quarta-feira, 5 de outubro de 2016

Crítica: "JULIETA" (2016) - ★★★★★


Almodóvar está de volta com mais um filme brilhante, daqueles de nos deixar ainda mais apaixonados pelo diretor e seu cinema fascinante. Julieta é um filme simplesmente sensacional, em todos os aspectos. Está longe de ser seu melhor filme, mas certamente permanece entre seus trabalhos mais respeitáveis e bonitos. Com autenticidade e firmeza, Almodóvar se reinventa e cria uma história excelente sobre os dramas de uma mulher de meia-idade frente a seu passado e sua relação com a filha distante. À sua maneira, Julieta é um filme original. Almodóvar trabalha seus personagens de forma delicada e passional, conferindo charme e beleza a um drama profundo sobre as marcas do passado.

A personagem do título, Julieta (interpretada por Adriana Ugarte na fase do passado e Emma Suaréz na fase do presente) é uma mulher amargurada, apesar de passiva, que toma coragem para escrever uma carta para a filha que não vê há muito tempo. Enquanto ela escreve a carta, somos redirecionados em flashbacks (um recurso que virou a marca registrada das narrativas de Pedro Almodóvar) aos dias passados de Julieta, como conheceu seu marido, sua relação com a mãe doente, a adolescência da filha, a amizade com a mãe de uma amiga e etc.

O relato é casual, e à medida em que passamos a acompanhar a jornada de Julieta, compreendemos seus dramas, suas angústias, seus medos e suas vontades. Almodóvar nos entrega um estudo digno e intimista dessa personagem que não dificilmente poderá ser identificada pelo espectador, que talvez já tenha passado pelos mesmos dramas ou enfrentado situações difíceis como ela. Ou seja, de uma forma ou de outra, Julieta pode ser visto como um filme universal. O espectador enxerga as dificuldades dessa personagem e se colocar no lugar dela, vivenciando a angústia e o peso de um passado fragmentado.

O filme ostenta uma beleza própria, algo bastante particular do estilo kitsch de Almodóvar. Afinal, todos os seus filmes são belos, seja no visual, seja na narrativa, seja nos personagens, seja na trilha sonora. No caso de Julieta, é um acerto em cheio. Trata-de se um filme belo, mas que também explora o lado obscuro e trágico das situações, e essa transição, que às vezes nem é muito aparente, é maravilhosa de se acompanhar.

O diretor de fotografia do filme é Jean-Claude Larrieu. Aliás, essa é a primeira vez que Larrieu trabalha com Almodóvar. Ele é famoso por ter trabalhado diversas vezes com a Isabel Coixet, também cineasta espanhola. A fotografia lindíssima de Julieta, inclusive, é uma das melhores coisas do filme. O visual acentuado, equilibrado, e embeleza as sequências dramáticas do longa. É um espetáculo de beleza e cores discreto e admirável.

A trilha, mais uma vez de Alberto Iglesias, é fantástica. E não é de hoje. Os filmes de Almodóvar sempre tiveram trilhas muito bonitas e intensas. O que seria de Fale com Ela, ou então o recente A Pele que Habito sem a trilha sonora sempre exuberante e estremecedora de Iglesias? Em Julieta, não foi diferente. A trilha é algo marcante e simbólico para a narrativa e a caracterização das cenas em si, e faz um belo par com a fotografia, igualmente deslumbrante.

As protagonistas Adriana e Emma estão em duas performances inesquecíveis. As atrizes estão ótimas. Almodóvar prova, mais uma vez, que é um dos melhores diretores de personagens femininas – se não for o melhor, é claro –. Só ele consegue entregar personagens mulheres tão fortes e distintas, e ao mesmo tempo fazer com que o público se sensibilize com ela e seus perrengues cotidianos.

Enfim, Julieta consegue ser um filme magistral, definitivamente um dos melhores desse mestre que é o Pedro, a cada filme nos emocionando e reforçando a certeza de que é um dos maiores gênios do cinema. Julieta é um retrato desconcertante, poético e sensível de uma mulher abalada, em busca de redenção. Muito bonito mesmo. 

Julieta
dir. Pedro Almodóvar - 

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