domingo, 30 de outubro de 2016

Crítica: "THE SEARCH" (2014) - ★★★½


Se por um lado o promissor The Search não é como poderíamos esperar de alguém que dirigiu um filme tão bonito como O Artista, pelo menos tem alguns acertos bastante convencionais e mencionáveis dentre alguns defeitos que causaram tanto incômodo à crítica internacional. The Search, aliás, foi recebido com chutes e pontapés no Festival de Cannes, há 2 anos, onde estreou na linha competitiva. O longa segue sem data de estreia nos EUA, apesar de ter estreado por lá nos festivais de Palm Springs e Sonoma ano passado conforme consta no IMDb. A direção de Hazanavicius é um mérito maior em si. Algumas das cenas mais memoráveis de The Search os são por conta da sublime realização de Michel. 

A trama segue caminhos distintos e vaga por subtramas, contando as histórias de pessoas afetadas drasticamente pela guerra na Chechênia após a invasão do país pela Rússia em 1999. Um menino cuja família é brutalmente assassinada foge de sua casa com um bebê. Um soldado recém-chegado que sofre maus tratos por parte dos militares. Uma mulher desesperada à procura dos irmãos. Uma voluntária francesa que "adota" um garoto checheno aparentemente mudo. Histórias e personagens da guerra que se entrelaçam num filme que extrapola os limites do gênero (no bom sentido), sem deixar de se apegar à clichês "renovados" e inocentes que conferem ao longa um toque de frescor e emoção. 

A edição e a fotografia são excepcionalmente fabulosas. Se fosse para favoritar uma cena, favoritaria aquela cena dos soldados debaixo do helicóptero. Sei que não é provavelmente a melhor sequência, mas é a minha predileta, justamente por causa da montagem dela. A narrativa, embora trôpega e por vezes vaga demais, tem seus poucos pontos positivos ainda que opte por um padrão mais tradicional, convencional de se contar histórias e que talvez decepcione a quem procura complexidade e, digamos, sofisticação. Mas não dá pra dizer que é um filme ruim. Os trauma da guerra são explorados acidamente com uma distância perplexa, mas que se faz precisa. Hazanavicius mais e mais nos conquista com um cinema que enamora e enaltece o cinema em si e a arte de contar histórias, seja na intenção de nos emocionar, chocar ou provocar reflexão. 

The Search
dir. Michel Hazanavicius - ★★★½ 

quarta-feira, 26 de outubro de 2016

Crítica: "JOVENS, LOUCOS E REBELDES" (1993) - ★★★★★


Essa semana me pegou de surpresa. As responsabilidades vão despontando e se apropriando cada vez mais de um significativo espaço da minha vida e tomando o lugar dos pequenos prazeres que cultivo. Mas há uma razão, afinal, para isso estar acontecendo. A semana está sendo extremamente exigente em diversos quesitos e a vida vem pregando peças e sustos em mim com uma frequência assustadoramente intrigante. Paranoia? Medo? Insegurança?  O bom (provavelmente) é que o ano está acabando. 2017 promete muitas coisas novas. Entretanto, foco no presente. Ainda tem um longo caminho a ser percorrido. E escrever no blog torna-se mais e mais uma missão rara e complicada com o surgimento das responsabilidades que vão se apoderando de nossas forças, tanto físicas quanto mentais. Bem, vamos falar de algo que é motivo de alegria: Jovens, Loucos e Rebeldes, um filme recentemente visto que me encantou bastante por uma série de coisas. 

É um dos primeiros filmes do gênio Richard Linklater, que dois anos após viria a dirigir Antes do Amanhecer, um de seus melhores e mais inesquecíveis longas, oriundo de uma fase mais descontraída de sua filmografia, ainda que tão potente e eloquente como qualquer outra. Já eram visíveis, lá atrás, traços marcantes que viriam a definir o estilo e o ritmo fílmico de Linklater. Popular e aclamado, Jovens, Loucos e Rebeldes marcou época. Não é o melhor filme do Richard (este posto, por sua vez, é ocupado por Antes do Pôr-do-Sol, e não me canso de repetir que é um dos meus favoritos de sempre), mas é um baita de um destaque, principalmente como um percursor do cinema independente norte-americano. Aliás, o próprio Linklater já é um veterano do cinema vanguardista e independente dos Estados Unidos. 

O longa é basicamente sobre jovens, loucos e rebeldes. Ou melhor, a sociedade dos jovens, loucos e rebeldes. Em si, é um filme de pura descontração. O público se diverte, se identifica e se maravilha com as presepadas doidas do grupo de personagens que toma a conta da trama com alma subversiva e coração rebelde deste que é um trabalho excepcional.

As referências, o contexto crítico ao padrão de vida americano e às irregularidades do sistema escolar levemente tonalizam uma certa seriedade a uma história tão despretensiosa, natural e repleta de honestidade. Não dá pra negar que o filme é um estouro de tão bom. Além de tudo isso, é revolucionário, é importante, é tudo de bom. O elenco é formado por hoje astros renomados de Hollywood que na época ainda eram pivetes, como Milla Jovovich, Parker Posey, Adam Goldberg e Shawn Andrews, sem falar nas participações de Matthew McConaughey (all right, all right, all right) e Ben Affleck, ainda um completo desconhecido àquela altura. Até Renée Zellweger esteve no filme, como figurante (vejam só!). Quentin Tarantino revelou que este é um de seus filmes prediletos à Sight & Sound. 

Brilhante. Imensamente brilhante. Richard Linklater conseguiu fazer um filme agradável de se ver, inspirador e universal. Os velhos tempos de escola que ninguém esquece. As aventuras do colegial, os amores da juventude, as festas malucas. Um retrato mais que convincente, impactante, emocionante das agitações da idade e a representação quase onírica de uma época decorada pela liberdade de expressão e pela redescoberta moral. Excelentemente bem-feito! Quanto à "sequência espiritual" Jovens, Loucos e Mais Rebeldes!!, estou doido pra conferir. 

Jovens, Loucos e Rebeldes (Dazed and Confused)
dir. Richard Linklater - 

domingo, 23 de outubro de 2016

Os Destaques da Semana | 16 a 22


Vou comentar aqui alguns filmes que vi esse semana. Não deu pra ver muita coisa. Minha lista na Netflix continua abarrotada de filmes, várias recomendações, mais outros vários filmes que baixei, e por aí vai. É tanto filme que não acaba mais. Em novembro vou tentar dar uma apressada e ver alguns mais atuais também. O pessoal fala de tantos lançamentos, e tanta coisa já saiu, mas o tonto do Lucas ainda não viu quase nada. 


"Tá legal. Uma Aventura Lego não deve ser grande coisa.". Eu nunca pensei que diria isso, mas estava enganado. E fico entristecido por ainda existir preconceito em mim em relação a filmes de animação. Mas, depois de Uma Aventura Lego, a gente se sente até motivado a procurar mais trabalhos tão dedicados e primorosos como esse. 

