primorosos. Não é exagero dizer que são dois dos atores mais competentes e talentosos do cinema francês na atualidade. Aliás, o Vincent Cassel, reconhecido internacionalmente, muita gente já sabe que é um ator fenomenal. A surpresa foi com a Emmanuelle Bercot, atriz pouco conhecida e que também é uma diretora excepcional (ela é quem dirigiu o magistral De Cabeça Erguida, que abriu o Festival de Cannes ano passado). A interpretação dela é, sem sombra de dúvidas, a melhor coisa de Meu Rei. Ela está absolutamente fantástica, uma das melhores atuações dos últimos anos.
Emmanuelle transmite com perfeição ao espectador os anseios e as angústias de Tony, que passa por maus bocados nas mãos de Georgio, seu amor incondicional. Enquanto ela está sendo sufocada, pressionada, destruída emocionalmente e dolorosamente estraçalhada psicologicamente pelo seu relacionamento com o homem, ela também se sente confusa, perdida, descontrolada, porque ainda sente amor por aquele cara imprestável e que só a maltrata amorosamente. São sentimentos profundos, que ela não consegue esconder e que vai aos poucos a consumindo e desolando.
O amor é uma coisa extremamente frágil, difícil de ser compreendida, capaz de nos botar nas situações mais inesperadas, de dor, de loucura, de prazer, de satisfação, de perdição. É algo incontrolável, insuperável. No mesmo nível que nos torna mais alegres e contentes, é capaz de nos derrubar e aniquilar. E o filme de Maïwenn exibe isso com uma perspicácia notável e habilidade. O amor é cego, bipolar, cruel, irresistível, um cafajeste. E fazer o quê quando a gente é surpreendido por esse sentimento tão indescritível e fatal? O amor prega peças, é capaz de fazer muitas coisas com o coração e a cabeça da gente.
Os momentos mais engraçados do filme são protagonizados pelo Vincent Cassel, que é ótimo com humor. Na companhia dele, a personagem da Bercot não para de rir por um minuto. E isso ajuda a gente a compreender o lado da Tony, o amor dela pelo cara, já que a gente se simpatiza com o homem e suas atitudes bobas e carinhosas de amor que tanto atraem a Tony. Ela carrega a relação nas costas, passa por poucas e boas, até que a certo ponto não consegue suportar mais os abusos do marido e decide largar tudo, mas depois se redime e retorna aos braços dele. Ele é o único que a faz feliz. E que também a magoa e entristece.
Em seu quarto longa-metragem como diretora, Maïwenn, também atriz, é caprichosa e talentosa, deixa a sua marca e exibe seu talento. Dirigido por ela, é o primeiro filme que vejo, se bem que ela também é bastante conhecida por Políssia, que também conta com a Bercot, e que ganhou o prestigiado Prêmio do Júri em Cannes em 2011. Eu lembro que vi o DVD desse filme faz uns dois anos no mercado e quase levei, mas bobeei e decidi não comprar. Enfim, Meu Rei é um dos melhores filmes do ano. É bem-feito, esmerado, profundo e maravilhosamente brilhante, um filme certamente bastante difícil de se esquecer. Destaque para o desempenho versátil de Emmanuelle Bercot e a direção firme e original de Maïwenn.
Meu Rei (Mon roi)
dir. Maïwenn - ★★★★