Mais uma aventura surreal by David Lynch. Que filme! Ninguém sabe fazer cinema como esse gênio. Em Estrada Perdida, ele prova mais uma vez que em seus filmes ele não é apenas o diretor, mas sim o mágico, o experimentalista, o bruxo, o psicodélico esteticista, bolando a sua arte e seu mistério, seu estilo e seu enigma, às escondidas, nos perpetuando à deliciosa incompreensão. Só Lynch consegue proporcionar experiências desse gênero, de deixar o espectador atormentado, comovido e enfeitiçado (tudo ao mesmo tempo). Estrada Perdida é mais um achado genuíno em sua filmografia, um filme que, até mais do enigmático é, porque não?, divertido.
Sim. Estrada Perdida é um trabalho divertido. É claro, não insinuando que seja um filme divertido no sentido de ser engraçado. Estrada Perdida é uma montanha russa. Dá pra apreciar de bom tamanho o filme sem necessariamente compreendê-lo. Esse é muito provavelmente o filme do David que menos exige do nosso entendimento para cativar. Isso é o que faz desta obra uma joia rara, até mesmo para a filmografia do David Lynch, que é composta de filmes de difícil compreensão, bizarros e repletos de enigma. Quem conhece de perto o cineasta não se desaponta com Estrada Perdida.
Se existe um filme parecido com Estrada Perdida, mesmo que distantemente, esse filme é o francês Caché, que ainda sim está redondamente longe dos propósitos e das ambições deste aqui, ainda que ambas as tramas destes dois tenham lá as suas semelhanças. Estrada Perdida começa com um casal que vai à loucura com as frequentes entregas de fitas VHS na mansão onde vivem. As fitas incluem filmagens de fora da casa dos dois e de dentro, tendo até mesmo num desses vídeos fragmentos deles dormindo em um quarto. Aborrecidos com essa invasão, os dois decidem contatar dois detetives para dar início a uma investigação. No meio do filme, há uma brusca e esfíngica transição, ou melhor: inversão. O marido, um saxofonista, é preso acusado de ter assassinado a mulher.
Essa metamorfose é um ponto importantíssimo para a trama de Estrada Perdida. É aí que a gente percebe: "o Lynch tá tentando dizer alguma coisa". Mas, o que mais atrai no filme não é como o Lynch vai fabricando pistas e códigos. É a linguagem que ele usa para transpor esses eventos cabalísticos em filme que mais nos ganha e instiga. É genial como esse conto obscuro ganha vida sob os moldes do mestre, moldes que o transformam num sonho. Ou pesadelo, se formos ver de outra maneira. O resultado é chocante, mas reconfortante.
Estrada Perdida é um suspense artificial com ritmo. David Lynch trabalha bem a sua surrealidade em prol do equilíbrio entre esse mistério insolúvel que alimenta diretamente a trama e a sua parcela de bizarrices e soturnidades (pequenas obsessões Lynchianas). A gente vai acumulando questões na mente, mas o filme é tão ininterrupto que elas vão se dissolvendo com naturalidade na insobriedade da película. Passa cena e cada sequência vai saindo como nova, mesmo com aquele ar já renomado de incompreensão deixados pelas outras partes.
David Lynch também brinca com o erotismo, como fez anteriormente em Veludo Azul, expondo a co-estrela Patricia Arquette em cenas quentíssimas ao longo dos 130 minutos de filme. Arquette interpreta uma sexy femme fatale de dupla personalidade, e esse status só mais a enaltece quanto ao teor erótico de sua personagem dentro do filme.
O personagem principal, também dividido por duas personalidades, é a chave para a compreensão de Estrada Perdida. David Lynch metaforiza dentro dele um maníaco, um marido ciumento, um homem impotente, um predador movido por ilusão, à procura da redenção.
Me sinto impedido de comentar mais sobre Estrada Perdida a fim de não vos proporcionar tensos spoilers. Melhor parar por aqui mesmo. Estrada Perdida é fascinante, um primor cinematográfico. David Lynch é mais que um gênio. Combina horror psicológico e noir com perfeição. Não poderia ser coisa melhor.
Estrada Perdida (Lost Highway)
dir. David Lynch - ★★★★★
Sim. Estrada Perdida é um trabalho divertido. É claro, não insinuando que seja um filme divertido no sentido de ser engraçado. Estrada Perdida é uma montanha russa. Dá pra apreciar de bom tamanho o filme sem necessariamente compreendê-lo. Esse é muito provavelmente o filme do David que menos exige do nosso entendimento para cativar. Isso é o que faz desta obra uma joia rara, até mesmo para a filmografia do David Lynch, que é composta de filmes de difícil compreensão, bizarros e repletos de enigma. Quem conhece de perto o cineasta não se desaponta com Estrada Perdida.
Se existe um filme parecido com Estrada Perdida, mesmo que distantemente, esse filme é o francês Caché, que ainda sim está redondamente longe dos propósitos e das ambições deste aqui, ainda que ambas as tramas destes dois tenham lá as suas semelhanças. Estrada Perdida começa com um casal que vai à loucura com as frequentes entregas de fitas VHS na mansão onde vivem. As fitas incluem filmagens de fora da casa dos dois e de dentro, tendo até mesmo num desses vídeos fragmentos deles dormindo em um quarto. Aborrecidos com essa invasão, os dois decidem contatar dois detetives para dar início a uma investigação. No meio do filme, há uma brusca e esfíngica transição, ou melhor: inversão. O marido, um saxofonista, é preso acusado de ter assassinado a mulher.
Essa metamorfose é um ponto importantíssimo para a trama de Estrada Perdida. É aí que a gente percebe: "o Lynch tá tentando dizer alguma coisa". Mas, o que mais atrai no filme não é como o Lynch vai fabricando pistas e códigos. É a linguagem que ele usa para transpor esses eventos cabalísticos em filme que mais nos ganha e instiga. É genial como esse conto obscuro ganha vida sob os moldes do mestre, moldes que o transformam num sonho. Ou pesadelo, se formos ver de outra maneira. O resultado é chocante, mas reconfortante.
Estrada Perdida é um suspense artificial com ritmo. David Lynch trabalha bem a sua surrealidade em prol do equilíbrio entre esse mistério insolúvel que alimenta diretamente a trama e a sua parcela de bizarrices e soturnidades (pequenas obsessões Lynchianas). A gente vai acumulando questões na mente, mas o filme é tão ininterrupto que elas vão se dissolvendo com naturalidade na insobriedade da película. Passa cena e cada sequência vai saindo como nova, mesmo com aquele ar já renomado de incompreensão deixados pelas outras partes.
David Lynch também brinca com o erotismo, como fez anteriormente em Veludo Azul, expondo a co-estrela Patricia Arquette em cenas quentíssimas ao longo dos 130 minutos de filme. Arquette interpreta uma sexy femme fatale de dupla personalidade, e esse status só mais a enaltece quanto ao teor erótico de sua personagem dentro do filme.
O personagem principal, também dividido por duas personalidades, é a chave para a compreensão de Estrada Perdida. David Lynch metaforiza dentro dele um maníaco, um marido ciumento, um homem impotente, um predador movido por ilusão, à procura da redenção.
Me sinto impedido de comentar mais sobre Estrada Perdida a fim de não vos proporcionar tensos spoilers. Melhor parar por aqui mesmo. Estrada Perdida é fascinante, um primor cinematográfico. David Lynch é mais que um gênio. Combina horror psicológico e noir com perfeição. Não poderia ser coisa melhor.
Estrada Perdida (Lost Highway)
dir. David Lynch - ★★★★★
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