Pode não parecer, mas Uma Aventura Lego fala muito sobre quem nós somos, o mundo em que vivemos, a manipulação da sociedade, o aprisionamento do sistema, a verdade sobre o que está acontecendo com nós e como estamos nos tornando vítimas das mentiras de quem está por trás de tudo tentando controlar nossos pensamentos, atitudes e vontades. 

A conclusão, tida por muitos como decepcionante, é excepcional. O filme se encaixa em muitos níveis, e se aprofunda em diversas camadas. Inesperadamente, é um filme imensamente satisfatório e pra lá de bom. Um estímulo bastante convincente para que a criançada e os jovens descubram e se interessem mais a desvendar a realidade sobre o nosso mundo. Uma crítica social feroz, Uma Aventura Lego é magnífico.

Uma Aventura Lego (The LEGO Movie)
dir. Phil Lord, Christopher Miller - 


Faz um bom tempo, peguei Johnny & June passando na TV. Peguei uma cena bastante interessante, que acabou me hipnotizando naquele exato instante. Johnny & June é o que poderia se esperar de uma cinebiografia regular. O grande quê do filme é a atuação extraordinária de Joaquin Phoenix, uma das melhores do ator que sempre aparece com uma ótima interpretação atrás da outra. No filme, ele interpreta o renomado cantor Johnny Cash, um dos mais famosos e aplaudidos astros da música americana do século passado, e seu relacionamento tempestuoso com June Carter, interpretada por Reese Witherspoon numa performance básica, doce e amarga, natural, mas sem atrativos. Comparada às outras candidatas naquele ano, Reese não merecia o Oscar de Melhor Atriz, mesmo que seja uma intérprete tão talentosa. Não me levem a mal, a atuação dela não é ruim em nada, mas é simplesmente superestimada. Por outro lado, deveriam ter premiado o Phoenix, que está excelente. 

O filme é tecnicamente bombástico, mas seu roteiro é fraco, não consegue se sustentar por muito tempo. As intrigas de Cash retratadas aqui chegam a tal ponto que fica sem graça acompanhar a jornada do cantor e o espectador perde a fé na relação entre ele e June. Faltou tom, e um ritmo mais acentuado, que acompanhasse melhor a história. Johnny & June é longo demais, e pouco inventivo. Segue um padrão de cinebiografias cansativo e atrasado, embora preze por chamar a nossa atenção loucamente com uma premissa atrevida, mas que no final é praticamente transparente.

Johnny & June (Walk the Line)
dir. James Mangold - 


O filme que inicialmente deu fama e reconhecimento à hoje internacionalmente conhecida e aclamada Jennifer Lawrence. A performance corajosa, imbatível e poderosamente furiosa da atriz, na época bastante jovem e matura o suficiente para incorporar uma personagem tão multifacetada e exigente. O desempenho arrebatador da jovem Lawrence é o que sustenta esse filme com traços dramáticos tão relevados e marcantes. 

Uma jovem à procura do pai desaparecido num lugar aparentemente no meio do nada devastado pelo frio. Resistindo fervorosamente ao alvoroço da população local e aos ataques dilacerantes dos contrários, Ree (Jennifer) cuida sozinha dos irmãos e da mãe que está debilitada, não se cansa de procurar e procurar pelo pai, um sujeito envolvido com o tráfico. Essa busca quase frenética a leva a um destino muito perigoso e atormentador.

Segundo as minhas expectativas, seria um filme mais agudo, chocante, afiado. E não que não seja. Inverno da Alma trabalha bem sua proposta e seus objetivos estão bastante claros. Não é um filme defeituoso. Talvez, se a gente for pensar mais em relação a ele, a conclusão talvez soe descompromissada, mas é algo ligeiramente subjetivo.

Muita gente fala dos trabalhos de Lawrence, mas visando apenas a franquia Jogos Vorazes e filmes recentes da era pós-Oscar da atriz, e se esquece desse trabalho tão importante da carreira dela, que conta com uma de suas interpretações mais plausíveis e memoráveis, quão essencial e primorosa. Me lembrou bastante do excelente Rio Congelado.

Inverno da Alma (Winter's Bone)
dir. Debra Granik - 

sábado, 22 de outubro de 2016

Crítica: "UM DIA PERFEITO" (2015) - ★★★


Muito mais do que eu jamais poderia imaginar sobre um filme com uma temática tão envolvente e abrangente. Aranoa renova a fórmula de um gênero clicherizado por natureza com pura genialidade, e de uma forma tão honesta que torna maravilhosa a experiência de vê-lo. No filme, Um Dia Perfeito, um grupo de missionários na Iugoslávia na década de 90, quando o país atravessava duros conflitos políticos, tenta retirar um cadáver jogado em um poço que contaminou a água de um vilarejo, mas logo se veem confrontados por outros problemas, como a falta de recursos e a ilegalidade da retirada do corpo. 

Um Dia Perfeito extrai humor e simpatia de uma história cujo tema quase que automaticamente sempre tende a atrair uma atmosfera de seriedade, sem desrespeitar os propósitos da temática abordada e seu caráter anti-cômico, digamos. O elenco é em sua maioria formado por celebridades internacionais que fizeram sucesso em Hollywood recentemente, como o porto-riquenho (ele não é mexicano, pessoal) Benicio de Toro, a francesa Mélanie Thierry (talvez a menos conhecida, ainda que tenha estrelado alguns filmes recentes notórios, como O Teorema Zero) e a ucraniana Olga Kurylenko. A única personalidade americana do filme é Tim Robbins, em uma atuação escancarada e descontraída. 

Aliás, descontração é uma boa definição do estado do elenco de Um Dia Perfeito. Todos os personagens convivem entre si levando na "esportiva" tudo o que acontece ao redor deles, apenas com a exceção da personagem novata de Thierry, desacostumada àquele universo e as táticas de trabalho, o que frequentemente a causa espanto e incômodo, enquanto é visto de forma diferente pelos colegas já experientes, que vez ou outra brincam sarcasticamente com as reações dela em torno das situações que encaram.

O que é justamente o grande acerto do filme às vezes acaba se tornando um complicado defeito. Esse astral anti-diplomático que pinta em Um Dia Perfeito em certas cenas faz da resolução algo bastante confuso, incerto. A neutralidade que essas sequências passam ajudam a evidenciar uma certa falta de segurança em relação à conclusão da trama, enquanto devem ser tidas, ao mesmo tempo, como uma grata surpresa num filme que rompe as expectativas e traz algo realmente novo e interessante de se ver, ainda que cause confusão em determinados momentos. Então, pode-se dizer que o grande mérito de Um Dia Perfeito é que o filme não se leva a sério. E, acreditem, isso é fantástico. 

Um Dia Perfeito (A Perfect Day)
dir. Fernando León de Aranoa - 

Crítica: "O VENCEDOR" (2010) - ★★★★★


Faz tanto tempo que eu vi O Vencedor (para ser mais específico em fevereiro) que nem posso confiar a essa resenha um certo caráter analítico ou dissecativo. Seria preciso revê-lo. Na época, eu tinha gostado bastante. E a sensação de que eu tinha visto um grande filme, concretizada após o fim da sessão, continua nítida e fresca na minha memória. O melhor filme de David O. Russell até agora. David, que sempre foi considerado um cineasta muito instável, tem como seu melhor filme uma obra cinematográfica dilacerante e remotamente maravilhosa, repleta de sequências preciosíssimas e com um roteiro excepcionalmente bem-escrito. 

