Faz tanto tempo que eu vi O Vencedor (para ser mais específico em fevereiro) que nem posso confiar a essa resenha um certo caráter analítico ou dissecativo. Seria preciso revê-lo. Na época, eu tinha gostado bastante. E a sensação de que eu tinha visto um grande filme, concretizada após o fim da sessão, continua nítida e fresca na minha memória. O melhor filme de David O. Russell até agora. David, que sempre foi considerado um cineasta muito instável, tem como seu melhor filme uma obra cinematográfica dilacerante e remotamente maravilhosa, repleta de sequências preciosíssimas e com um roteiro excepcionalmente bem-escrito.
Para se ter uma noção, o pessoal é tão duro com o David O. Russell, dizendo o quão superestimado e egocêntrico o diretor é, que parece que eles sentem prazer com esse julgamento pífio e completamente controverso, de tão frequente e comunal que é testemunhar acusações, a maioria destas injustas e incabíveis, em cima de um cara que faz filmes bons, alguns razoáveis e com certos desapontamentos, mas digeríveis, e que se esforça ao máximo para trazer um filme que cause impacto no público. Sempre retorna com algo novo e diferente em sua filmografia repleta de pérolas, como O Vencedor, seu trabalho máximo.
Até de seu menor filme, Joy: O Nome do Sucesso (que tem alguns pontos negativos) eu gosto. E olha que inicialmente eu tinha odiado o filme, mas com o tempo comecei a olhar para ele com outros olhos, e adquiri uma inusitada admiração por ele. A comédia romântica O Lado Bom da Vida foi uma experiência emocionalmente romântica (há quem não goste, mas eu simplesmente não consigo entender como alguém não pode gostar de um filme tão bom assim) numa época da minha vida em que meus sentimentos estavam mais aflorados e que qualquer filme romântico que eu via era um espetáculo de emoções e graças. Trapaça também me pegou de surpresa. A primeira vez que vi foi delicioso.
O legal de David O. Russell é que o cineasta raramente se repete. Seus filmes compartilham certas semelhanças entre si, que vão de algumas mais perceptíveis (como o visual) até outras menos visíveis, como as obsessões narrativas do diretor. Se Joy tem um roteiro extensivamente supérfluo, O Vencedor é o perfeito oposto. Consegue-se explorar as angústias, os dramas e as agonias de cada um dos personagens da multifacetada trama de O Vencedor, que gira em torno de um lutador (Mark Wahlberg) cujo irmão, consumido pelo vício (Christian Bale) outrora fora um lutador profissional, mas que perdeu a credibilidade com o tempo conforme se afundou nas drogas.
O filme traça uma linha honesta na luta do personagem de Wahlberg contra os abusos e as manias de sua família, comandada pela matriarca instável interpretada excelentemente por Melissa Leo, na performance de sua carreira que a rendeu o merecido Oscar de Melhor Atriz Coadjuvante em 2011. Enquanto ele tenta seguir sua vida, seus planos com a nova namorada, uma bartender (Amy Adams) mas sempre com a família no seu pé, criticando seus atos, e constantemente tentando impôr a razão.
Ao mesmo tempo em que se acompanha o estado de divisão e dúvida do personagem de Wahlberg, que sente como se estivesse preso à família, porém mais e mais ganha espaço a necessidade dele de contornar os conflitos familiares para vencer na vida, ser alguém. Essa necessidade é justamente o produto desse peso cruel que se lança sobre o personagem, já que afeta diretamente à sua família, sempre prezando por seu melhor, mas que acaba se tornando um grande problema para ele.
O elenco, aliás, está fenomenal. Graças a ele, o filme se torna um espetáculo de atuações extraordinárias de gente talentosíssima em ótima forma. Destaque para a já mencionada Melissa Leo, Christian Bale, que venceu o Oscar de Melhor Ator Coadjuvante em 2011, Mark Wahlberg e Amy Adams (também indicada ao Oscar de Atriz Coadjuvante em 2011, ao lado de Leo, que venceu).
A estética documental reforça o espírito de realidade que paira sobre o filme, além de realçar as atuações e uma especial atenção às minúcias do roteiro genial. A montagem e a fotografia são outros dois méritos indispensáveis. Por esses e outros motivos, O Vencedor é um filme precisamente necessário. David O. Russell nunca caprichou tanto em um filme sobre as relações familiares e a família americana dos tempos atuais. Mais que importante e bem-feito, a obra-prima de um cineasta que cada vez mais prova ser um dos maiores de sua geração.
O Vencedor (The Fighter)
dir. David O. Russell - ★★★★★
Nenhum comentário:
Postar um comentário