Para se ter uma noção, o pessoal é tão duro com o David O. Russell, dizendo o quão superestimado e egocêntrico o diretor é, que parece que eles sentem prazer com esse julgamento pífio e completamente controverso, de tão frequente e comunal que é testemunhar acusações, a maioria destas injustas e incabíveis, em cima de um cara que faz filmes bons, alguns razoáveis e com certos desapontamentos, mas digeríveis, e que se esforça ao máximo para trazer um filme que cause impacto no público. Sempre retorna com algo novo e diferente em sua filmografia repleta de pérolas, como O Vencedor, seu trabalho máximo.

Até de seu menor filme, Joy: O Nome do Sucesso (que tem alguns pontos negativos) eu gosto. E olha que inicialmente eu tinha odiado o filme, mas com o tempo comecei a olhar para ele com outros olhos, e adquiri uma inusitada admiração por ele. A comédia romântica O Lado Bom da Vida foi uma experiência emocionalmente romântica (há quem não goste, mas eu simplesmente não consigo entender como alguém não pode gostar de um filme tão bom assim) numa época da minha vida em que meus sentimentos estavam mais aflorados e que qualquer filme romântico que eu via era um espetáculo de emoções e graças. Trapaça também me pegou de surpresa. A primeira vez que vi foi delicioso.

O legal de David O. Russell é que o cineasta raramente se repete. Seus filmes compartilham certas semelhanças entre si, que vão de algumas mais perceptíveis (como o visual) até outras menos visíveis, como as obsessões narrativas do diretor. Se Joy tem um roteiro extensivamente supérfluo, O Vencedor é o perfeito oposto. Consegue-se explorar as angústias, os dramas e as agonias de cada um dos personagens da multifacetada trama de O Vencedor, que gira em torno de um lutador (Mark Wahlberg) cujo irmão, consumido pelo vício (Christian Bale) outrora fora um lutador profissional, mas que perdeu a credibilidade com o tempo conforme se afundou nas drogas. 

O filme traça uma linha honesta na luta do personagem de Wahlberg contra os abusos e as manias de sua família, comandada pela matriarca instável interpretada excelentemente por Melissa Leo, na performance de sua carreira que a rendeu o merecido Oscar de Melhor Atriz Coadjuvante em 2011. Enquanto ele tenta seguir sua vida, seus planos com a nova namorada, uma bartender (Amy Adams) mas sempre com a família no seu pé, criticando seus atos, e constantemente tentando impôr a razão. 

Ao mesmo tempo em que se acompanha o estado de divisão e dúvida do personagem de Wahlberg, que sente como se estivesse preso à família, porém mais e mais ganha espaço a necessidade dele de contornar os conflitos familiares para vencer na vida, ser alguém. Essa necessidade é justamente o produto desse peso cruel que se lança sobre o personagem, já que afeta diretamente à sua família, sempre prezando por seu melhor, mas que acaba se tornando um grande problema para ele.

O elenco, aliás, está fenomenal. Graças a ele, o filme se torna um espetáculo de atuações extraordinárias de gente talentosíssima em ótima forma. Destaque para a já mencionada Melissa Leo, Christian Bale, que venceu o Oscar de Melhor Ator Coadjuvante em 2011, Mark Wahlberg e Amy Adams (também indicada ao Oscar de Atriz Coadjuvante em 2011, ao lado de Leo, que venceu). 

A estética documental  reforça o espírito de realidade que paira sobre o filme, além de realçar as atuações e uma especial atenção às minúcias do roteiro genial. A montagem e a fotografia são outros dois méritos indispensáveis. Por esses e outros motivos, O Vencedor é um filme precisamente necessário. David O. Russell nunca caprichou tanto em um filme sobre as relações familiares e a família americana dos tempos atuais. Mais que importante e bem-feito, a obra-prima de um cineasta que cada vez mais prova ser um dos maiores de sua geração.

O Vencedor (The Fighter)
dir. David O. Russell - 

sábado, 15 de outubro de 2016

Crítica: "TRÊS MACACOS" (2008) - ★★★


Depois que Nuri Bilge Ceylan ganhou a prestigiada Palma de Ouro pelo excepcional Winter Sleep, seus filmes anteriores começaram a ser revisitados, repensados pelos cinéfilos e especialistas. O cineasta turco, que dirigiu até hoje 7 longas, é dono de um estilo bastante próprio, marcado pela distinção e pela lenta dissecação dos personagens e dos detalhes. Trata-se de um dos diretores mais importantes da atualidade, cuja rica filmografia merece destaque e atenção.

Levando em conta que fiquei extremamente fascinado por Winter Sleep, filme seu que chega a ostentar um status de obra-prima, confesso que Três Macacos foi um pouco decepcionante. Aliás, muita gente detestou esse filme dele, que não é assim ruim como dizem, mas que peca na estrutura irregular e no roteiro fraquíssimo.

O filme ganhou o prêmio de Melhor Diretor no Festival de Cannes em 2008, e esse bem provavelmente foi o que me atraiu em relação a esse filme, o que me fez revogar as opiniões desfavoráves quanto a ele que, depois que o filme foi conferido, passaram a fazer um baita sentido. De todo modo, nem mesmo o tal prêmio tem justificativa. São poucas, esquecíveis as “grandes” cenas de Três Macacos.

Eu não diria que é um filme fácil de entender, mas o problema é que não dá pra explicar direito o que o mesmo quer passar, o que ele significa. Provavelmente, os subtextos estarão mais claros e óbvios para quem tiver proximidade com a filmografia de Bilge Ceylan e seu padrão cinematográfico. A “olho nu”, é um filme visualmente perspicaz e bem arquitetado, entretanto é raso, apático, forçado.

Quem sabe caso eu reveja ele no futuro ele não soe melhor ou mais prudente? É uma possibilidade. Certas vezes um filme precisa ser revisto para melhor digestão da história, do contexto, do material dramático, das interpretações. Quem sabe eu não me surpreenda com uma cena que não me passou nada dessa vez, ou com algum detalhe que passou despercebido?

Além de dirigir e roteirizar o filme, Nuri também o produziu e editou (não sabia que ele editava seus próprios filmes – todos os seus filmes, à exceção de A Pequena Cidade, sua estréia, foram editados por ele – e que também era diretor de fotografia e diretor de arte!).

O filme conta sobre um político que paga seu chofer para ir para a prisão no lugar dele. Enquanto ele está preso, sua esposa tem um caso com o político. Seu filho está o tempo todo emburrado (sério, esse personagem me enervou de tão parado e entediado). Quando o homem retorna à casa, as coisas fogem do controle e a família enfrenta uma crise moral que provoca seus instintos e afeta cruelmente seus destinos.

Bom, vou aproveitar que estou “in the mood for Nuri Bilge Ceylan” e vou baixar mais um filme dele: Climas. Enfim, ainda que 3 Macacos não seja lá um grande filme, ou o melhor de Ceylan, é um exemplar seguro de que o cinema turco está fortalecido e, aos poucos, ganha o devido reconhecimento internacional. 

Três Macacos (Üç Maymun)
dir. Nuri Bilge Ceylan - 

quarta-feira, 12 de outubro de 2016

Crítica: "MEETIN' WA" (1986) - ★★★★


Godard tem uma filmografia tão extensa (isso contando com longas, curtas, filmes que não foram lançados nos cinemas...) que é preciso ir vendo aos poucos seus trabalhos para ir se aprofundando e reconhecendo o estilo e a marca desse mestre genial. 

Meetin' WA (Meeting Woody Allen ou Encontrando Woody Allen, tradução para o português) é fascinante. Godard foi visitar seu amigo Woody Allen pessoalmente em Nova York a convite do diretor, e aproveitou para gravar esse curta que consiste numa entrevista de Godard a Woody. Como poderia se prever, o resultado é excepcional. Dois mestres em tela, conversando e discutindo sobre cinema e afins é uma coisa maravilhosíssima de se ver.

Interessante notar como o Woody Allen é modesto. No começo da entrevista, ele diz que é grato à imprensa, porque a mesma tem sido muito generosa com ele, mais do que deveria. Mais à frente, ele ainda comenta que gosta de seus filmes quando surge a ideia de fazê-los, quando está no papel, mas assim que ele começa a rodar, perde-se a graça e a qualidade do material para ele. Woody sempre foi um pessimista, mas a modéstia, quase irreal, é algo totalmente novo pra mim. Seria a consequência do negativismo de Woody?

Outra coisa bastante curiosa é que Woody classifica seus filmes como se fossem derivações de romance. Quando ele comenta sobre Hannah e Suas Irmãs, ele diz que o filme foi escrito na estrutura de um romance. E, se a gente for analisar de perto, os trabalhos de Woody tem uma raiz mais literária do que cinematográfica mesmo, como ele mesmo chega a descrever.

Em outro momento, Woody confessa que acha que é um crime os jovens terem acesso ao cinema através da televisão, e cita grandes trabalhos como 2001: Uma Odisseia no Espaço, O Diabo a Quatro e Cidadão Kane, que deveriam ser vistos obrigatoriamente nos cinemas. Ele também revela, em outra sequência inspirada da entrevista, seu fascínio em ir ao cinema, que antigamente costumava ser um lugar bastante luxuoso, e que se sentia triste quando o filme acaba, e ele era obrigado a voltar à realidade.

Entre um trecho e outro dessa entrevista preciosa, Godard faz o uso de intertitles com um jazz gostoso ao fundo. Woody discute sobre a televisão, sua paixão pelo cinema, memórias de infância, e seu filme Hannah e Suas Irmãs, na época (1986) seu lançamento mais recente. No ano seguinte, Woody teve uma pequena participação em um filme de Godard, o brilhante Rei Lear

Tive de me contentar em ver o filme sem legendas no Vimeo, mas até que deu pra entender algumas coisas. Só foi complicado quando Godard questionava Woody em francês (que sempre reagia com uma cara de "ué") mas depois uma tradutora repetia a mesma frase em inglês. O filme também está disponível na plataforma Dailymotion.

Uma pena que uma entrevista tão deliciosa assim dure tão pouco.

Meetin' WA
dir. Jean-Luc Godard - 

segunda-feira, 10 de outubro de 2016

Crítica: "ELLE" (2016) - ★★★★★


(alerta de spoiler)

Demorou, mas Paul Verhoeven finalmente voltou, dez anos após o espetacular A Espiã, com um filme ainda mais extraordinário que pode ser considerado a sua obra-prima máxima. Elle é um filme simplesmente genial, em todos os sentidos. A atuação estrondosa de Isabelle Huppert (uma das melhores, aliás, da carreira da lendária diva do cinema francês) aliada à direção meteórica de Verhoeven fazem de Elle um filme poderoso, essencialmente chocante e importante.

Elle começa com uma sequência um tanto desconfortável e gritante. Assim que os créditos iniciais terminam (acompanhados de uma melodia tão melancólica que chega a ser fúnebre), é possível ouvir uma série de gritos e gemidos pavorosos e estremecedores. Assim que essa inesperada e extenuante sinfonia de berros se finda, a figura de Isabelle Huppert, que no filme interpreta a personagem Michele Lèblanc, aparece estirada no chão, paralisada, acabou de ser estuprada por um sujeito de preto cujo rosto é velado, que abandona o local rapidamente após seu ato infame.

As cenas a seguir demarcam uma atitude conformista e meramente tolerável de Michele, que simplesmente reage de forma indiferente ao brutal estupro que acabara de sofrer. Naquela mesma cena da banheira, na qual ela encobre um rastro de sangue na espuma, fica bem clara essa posição da personagem, que provoca intriga e mistério em quem assiste.

Elle manipula o espectador até o último segundo. Estamos o tempo todo diante de uma situação repreensível que toma um rumo completamente alternativo do que provavelmente seria esperado para algo dessa magnitude. Elle se dedica a investigar de maneira audaciosa e detalhista a personalidade de uma personagem marcada pela crueldade.

O filme entrega um retrato digno, honesto, veemente dessa personagem apontando suas características mais sórdidas e insensatas, mas ao mesmo tempo a humaniza, fazendo com que o espectador se simpatize e sinta apreço por ela, compreenda a sua angústia, a culpa e a frieza. O riquíssimo estudo em torno de Michele Lèblanc é minucioso e sagaz, nada óbvio, que vem para abalar as nossas certezas.

São expostas a força e a fragilidade da mulher, e o efeito paranoico do recente evento “traumático” (ironicamente apontado pela própria personagem durante uma cena em que masturba o marido da melhor amiga) que sofreu. Aliás, a transparência, a indiferença diante de um ato tão repugnante e condenável diz muito sobre o lado sociopata e dominador dessa personagem que esbanja poder, charme e frieza.

Porém, o que realmente estremece a anti-heroína, ainda que não fique tão claro, é a associação tenebrosa entre o estupro e seu passado envolvendo uma tragédia cometida pelo seu pai, um terrível psicopata, acontecimento que é relembrado com amargura em vários momentos durante a trama. Uma mulher, inclusive, chega a reconhecer Michele em um restaurante e a humilha levando em consideração esse ponto (o país inteiro conhece Michele Lèblanc como "a filha do maníaco"). 

O fato da personagem ser a sócia de uma empresa que produz videogames faz alusão à violência que cerca seu mundo, seu caráter forte e autoritário (levando em conta que ela é uma mulher que comanda uma empresa cuja fabrica produtos predominantemente masculinos e que possui um grande número de funcionários homens), e a neutralidade da personagem justamente em relação à essa violência tão próxima dela e que acaba sendo retratado como o fator-chave de sua sociopatia.

A impiedade também se revela constantemente presente no terreno das relações familiares. Na maioria das cenas em que a mãe está ao seu lado, Michele a trata com arrogância e sarcasmo, e chega a debochar dela durante uma festa de Natal quando a mesma revela que vai se casar com um cara que não tem a metade da idade dela (amante da senhora), algo que a filha rejeita severa e escancaradamente. Essa cena do jantar, inclusive, é uma das pouquíssimas cenas engraçadas do filme. Quando ela morre, Michele não acredita e pede para que os médicos vejam se ela não está se fingindo.  

Assim que o espectador finalmente desvenda o mistério de quem é o estuprador, algo que iminentemente provoca surpresa e ao mesmo tempo excitação não só no público mas também em Michele. O desfecho abraça uma reviravolta eletrizante e arrasadora, quão astuta.

Inevitavelmente, Michele se torna naquele mesmo monstro que sempre amaldiçoou em seu pai, pelos traumas do passado, pelas feridas psicológicas, pela humilhação e pela culpa. A personagem chega a um ponto tão desesperador e agoniante que se torna a vítima de sua própria sociopatia, assim como todos ao seu redor. Não à toa, há uma impressão constante ao longo do filme de que Michele é quem atrai as tragédias que vão se concretizando após o estupro em seu círculo social.

O estuprador vira a presa de Michele. Um jogo de gato e rato, manipulação com consequências trágicas cruéis e explosivas. Se por um lado temos uma sociopata abalada psicologicamente e pressionada pelo passado instigante, do outro a representação da mulher moderna, que cada vez mais vem ganhando espaço, força, poder e igualdade na sociedade atual, mas que ainda tem de enfrentar um inimigo maior: a violência.

O foco do filme também se aproxima de um contexto potencialmente crítico e mais crível, de que a mulher dos tempos modernos (no filme, Michele) reage à violência de forma indiferente, devido à falta de segurança, proteção e atitude por parte das autoridades, e do universo gráfico agressivo e machista dos videogames que tanto influenciam os jovens dos dias de hoje a desrespeitar a figura feminina e a corromper a sua liberdade sexual.

Seja como metáfora, ou crítica, ou ainda sim como um estudo de personagem excepcionalmente bem-feito, Elle é um filme que merece ser ressaltado. Isabelle Huppert está em uma de suas melhores performances. A lenda máxima do cinema francês apresenta-se em plena forma aos 63 anos, esbanjando coragem, dedicação e força ao se entregar plenamente a uma personagem complicada de se atuar e repleta de detalhes, que acaba por ser um dos maiores desempenhos dessa estrela talentosíssima e que nunca se cansa de brilhar e se renovar a cada atuação, sempre magistral e elegantíssima.

A indicação ao Oscar já vem tarde. Vai ser uma baita mancada se não indicarem a maior e mais talentosa atriz do cinema francês (e possivelmente mundial) ao então dito reconhecimento máximo do cinema, ainda mais quando ela está numa performance tão celebrável e inesquecível como essa. Que ela merece isso nós sabemos há muito, muito tempo. E a querida Huppert nunca esteve tão próxima da estatueta antes. É a grande chance dela.

A fotografia de Stéphane Fontaine, que consegue tonalizar com perfeição a atmosfera obscura de suspense e tensão, é um mérito a ser frisado. A extasiante e palpitante trilha sonora de Anne Dudley cai como uma luva. Elle é adaptado do livro Oh..., de Phillipe Djian. O roteirista do filme é David Birke.

Enfim, Elle é tudo isso e mais. Um filme brilhante, uma obra-prima difícil de esquecer, um retrato perturbador de uma mulher afetada pela violência, pelo trauma e pelo horror. Uma crítica feroz à ciranda de relações familiares e às convenções da sociedade moderna. Tudo isso em 2 horas. Só uma dupla como Paul Verhoeven e Isabelle Huppert para conseguir um feito tão extraordinário como esse. O resultado é um filmão primoroso, que conquista tanto pelo aspecto inconvencional, desafiador e provocador de sua proposta vibrante quanto pelo caráter metafórico, crítico e psicológico de sua trama inteligentíssima. O melhor thriller do ano! 

Elle
dir. Paul Verhoeven - 

Crítica: "ELLE" (2016) - ★★★★★


(alerta de spoiler)

Demorou, mas Paul Verhoeven finalmente voltou, dez anos após o espetacular A Espiã, com um filme ainda mais extraordinário que pode ser considerado a sua obra-prima máxima. Elle é um filme simplesmente genial, em todos os sentidos. A atuação estrondosa de Isabelle Huppert (uma das melhores, aliás, da carreira da lendária diva do cinema francês) aliada à direção meteórica de Verhoeven fazem de Elle um filme poderoso, essencialmente impactante e importante, quão perverso e intimista.

Elle começa com uma sequência um tanto desconfortável e gritante. Assim que os créditos iniciais terminam (acompanhados de uma melodia tão melancólica que chega a ser fúnebre), é possível ouvir uma série de gritos e gemidos pavorosos e estremecedores. Assim que essa inesperada e extenuante sinfonia de berros se finda, a figura de Isabelle Huppert, que no filme interpreta a personagem Michele Lèblanc, aparece estirada no chão, paralisada, acabou de ser estuprada por um sujeito de preto cujo rosto é velado, que abandona o local rapidamente após seu ato infame.

As cenas a seguir demarcam uma atitude conformista e meramente tolerável de Michele, que simplesmente reage de forma indiferente ao brutal estupro que acabara de sofrer. Naquela mesma cena da banheira, na qual ela encobre um rastro de sangue na espuma, fica bem clara essa posição da personagem, que provoca intriga e mistério em quem assiste.

Elle manipula o espectador até o último segundo. Estamos o tempo todo diante de uma situação repreensível que toma um rumo completamente alternativo do que provavelmente seria esperado para algo dessa magnitude. Elle se dedica a investigar de maneira audaciosa e detalhista a personalidade de uma personagem marcada pela crueldade, ambígua, cheia de mistérios e segredos, um enigma a se decifrar. 

O filme entrega um retrato digno, honesto, veemente dessa personagem apontando suas características mais sórdidas e insensatas, mas ao mesmo tempo a humaniza, fazendo com que o espectador se simpatize e sinta apreço por ela, compreenda a sua angústia, a culpa e a frieza. O riquíssimo estudo em torno de Michele Lèblanc é minucioso e sagaz, nada óbvio, que vem para abalar as nossas certezas.

São expostas a força e a fragilidade da mulher, e o efeito paranoico do recente evento “traumático” (ironicamente apontado pela própria personagem durante uma cena em que masturba o marido da melhor amiga) que sofreu. Aliás, a transparência, a indiferença diante de um ato tão repugnante e condenável diz muito sobre o lado sociopata e dominador dessa personagem que esbanja poder, charme e frieza.

Porém, o que realmente estremece a anti-heroína, ainda que não fique tão claro, é a associação tenebrosa entre o estupro e seu passado envolvendo uma tragédia cometida pelo seu pai, um terrível psicopata, acontecimento que é relembrado com amargura em vários momentos durante a trama. Uma mulher, inclusive, chega a reconhecer Michele em um restaurante e a humilha levando em consideração esse ponto (o país inteiro conhece Michele Lèblanc como "a filha do maníaco"). 

O fato da personagem ser a sócia de uma empresa que produz videogames faz uma alusão à violência que cerca seu mundo, sua força e autoridade (ela, que é a patroa de uma empresa com um grande número de funcionários homens e que produz produtos direcionados ao público masculino) e a neutralidade da personagem justamente em relação à essa violência tão próxima dela e que acaba sendo retratado como o fator-chave de sua sociopatia, mas que, de certa maneira, não parece afetá-la diretamente. 

A impiedade também se revela constantemente presente no terreno das relações familiares. Na maioria das cenas em que a mãe está ao seu lado, Michele a trata com arrogância e sarcasmo, e chega a debochar dela durante uma festa de Natal quando a mesma revela que vai se casar com um cara que não tem a metade da idade dela (amante da senhora), algo que a filha rejeita severa e escancaradamente. Essa cena do jantar, inclusive, é uma das pouquíssimas cenas engraçadas do filme. Quando ela morre, Michele não acredita e pede para que os médicos vejam se ela não está se fingindo.  

Assim que o espectador finalmente desvenda o mistério de quem é o estuprador (uma sacada genial), algo que iminentemente provoca surpresa e ao mesmo tempo excitação não só no público mas também em Michele. O desfecho abraça uma reviravolta eletrizante e arrasadora, quão astuta.

Inevitavelmente, Michele se torna naquele mesmo monstro que sempre amaldiçoou em seu pai, pelos traumas do passado, pelas feridas psicológicas, pela humilhação e pela culpa. A personagem chega a um ponto tão desesperador e agoniante que se torna a vítima de sua própria sociopatia, assim como todos ao seu redor. Não à toa, há uma impressão constante ao longo do filme de que Michele é quem atrai as tragédias que vão se concretizando após o estupro em seu círculo social.

O estuprador vira a presa de Michele (metáfora feminista?). Um jogo de gato e rato, manipulação com consequências trágicas cruéis e explosivas. Se por um lado temos uma sociopata abalada psicologicamente e pressionada pelo passado instigante, do outro a representação da mulher moderna, que cada vez mais vem ganhando espaço, força, poder e igualdade na sociedade atual, mas que ainda tem de enfrentar um inimigo maior: a violência.

O foco do filme também se aproxima de um contexto potencialmente crítico e mais crível, de que a mulher dos tempos modernos (no filme, Michele) reage à violência de forma indiferente, devido à falta de segurança, proteção e atitude por parte das autoridades (dando a entender que toda essa violência se tornou uma coisa tão comum e frequente que as mulheres começaram a ignorar o peso desse trauma, entendem?), e do universo gráfico agressivo e machista dos videogames que tanto influenciam os jovens dos dias de hoje a desrespeitar a figura feminina e a corromper a sua liberdade sexual.

Seja como metáfora, ou crítica, ou ainda sim como um estudo de personagem excepcionalmente bem-feito, Elle é um filme que merece ser ressaltado. Isabelle Huppert está em uma de suas melhores performances. A lenda máxima do cinema francês apresenta-se em plena forma aos 63 anos, esbanjando coragem, dedicação e força ao se entregar plenamente a uma personagem complicada de se atuar e repleta de detalhes, que acaba por ser um dos maiores desempenhos dessa estrela talentosíssima e que nunca se cansa de brilhar e se renovar a cada atuação, sempre magistral e elegantíssima.

A indicação ao Oscar já vem tarde. Vai ser uma baita mancada se não indicarem a maior e mais talentosa atriz do cinema francês (e possivelmente mundial) ao então dito reconhecimento máximo do cinema, ainda mais quando ela está numa performance tão celebrável e inesquecível como essa. Que ela merece isso nós sabemos há muito, muito tempo. E a querida Huppert nunca esteve tão próxima da estatueta antes. É a grande chance dela. Sem falar que o filme foi selecionado pela França para concorrer a uma vaga em Melhor Filme Estrangeiro. Será que dessa vez o Verhoeven, que já dirigiu tantos sucessos nos EUA (de Instinto Selvagem a RoboCop) vai conseguir a sua primeira indicação esse ano, junto com a Isabelle? Que sonho! 

A fotografia de Stéphane Fontaine, que consegue tonalizar com perfeição a atmosfera obscura de suspense e tensão, é um mérito a ser frisado. A extasiante e palpitante trilha sonora de Anne Dudley cai como uma luva. Elle é adaptado do livro Oh..., de Phillipe Djian. O roteirista do filme é David Birke.

Enfim, Elle é tudo isso e mais. Um filme brilhante, uma obra-prima difícil de esquecer, um retrato perturbador de uma mulher afetada pela violência, pelo trauma e pelo horror. Uma crítica feroz à ciranda de relações familiares e às convenções da sociedade moderna. Tudo isso em 2 horas. Só uma dupla como Paul Verhoeven e Isabelle Huppert para conseguir um feito tão extraordinário como esse. O resultado é um filmão primoroso, que conquista tanto pelo aspecto inconvencional, desafiador e provocador de sua proposta vibrante quanto pelo caráter metafórico e crítico de sua trama inteligentíssima. O melhor thriller do ano! É um filme obrigatório. Assistam!

Elle estreia mês que vem aqui no Brasil, dia 17 de novembro, além de ser uma das atrações da 40ª Mostra Internacional de Cinema de SP, que começa daqui a 9 dias. Mas, pra quem não consegue segurar a ansiedade (assim como eu) o filme já saiu na internet, em uma cópia de qualidade bastante satisfatória. 

Elle
dir. Paul Verhoeven - 

domingo, 9 de outubro de 2016

Adeus, ANDRZEJ WAJDA (1926 - 2016)


36 filmes. Uma filmografia invejável. O mais respeitado dos cineastas poloneses. Andrzej Wajda, aquele que trouxe à vida obras lendárias como Cinzas e Diamantes ou O Homem de Ferro, faleceu hoje, para a tristeza de seus inúmeros admiradores e cinéfilos do mundo todo. Aquele mesmo homem que, com coragem e astúcia, desafiou a política de seu país usando o cinema como arma. O grande mestre Wajda vai fazer tanta falta... Aos 90 anos, o diretor veio a falecer em decorrência de insuficiência pulmonar. Idolatrado por muitos cinéfilos, Andrzej era considerado o maior diretor do cinema polonês, um ícone do cinema-revolução. Ele será homenageado na 40ª Mostra Internacional de Cinema de São Paulo, que começa dia 20 desse mês, com retrospectiva de seus grandes trabalhos. Seu último filme foi Walesa. Vá em paz, querido Wajda. 

Crítica: "APENAS UM BEIJO" (2004) - ★★★★


A carreira do cineasta Ken Loach é bastante sólida. O homem, que é conhecido por filmes focados em críticas à sociedade britânica e temas de cunho socialista e trabalhista, vez ou outra (e muito raramente, digamos) foge dessa cartilha adentrando outros caminhos, mas ainda com um pé na vértice socialista que tanto demarca o seu estilo independente e simplista de fazer cinema.

É o caso de Apenas um Beijo, que é uma comédia romântica centrada em um casal de apaixonados: um paquistanês e uma irlandesa. O filme é perfeitamente sagaz na representação desse contraste cuja simbologia faz referência às diferenças culturais e como isso afeta a relação amorosa dos personagens principais, ainda mais quando o rapaz está comprometido com uma outra mulher, escolhida pela sua família tradicionalista. 

O interessante de Apenas um Beijo é que Ken consegue fazer com que o espectador compreenda e se sensibilize tanto com o casal quanto com a família do cara paquistanês, sem fazer muito esforço. O filme em si consegue traçar um impasse, provocando o público e o desafiando a interpretar a situação, a aceitar a ausência de julgamentos para o que acontece.

Se por um lado o filme consegue elaborar uma trama repleta de riqueza narrativa e caracterização genuína como ninguém mais consegue além de Loach, do outro o filme corre o risco de cansar o espectador repetidas vezes com a enfatização e reconstrução dos detalhes mais pífios. A conclusão irregular também pode causar estranhamento a quem não está familiarizado com o estilo de Ken Loach.

A narrativa disseca duas perspectivas, dois olhares totalmente diferentes e os engloba em um só – talvez essa seja a definição conclusiva mais propícia do filme, mas também vale considerar que o final aberto é uma mera questão de respeito e compreensão ao que ambos os lados estão defendendo, ou até mesmo apenas a representação de que não existe uma resolução ideal ou justificada para essa trama tão difusa – para nos fazer entender os pontos de vista e seus propósitos distintos.

Ken Loach e seu estilo cinematográfico dotado de inerência sempre centrado em riquíssimos retratos ideológicos, que por vezes representam não só o que acontece dentro do Reino Unido ou da Irlanda, mas que também acabam por se universalizar. Seus filmes retratam histórias cabíveis, construções humanistas de contrastes ideológicos e padronistas seja de épocas passadas (Ventos da Liberdade, Jimmy’s Hall, Terra e Liberdade) ou do presente (Pão e Rosas, Mundo Livre, A Parte dos Anjos) que, de uma forma ou de outra, fazem-se necessários, essenciais, importantes para refletir sobre a sociedade.

Ademais, a relevância de Apenas um Beijo, que até agora é seu melhor filme para mim, é inestimável. Ken Loach é um dos maiores cineastas. Seu cinema é a arma da reflexão, do conhecimento e da representação. 

Apenas um Beijo (Ae Fond Kiss.../Just a Kiss...)
dir. Ken Loach - 

sexta-feira, 7 de outubro de 2016

Crítica: "SEXY BEAST" (2001) - ★★★★



Irônica a minha relação com os filmes de Jonathan Glazer. Sexy Beast, seu primeiro longa-metragem, é o último que vi dos três trabalhos dele até a data, enquanto Sob a Pele, seu filme mais recente, foi o primeiro que vi. Mas o meu favorito é o do meio, Reencarnação. Sexy Beast, este aclamado thriller que lançou Glazer no cinema (antes ele era mais conhecido como diretor de clipes musicais) é um filme ótimo, bastante interessante, mas é o que eu menos curti dentre os outros dois já citados da filmografia dele.

Entretanto, o filme tem sua importância. Provavelmente é a mais “compreensível” das três produções de Glazer. Sexy Beast segue uma linha narrativa estrutural e abrange recursos mais usuais, convencionais, óbvios e, quanto a esse ponto, não é tão complicado de se entender caso comparado a Reencarnação ou Sob a Pele, seus dois filmes seguintes, que apresentam um certo grau de complexidade em suas narrativas (em especial o último, que chega a ser, em certos momentos, até surrealista e metafísico). O curioso é que esses dois trabalhos são justamente superiores a Sexy Beast.

É claro, o que esses três filmes têm em comum? A direção excepcional e exótica de Jonathan Glazer. Aliás, uma certa sequência de Sexy Beast, uma bem perto do fim, que intercala uma cena brutal de assassinato com uma outra cena um pouco estranha em uma sauna em Londres é tão bem editada e dirigida que a gente fica paralizado, chocado. Talvez seja a melhor cena do filme todo.

Ben Kingsley está fenomenal. Uma das performances mais notórias e excelentes da carreira do ator. Em Sexy Beast, Ben interpreta um cara da máfia que vai fazer visita para um mafioso aposentado na Espanha, a convite de um novo “trabalhinho sujo”. Por outro lado, o homem aposentado (interpretado eximiamente por Ray Winstone) não quer mais saber desses trabalhos, e quer definitivamente estar livre de tudo relacionado ao seu passado na máfia – o que, logicamente, enerva o personagem instável e explosivo de Kingsley – embora o desfecho aponte para uma outra direção;

Achei que gostaria mais de Sexy Beast. É um filme com várias cenas ótimas, mas que frequentemente me cansou e fadigou, embora tenha uma duração apressada de um pouco menos de 90 minutos (evidente surpresa para um filme de ação/máfia). Entre os méritos técnicos do longa, estão a edição preciosíssima, a fotografia saturada e energética e a trilha sonora imprescindível de Roque Baños.

Sexy Beast
dir. Jonathan Glazer - 

quarta-feira, 5 de outubro de 2016

Crítica: "JULIETA" (2016) - ★★★★★


Almodóvar está de volta com mais um filme brilhante, daqueles de nos deixar ainda mais apaixonados pelo diretor e seu cinema fascinante. Julieta é um filme simplesmente sensacional, em todos os aspectos. Está longe de ser seu melhor filme, mas certamente permanece entre seus trabalhos mais respeitáveis e bonitos. Com autenticidade e firmeza, Almodóvar se reinventa e cria uma história excelente sobre os dramas de uma mulher de meia-idade frente a seu passado e sua relação com a filha distante. À sua maneira, Julieta é um filme original. Almodóvar trabalha seus personagens de forma delicada e passional, conferindo charme e beleza a um drama profundo sobre as marcas do passado.

A personagem do título, Julieta (interpretada por Adriana Ugarte na fase do passado e Emma Suaréz na fase do presente) é uma mulher amargurada, apesar de passiva, que toma coragem para escrever uma carta para a filha que não vê há muito tempo. Enquanto ela escreve a carta, somos redirecionados em flashbacks (um recurso que virou a marca registrada das narrativas de Pedro Almodóvar) aos dias passados de Julieta, como conheceu seu marido, sua relação com a mãe doente, a adolescência da filha, a amizade com a mãe de uma amiga e etc.

O relato é casual, e à medida em que passamos a acompanhar a jornada de Julieta, compreendemos seus dramas, suas angústias, seus medos e suas vontades. Almodóvar nos entrega um estudo digno e intimista dessa personagem que não dificilmente poderá ser identificada pelo espectador, que talvez já tenha passado pelos mesmos dramas ou enfrentado situações difíceis como ela. Ou seja, de uma forma ou de outra, Julieta pode ser visto como um filme universal. O espectador enxerga as dificuldades dessa personagem e se colocar no lugar dela, vivenciando a angústia e o peso de um passado fragmentado.

O filme ostenta uma beleza própria, algo bastante particular do estilo kitsch de Almodóvar. Afinal, todos os seus filmes são belos, seja no visual, seja na narrativa, seja nos personagens, seja na trilha sonora. No caso de Julieta, é um acerto em cheio. Trata-de se um filme belo, mas que também explora o lado obscuro e trágico das situações, e essa transição, que às vezes nem é muito aparente, é maravilhosa de se acompanhar.

O diretor de fotografia do filme é Jean-Claude Larrieu. Aliás, essa é a primeira vez que Larrieu trabalha com Almodóvar. Ele é famoso por ter trabalhado diversas vezes com a Isabel Coixet, também cineasta espanhola. A fotografia lindíssima de Julieta, inclusive, é uma das melhores coisas do filme. O visual acentuado, equilibrado, e embeleza as sequências dramáticas do longa. É um espetáculo de beleza e cores discreto e admirável.

A trilha, mais uma vez de Alberto Iglesias, é fantástica. E não é de hoje. Os filmes de Almodóvar sempre tiveram trilhas muito bonitas e intensas. O que seria de Fale com Ela, ou então o recente A Pele que Habito sem a trilha sonora sempre exuberante e estremecedora de Iglesias? Em Julieta, não foi diferente. A trilha é algo marcante e simbólico para a narrativa e a caracterização das cenas em si, e faz um belo par com a fotografia, igualmente deslumbrante.

As protagonistas Adriana e Emma estão em duas performances inesquecíveis. As atrizes estão ótimas. Almodóvar prova, mais uma vez, que é um dos melhores diretores de personagens femininas – se não for o melhor, é claro –. Só ele consegue entregar personagens mulheres tão fortes e distintas, e ao mesmo tempo fazer com que o público se sensibilize com ela e seus perrengues cotidianos.

Enfim, Julieta consegue ser um filme magistral, definitivamente um dos melhores desse mestre que é o Pedro, a cada filme nos emocionando e reforçando a certeza de que é um dos maiores gênios do cinema. Julieta é um retrato desconcertante, poético e sensível de uma mulher abalada, em busca de redenção. Muito bonito mesmo. 

Julieta
dir. Pedro Almodóvar - 

terça-feira, 4 de outubro de 2016

Crítica: "CAÇA-FANTASMAS" (2016) - ★★★


Desde quando foi anunciado que Paul Feig (diretor da comédia bem-sucedida Missão Madrinha de Casamento) estava trabalhando no remake feminino do clássico Os Caça-Fantasmas, houve burburinho e críticas. O filme estreou, lotou as salas. Fãs do filme original detonaram o spin-off. Por outro lado, o público jovem, que não teve o mesmo contato com a primeira produção, adorou. Entre elogios e xingamentos, Caça-Fantasmas teve uma recepção bastante alternativa, turbulenta. Afinal, é ou não é um bom filme?

Bem, não é uma obra-prima, isso é certo. Porém, é justo dizer que se trata de um bom filme. Afinal, temos aqui uma comédia com um elenco exclusivamente feminino, e uma história representativa para o que está acontecendo nos dias de hoje. O filme trabalha com questões envolvendo empoderamento feminino, sexismo, desigualdade entre gêneros, e por conta dessa síntese, que acaba enriquecendo seu propósito maior e acrescentando seriedade àquilo que de início era só uma brincadeira, devemos considerar e relevar a importância desse retrato.

Porém, há um ponto negativo nisso. O desrespeito ao filme original. Este Caça-Fantasmas seria um filme excelente se não desrespeitasse de forma tão descarada e extremista a produção original – que, frente à essa perspectiva, é tido como um filme machista, algo totalmente sem sentido, vista a falta de verdade nessa contextualização que leva em conta, centralmente, o fato do 1º filme ter como protagonistas quatro homens como os caça-fantasmas – e se isso fosse mesmo verídico, o filme ganharia mais credibilidade, mas ele o faz na intenção de se relevar, sem sucesso, e sem respeitar o primeiro.

Vejam só: a proposta é excepcional. Eu realmente adoro essa ideia das caça-fantasmas, e de todo o viés feminista por trás dessa nova aventura. Mas tinha que ser um spin-off? Tinha que ser tão desrespeitoso com o filme original, que é uma delícia de tão bom e engraçado?  Não poderia ser uma terceira sequência, com as novas personagens e os antigos caça-fantasmas? Seria muito bom. E não que Caça-Fantasmas seja um filme ruim, como eu já falei. É um filme agradável, adorável, mas que deixou a chance de ser grande passar. Não à toa, é claro.

Outros pontos negativos também devem ser ressaltados, como o personagem estereotipado do Chris Hemsworth (só porque a pessoa é “bonita” – uso de aspas em consideração da subjetividade da beleza – também é ignorante?), as piadinhas sem nexo, o desfecho sem clímax. Ah, e também mudaram a música-tema. Não gostei disso. A original é bem mais legal. "Who you gonna call? Ghostbusters!"

Mas nem tudo é tragédia. O filme tem coisas boas também. A começar pelo elenco, que está excepcional (Melissa McCarthy, Kristen Wiig, Kate McKinnon e a engraçadíssima Leslie Jones, confesso que virei fã dessa mulher). É realmente admirável. Os últimos 3 filmes de Paul Feig, incluindo Caça-Fantasmas, representam o empoderamento feminino de maneira digna, original, representativa e justíssima.

Ano passado, em A Espiã que Sabia de Menos, tínhamos McCarthy no papel de uma mulher que entra para o mundo da espionagem (clara sátira e crítica aos filmes de ação/espionagem com protagonistas masculinos). Em 2011, em Missão Madrinha de Casamento (o melhor filme dele, aliás), comédia feminina sobre amizade, vida adulta, maturidade e relações amorosas. Engraçadíssima e englobando diversas questões que acabam surgindo na vida de todo mundo com a chegada da idade adulta, as responsabilidades e etc.

Muita gente anda dizendo que Caça-Fantasmas é um filme extremista, porque mostra (supostamente, é claro) mulheres feministas pregando a superioridade contra os homens, o que acaba fazendo com que elas sejam uma nova versão do machista (no exemplo, a relação das caça-fantasmas com o secretário, que é tido como intelectualmente inferior, numa observação claramente ofensiva aos homens) e destrói o conceito de igualdade entre gêneros que deveria ser enfatizado. Mas, é claro, esse ponto é totalmente subjetivo, já que muita gente o considera um ponto positivo, ainda alegando que o “extremismo” das mulheres é um troco à ação machista dos homens, e que ainda prevalece na sociedade dos tempos de hoje. Ou seja, é algo bastante divisor e subjetivo, mas que merece ser refletido. Na minha opinião, é relevante para o que o filme está apontando. 

Olha, eu até que gostei. Tem certas horas que tem umas piadinhas sem graça e toscas, e no quesito humor Caça-Fantasmas perde mesmo para o primeiro filme, mas até que tem seu charme, e também comédia em certos momentos. Não me surpreende que tenha dividido tanta gente. Mas, enfim, Caça-Fantasmas tem a sua importância. A melhor coisa do filme é o elenco fantástico. Destaque, mais uma vez, para a Leslie Jones. 

Caça-Fantasmas (Ghostbusters)
dir. Paul Feig - ★★★